BRASÍLIA - O conflito entre brasileiros e venezuelanos, que levou 1.200 imigrantes a deixar a cidade de Pacaraima, no Norte de Roraima, tem um forte componente político. Em reunião no Alvorada, a leitura do Palácio do Planalto é que a governadora Suely Campos (PP) — candidata à reeleição e adversária do senador Romero Jucá (MDB), ex-ministro de Michel Temer— e seus aliados têm incitado a população a hostilizar os venezuelanos.
Procurada, a governadora Suely Campos disse, por meio do seu secretário de Relações Institucionais, Marcelo Lopes, que o governo federal vem falhando nas ações para conter o problema dos venezuelanos em Roraima. E que nunca tratou a questão de forma política ou eleitoral.
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— A governadora jamais fez uso eleitoral da questão dos venezuelanos. Esse componente político eleitoral pode até existir, mas por parte do MDB e do senador Romero Jucá, que é um dos opositores da Suely.
Segundo o governo de Roraima, o estado já gastou quase R$ 200 milhões com ações para atender os venezuelanos, e vem pedindo o ressarcimento desses investimentos.
O prefeito de Pacaraima, Juliano Torquato, do mesmo partido da governadora, disse lamentar os ataques, mas ressaltou que a revolta era esperada .
— A população está numa situação difícil. O governo federal está ciente. Mas nada foi feito — disse.
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O governo brasileiro anunciou neste domingo o envio de 120 homens da Força Nacional e de 36 profissionais de saúde, além da criação de um abrigo fora da cidade, a caminho da capital Boa Vista. Em nota oficial, divulgada ontem após reunião ministerial, o Planalto sugere que a governadora solicite o envio das Forças Armadas: “O governo continua em condições de empregar as Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em Roraima. Por força de lei, tal iniciativa depende da solicitação expressa da senhora governadora do estado”, diz o comunicado.
A nota gerou protestos do governo de Roraima, que afirma já ter solicitado inúmeras vezes a presença dos militares. O estado anunciou que vai ingressar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando que seja feita triagem dos imigrantes na fronteira.
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Dos 120 homens da Força Nacional que serão enviados, 60 embarcarão hoje. Ainda não há data definida para a ida dos outros 60. Uma comissão interministerial visitará Pacaraima para adotar providências adicionais.
A reação veio depois que o governo da Venezuela cobrou providências do governo brasileiro para garantir a proteção e a segurança dos venezuelanos. Em nota, Caracas afirma que os ataques aos venezuelanos são estimulados por uma “perigosa matriz de opinião xenófoba, multiplicada por governos e pela imprensa a serviço do imperialismo”.
O ataque aos imigrantes ocorreu após um empresário brasileiro ter sido assaltado e espancado quase até a morte por quatro venezuelanos, na sexta-feira, segundo as autoridades locais. Após o episódio, imigrantes venezuelanos que moravam nas ruas de Pacaraima tiveram acampamentos improvisados e pertences queimados por cerca de dois mil moradores da cidade. Os manifestantes obrigaram os venezuelanos a cruzarem a fronteira de volta para seu país e chegaram a fazer uma barricada para impedir o retorno dos imigrantes.
ESPECIALISTAS CRITICAM
Especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram insuficientes as ações do governo brasileiro para lidar com a crise migratória. Porta-voz da ONG Conectas, Camila Ansano afirma que o governo brasileiro insiste em tratar o caso como questão de segurança e “não como de direitos”, ao enviar apenas tropas à região.
— Toda essa gestão tem sido encabeçada pelas Forças Nacionais, pelo Exército, que claramente não é o órgão competente para tratar de imigração. É preciso que outros órgãos se envolvam de forma efetiva, como os ministérios da Saúde, Desenvolvimento Social e Justiça.
Maurício Santoro, cientista político e professor da Uerj, acredita que só um improvável acordo multinacional pode dar conta da crise.
— Não é o Brasil sozinho que vai ter uma resposta efetiva para o tema. Chegou a hora de haver um esforço de vários países. Infelizmente, isso é muito difícil no momento.
Os ataques a venezuelanos por moradores de Pacaraima (RR) foram condenados por três candidatos às eleições de outubro, que, no entanto, evitaram criticar a ação dos brasileiros.
PRESIDENCIÁVEIS CONDENAM AGRESSÕES
Marina Silva (Rede) disse que o episódio resulta de “dois grupos de desvalidos”.
— De um lado, os refugiados, produto do colapso da democracia na Venezuela; de outro, os habitantes de Roraima, em cujas costas o governo jogou a tarefa de assistir sozinhos os venezuelanos. Nada justifica a violência, mas as duas partes no conflito são vítimas de seus próprios desgovernos — afirmou Marina, acrescentando que o Brasil se omitiu de ajudar a construir uma saída para a crise venezuelana.
O senador Alvaro Dias (Podemos) afirmou que abomina qualquer ato de violência, mas considera injusto criticar as autoridades locais, já que não há estrutura adequada para receber os imigrantes e o desemprego no Brasil é alto. Ele defendeu o envio de uma força-tarefa qualificada para Roraima.
Jair Bolsonaro (PSL) se manifestou sobre o conflito pelas redes sociais.
— Há mais de um ano, muitos vídeos vêm sendo publicados e mostram nossa postura sobre o assunto e as derivações da irresponsabilidade dos governos brasileiro e venezuelano — afirmou, sem detalhar suas posições.
Ele já defendeu que venezuelanos não podem ficar na capital, Boa Vista, “causando transtornos na cidade dos mais variados jeitos possíveis” e se mostrou favorável à implantação de campos de refugiados.
Procurados, Bolsonaro, o tucano Geraldo Alckmin e Ciro Gomes (PDT) não retornaram ao GLOBO. Os demais candidatos também não se pronunciaram neste domingo sobre o tema.
Em seus planos de governo entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nenhum dos 13 candidatos apresentou propostas específicas sobre a entrada de venezuelanos no país, nem citou a crise em Roraima.
Lula (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Vera Lúcia(PSTU) abordaram o tema da imigração, mas não citam a situação em Roraima. O petista — que deve ter a candidatura impugnada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa — fala em lançar uma Política Nacional de Migrações e em reconhecer direitos de refugiados. Boulos também promete promover a “proteção aos refugiados e a garantia dos direitos humanos de migrantes”.
Henrique Meirelles (MDB) disse que é preciso primeiro enfrentar com firmeza e restabelecer a ordem em Roraima, com o uso da Força Nacional. Segundo ele, o interesse dos brasileiros tem de ser defendido e é necessário assistir e redirecionar para outros locais os refugiados venezuelanos que hoje estão concentrados em Roraima.