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No Dia do Garçom, conheça histórias e peripécias de quatro profissionais

Com anos de experiência, eles são os queridinhos dos bares e restaurantes da Zona Sul

Leiz Santos, do Garoa Bar Lounge, consegue segurar até quatro copos de drinques na mão: festas em casa de clientes
Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Leiz Santos, do Garoa Bar Lounge, consegue segurar até quatro copos de drinques na mão: festas em casa de clientes Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

RIO — Eles desfilam com maestria, de um lado ao outro dos salões, com bandejas e canecas de chope na mão, num malabarismo singular. São queridos (e muito!) por seus fiéis clientes, mas também sabem esbanjar simpatia para os novatos do pedaço. Já foram até homenageados em música da banda Skank, cuja letra evoca sete nomes como são popular e carinhosamente chamados. No Dia do Garçom, comemorado hoje, conheça um pouco da história de quatro deles, que são bem queridinhos da boemia carioca.

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Não se assuste se em um determinado momento sua cabeça der um nó. Esta matéria, guardadas as devidas e gigantescas proporções, tem um quê de “Cem anos de solidão”. Se no clássico da literatura de Gabriel García Márquez todo mundo se chamava José Arcadio ou Aureliano, aqui nossos personagens são, coincidentemente, Francisco. Até quem não era, virou. A única exceção é Leiz Santos, que trabalha no Garoa Bar Lounge, no Leblon. Comecemos, então, por ele.

“Mais de mil drinques na mão” é o hit de Santos, cantado com entusiasmo pelos mais íntimos. Ok, o bordão é um exagero, mas ele consegue levar quatro taças em cada uma delas, sem deixar cair uma gota. O garçom chegou ao Garoa em abril de 2017, pouco depois da abertura do bar, mas sua carreira é longa. Começou na área aos 15 anos, quando seu pai, também garçom, o levou como ajudante para um trabalho em Paquetá. Inicialmente, foi contratado para lavar os pratos, mas em pouco tempo conseguiu chegar ao salão. Depois, o pai sofreu um infarto e ele ocupou a vaga de vez. Hoje, aos 30, faz o perfil parceiro da galera, porém discreto. Adora sair após o fechamento da casa para beber com os clientes, mas fica de bico calado quando algum deles aparece com uma companheira nova.

— Já fui a muitas festas em casa de clientes. Uma vez fiquei tão bêbado que me colocaram no táxi. Temos a liberdade aqui no bar de nos tornarmos amigos das pessoas que frequentam. Quando eu vejo que alguém está exagerando na bebida, sirvo água. O segredo é atender como eu gostaria de ser atendido — revela Santos, que ganha muitos vinhos e charutos de presente.

Simpático. Gerardo Freires foi apelidado de Chicão e trabalha no Galeto Sat’s de Botafogo Foto: Alexandre Cassiano / Fotos de Alexandre Cassiano
Simpático. Gerardo Freires foi apelidado de Chicão e trabalha no Galeto Sat’s de Botafogo Foto: Alexandre Cassiano / Fotos de Alexandre Cassiano

RIO — Gerardo Freires Duarte trabalha no Galeto Sat’s de Botafogo. Mas se você chegar lá e procurar por ele, ninguém vai saber quem é. Só é conhecido como Chicão. O apelido é bem antigo e foi dado, sem motivos, por Vanderlei Luxemburgo, há seis anos, quando Chicão trabalhava na rede Windsor de hotéis. Pegou de vez, e ao ser admitido no Sat’s, em 2016, já chegou com o novo nome.

Ele é um dos funcionários mais populares da casa, mas, diferentemente de Santos, Chicão é bem reservado. Um homem doce, tranquilo e de poucas palavras. Durante os 31 anos de profissão, afirma que nunca perdeu a cabeça, mesmo com os clientes estressados. Nordestino de Santa Quitéria, no Ceará, chegou ao Rio aos 14 anos, para morar na casa da madrinha. Tornou-se garçom aos 18 e depois disso nunca mais quis largar a bandeja. Ao longo de todos esses anos, viu muitas mudanças na carreira, principalmente em relação à etiqueta, antes bastante rígida. Ainda que atualmente as regras sejam mais flexíveis, ele incorporou algumas delas, usadas até hoje. Só serve a comida pelo lado esquerdo e depois retira os pratos pelo direito, e nunca põe a mão no meio do copo.

— Gosto muito de trabalhar com o público e amo a minha profissão. Mas saber trabalhar bem é difícil, tem que entender a hora de pedir licença e saber vender.

Nisso, é especialista. Apesar de não tomar bebida alcoólica há sete anos, curte sugerir sabores originais de caipirinhas. O público? Adora.

DOIS FRANCISCOS EVANGELISTA

Certa vez, Francisco de Paiva Evangelista, o Paiva, do Bar Lagoa, teve sua história contada em reportagem de uma revista. Foi considerado “a vergonha da casa”. Num estabelecimento conhecido por ter garçons mal-humorados, ele foi exaltado por sua “boa educação”. A brincadeira o deixou famoso. E não é por menos. Articulado e sem papas na língua, foi até candidato a vereador, na década de 1990, mas conseguiu apenas pouco mais de mil votos.

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— Foi quando eu vi que político duro não tem futuro — brinca ele, que complementa: — Sou simpático. Quem quiser ser diferente, que seja. Em 2015, ganhei a eleição de garçom mais mal-humorado do Bar Lagoa, mas foi uma fraude. Perguntei para o chefe se eu podia pedir votos, ele falou que sim e fiz a campanha. Os clientes ficaram receosos, achando que poderiam me prejudicar de alguma forma, mas eu falava que estava concorrendo a um salário a mais — revela.


Francisco de Paiva Evangelista, o Paiva, do Bar Lagoa: eleição de mais mal-humorado foi fraudulenta
Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Francisco de Paiva Evangelista, o Paiva, do Bar Lagoa: eleição de mais mal-humorado foi fraudulenta Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Paiva é da cidade de Guaraciaba do Norte, no Ceará, e chegou ao Rio aos 16 anos. Seu segundo emprego foi como garçom e não quis mais largar a profissão. Foi parar no Bar Lagoa por indicação do tio, Francisco Rodrigues Barroso, que já trabalhava na casa e até hoje está lá. Passou por tanta história tragicômica que resolveu escrever um livro, ainda em fase de produção. Tem da típica carteirada do “você sabe com quem está falando?” a jovem atropelado na frente do bar.

— Um dia, na fila de espera, um casal pediu para ficar em uma mesa próxima a dos seus amigos. Vagou uma bem ao lado, mas era a vez de um outro casal, que estava na frente. O rapaz ficou irritado e perguntou para mim: “Você sabe quem eu sou?” Respondi: sei. Um cliente igual ao outro com a desvantagem de ter chegado depois. Os amigos dele ficaram muito envergonhados e me pediram desculpas. Outra história legal é a de um menino que tinha uns 15 anos e estava de bicicleta quando foi atropelado aqui na frente. Socorri e levei para o hospital. Na época nem tinha celular, foi difícil conseguir contato com a família. Só fui embora quando um tio chegou. Voltei para o bar e, à noite, vi uma caravana enorme chegando. Pensei: “Ih, lá vem mesão, alguém vai se dar bem”. Quando as pessoas se aproximaram, vi que era o menino, com o braço quebrado, e todos os parentes. Vieram para agradecer. Saio daqui todos os dias fisicamente cansado, mas mentalmente feliz — resume.

Já Francisco Evangelista da Silva, o popular Chicão, do Restaurante Adriano, em Botafogo, tem 50 anos e trabalha na casa há 29. Assim como Paiva, além do mesmo sobrenome, Chicão também nasceu no Ceará, só que em Limoeiro do Norte. Famoso por sua simpatia e agilidade, está sempre brincando com os clientes, que já chegam procurando por seu atendimento. O diferencial é de cara ser reconhecido pela coleção de broches que traz em seu avental. São mais de 150.

— O primeiro broche que eu recebi de um cliente tinha escrito “Fora Temer”. A partir daí, comecei a minha coleção. Os outros clientes perceberam que eu gostei do adereço e foram me dando. É um mimo. Até a seleção do Japão, que almoçou aqui na Olimpíada, me presenteou com um broche dos Jogos de 2020, que acontecerá na terra deles — comenta.


Francisco Evangelista da Silva é o popular Chicão, do Restaurante Adriano, em Botafogo
Francisco Evangelista da Silva é o popular Chicão, do Restaurante Adriano, em Botafogo

Com o ofício que ama, Chicão construiu família e criou seus dois filhos. Além do restaurante, complementa a renda familiar vendendo uma pimenta que ele mesmo produz e diz ser uma das melhores do Rio.

— É a que servimos no restaurante. Os clientes encomendam e sempre trago, junto com o pão de mel da minha mulher, que é sucesso — comenta.

Para ele, o segredo da profissão está em tratar a todos com igualdade:

— A coisa de que mais gosto aqui não é ter clientes, mas amigos. Sem preconceito ou distinção. Assim vamos tocando a vida — conta Chicão.

Artistas como Paulo Ricardo, Zé Ramalho e Vanessa da Mata já passaram pelo local, segundo Chicão. Ele gosta de ironizar quando diz que com o comediante Marcelo Madureira troca até beijinho “de rosto”, de tão amigos que se tornaram. Com o jogador Marcelo, do Real Madrid, ele joga bola na praia no fim de semana.

O economista aposenta do Ivan Losanoff, morador da Urca, diz conhecer Chicão há pelo menos 20 anos.

— O carisma, a extroversão e a simplicidade dele acabam cativando todo mundo. Todo cliente que viaja pelo Brasil, Europa, exterior em geral, traz broches para o Chicão. Já virou marca registrada — declara Losanoff.

(*Estagiária, sob supervisão de Ana Beatriz Marin).

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