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Rio

Caso Marielle: Grupo de matadores de aluguel formado por policiais é novo alvo das investigações

‘Escritório do crime’ pode estar envolvido no assassinato da vereadora

O túmulo da vereadora Marielle Franco, no Cemitério São Francisco Xavier, assassinada com quatro tiros em março: até hoje a polícia não descobriu o autor e o mandante da execução
Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo
O túmulo da vereadora Marielle Franco, no Cemitério São Francisco Xavier, assassinada com quatro tiros em março: até hoje a polícia não descobriu o autor e o mandante da execução Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

RIO — No rastro da apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco , a polícia descobriu a existência de um grupo de elite de matadores no Rio. Formado por policiais e ex-policiais, entre eles um major da ativa e um ex-oficial do Bope, o grupo é altamente especializado em execuções por encomenda, sem deixar pistas.

A participação desse grupo, conhecido como Escritório do Crime , é uma das hipóteses levantadas pela polícia para explicar o grau de complexidade na apuração do assassinato, que completou cinco meses sem solução.

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A suposta participação do Escritório do Crime nas mortes de Marielle e do motorista Anderson Gomes não anula a principal linha de investigação até agora: a de que o executor seria o miliciano Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando de Curicica , que está no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. A suspeita é que o grupo de matadores teria assassinado a vereadora ao ser procurado por Curicica, mas a polícia não descarta a hipótese de haver um outro mandante. A proliferação de hipóteses envolvendo o crime indica o quanto a investigação das execuções ainda patina para chegar a uma solução.

A polícia tem informações, não confirmadas, de que a morte de Marielle teria custado R$ 200 mil. Segundo esses relatos, a quadrilha chegou a pedir mais dinheiro depois da enorme repercussão do caso. Os valores estão em linha com o que cobraria o sindicato de assassinos: um homicídio vai de R$ 200 mil a R$ 1 milhão, a depender do perfil da vítima e de sua relevância.

Se confirmado o envolvimento do Escritório do Crime, a morte de Marielle seria um de seus atos mais ousados, mas não o único: a quadrilha faz “serviços” pelo país inteiro e cobra um ágio por ações fora do Rio. Como o grupo faz os trajetos de carro, levando armamento pesado e farta munição, aumenta seu nível de exposição.


Anistia Internacional e familiares da ex-vereadora Marielle Franco protocolam documento na políca civil pedindo empenho na solução do crime
Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Anistia Internacional e familiares da ex-vereadora Marielle Franco protocolam documento na políca civil pedindo empenho na solução do crime Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

A principal pista da polícia para ligar o Escritório do Crime à execução de Marielle vem do interrogatório de um integrante do bando. Embora ele tenha negado que estivesse no Estácio, onde a vereadora foi morta, no dia do crime, dados de antenas de celulares, cruzados com um aparelho usado pelo suspeito, indicaram que ele estava no local no dia e hora do assassinato.

Outro dado relevante, que reforça a participação do grupo, é que o Cobalt usado pelos assassinos passou pelo Itanhangá, antes de seguir para a emboscada a Marielle. Uma câmera da prefeitura instalada no local flagrou o veículo. Nesse trajeto fica a Favela de Rio das Pedras, um dos redutos dos matadores.

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O profissionalismo do Escritório do Crime acaba sendo sua assinatura, justamente um dos rastros seguidos pela polícia. Assim como não usam seus celulares pessoais (o aparelho do criminoso localizado pela polícia não estava no nome dele), eles têm a capacidade de fazer um levantamento prévio, a partir de informações privilegiadas, como saber se câmeras de segurança estão ou não funcionando. Por serem policiais e ex-PMs, conhecem bem a máquina administrativa e têm uma farta rede de informantes.

Até a clonagem dos carros é feita por integrantes da quadrilha, que mantêm sigilo absoluto sobre as ações. Se houver a menor desconfiança de que, internamente, alguém possa traí-los, o delator é eliminado.

Como o chefe do grupo é ex-oficial do Bope, os membros da organização criminosa são bem treinados e capazes de ficar horas dentro de um carro, por exemplo. Foi o que aconteceu na vigilância feita enquanto Marielle, no dia 14 de março, dava uma palestra na Casa das Pretas, na Rua dos Inválidos, no Centro, momentos antes de ser executada. Para evitar idas ao banheiro, os criminosos costumam urinar em garrafas no próprio carro. Caso sejam abordados pela polícia, apresentam a carteira da corporação — há sempre um PM no carro. Se isso ocorrer, abortam a missão.

Do bicho para a milícia

Os integrantes do grupo começaram a atuar como seguranças de bicheiros do Rio, no início dos anos 2000, com a missão de garantir o poderio e os territórios de seus patrões.

Pouco depois, de acordo com investigações, o ex-oficial do Bope decidiu criar sua equipe de matadores de aluguel, para assassinar os desafetos dos contraventores. Eliminavam qualquer um, desde que lhes pagassem bem. No início, bastava ter a descrição do carro das vítimas, horário e local, para a execução do “serviço".

Em pouco tempo, o chefe do bando deixou de ser apenas segurança, tornado-se dono do próprio negócio, explorando o jogo do bicho e as máquinas de caça-níqueis. O ex-oficial se transformou em miliciano, ampliando seus negócios para a área da construção civil e até a venda de combustível furtado de dutos da Petrobras, na Baixada Fluminense. Mesmo assim, as mortes por encomenda continuaram a ser o negócio mais rentável. A polícia atribui ao grupo dezenas de homicídios, no estado e fora dele, que continuam ainda sem solução.

Lista de assassinatos sem solução

A carteira de assassinatos atribuída pela polícia ao Escritório do Crime é extensa. Uma das mortes que estariam na conta do grupo é a do presidente da Portela, Marcos Vieira de Souza, conhecido como Falcon, de 52 anos, em setembro de 2016.

Falcon, morto em 2016: possível vítima do Escritório do Crime Foto: Guilherme Pinto/8-3-2016 / Agência O Globo
Falcon, morto em 2016: possível vítima do Escritório do Crime Foto: Guilherme Pinto/8-3-2016 / Agência O Globo

Ele concorria a uma vaga de vereador pelo PP e foi executado em seu comitê eleitoral, em Oswaldo Cruz, na Zona Norte, quando seus seguranças o deixaram sozinho por alguns minutos. Foi o tempo suficiente para dois homens encapuzados entrarem no local e assassinarem o candidato com tiros de fuzil na cabeça. Nem a presença de câmeras no local inibiu a ação.

Outro homicídio atribuído aos mercenários é o do sargento da PM reformado Geraldo Antônio Pereira, no estacionamento de uma academia no Recreio, na Zona Oeste, em maio de 2016.

Na época, a Delegacia de Homicídios da Capital (DH) informou que a principal linha de investigação era a disputa pela exploração de máquinas de caça-níqueis na região. Pereira, quando estava na ativa, trabalhou como policial cedido à Divisão Antissequestro (DAS).

Em junho do ano passado, a vítima foi o contraventor Haylton Carlos Gomes Escafura, de 37 anos, filho do bicheiro José Caruzzo Escafura, o Piruinha. Mais uma vez, o crime foi cometido por dois homens que subiram até um quarto no oitavo andar de um hotel na Barra da Tijuca, onde estavam a vítima e sua acompanhante, a PM Franciene Soares de Souza, de 27 anos. Todos os crimes continuam sem solução.