Por Matheus Rodrigues e Felipe Grandin, G1 Rio


RJ tem mais de 400 casos de chacina na última década

RJ tem mais de 400 casos de chacina na última década

Na última segunda-feira (23), três amigos conversavam na calçada em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, quando foram assassinados. Testemunhas afirmaram que um carro passou atirando.

Chacinas como essa são frequentes e acontecem há anos no Rio de Janeiro. Levantamento exclusivo do G1 mostra, pela primeira vez, um retrato completo de dez anos de massacres: 411 assassinatos com três ou mais vítimas entre 2009 e 2018, que deixaram 1.391 pessoas mortas.

Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) no Instituto de Segurança Pública (ISP). E mostram que as chacinas se tornaram bem mais frequentes em 2017, quando 59 casos foram documentados no RJ – alta de 43%.

G1 no Jornal Hoje: Estado do Rio tem mais de 400 chacinas, com mais de 1.300 mortos em 10 anos

G1 no Jornal Hoje: Estado do Rio tem mais de 400 chacinas, com mais de 1.300 mortos em 10 anos

Houve uma queda em 2018, mas continuou em um patamar acima dos anos anteriores, com 54 ocorrências (veja todos os dados abaixo).

Os dados consideram apenas os homicídios dolosos e não incluem as mortes por intervenção policial.

Para entender as causas e as consequências desses crimes bárbaros, o G1 ouviu especialistas em segurança, autoridades, parentes de vítimas e sobreviventes de chacinas.

RJ teve 411 chacinas em 10 anos — Foto: Wagner MAgalhaes/G1

Massacre de Realengo

Em 2011, Wellington Menezes de Oliveira entrou armado na Escola Municipal Tasso da Silveira em Realengo, Zona Oeste do Rio. Ele tirou a vida de 12 crianças e fez vários feridos.

Sobrevivente do episódio, Thayane Monteiro afirmou em entrevista que demorou muito para se recuperar do trauma após levar quatro tiros.

“Eu fiquei com muito medo, traumatizada, via coisas e tinha alucinações. Eu fiquei com muito medo. Mas, no ano seguinte, eu decidi voltar [para o colégio] e terminar. Ali começou e ali eu tinha que terminar meu ensino fundamental. Foi muito difícil, mas eu consegui”, disse a jovem, que ficou paraplégica por causa dos ferimentos.

Thayane estava em uma das salas onde o atirador entrou e teve que se fingir de morta para sobreviver. Ela pensou em desistir da própria vida, mas após anos de tratamento já recuperou o movimento de uma das pernas.

Thayane Monteiro é sobrevivente do Massacre de Realengo — Foto: Gustavo Wanderley/G1

“Eu estava me fingindo de morta, ele esbarrou no meu pé e eu olhei para ele. Eu estava sentada no chão. Ele me olhou e disse: ‘você não morreu não? Que pena, você vai morrer porque é muito bonitinha’. Foi quando ele fez os tiros à queima-roupa”, contou a menina.

“Eu já cheguei diversas vezes pegar na mão da minha mãe, orar e falar: ‘Mãe, vamos pedir para Deus me levar porque eu não aguento mais sofrer, não aguento mais sentir dor’. Eu achava que eu não iria passar daquilo ali. Graças a Deus, eu passei”, completou.

Atirador no Massagre de Realengo estava armado — Foto: Reprodução/GloboNews

Crime organizado como causador de chacinas

Apesar de ter sido marcante, o Massacre de Realengo é considerado um episódio atípico por especialistas em segurança. Casos de “lobos solitários”, quando uma pessoa comete atentados sem interferência de organização criminosa, não são comuns no Brasil.

A coordenadora do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), promotora Simone Sibílio, disse ao G1 que há uma relação nítida e histórica entre o aparecimento de chacinas e o crime organizado.

"Em regra, onde há crime organizado há chacina”, disse a promotora.

Pessoas se jogam no chão após ataque em bar de Belford Roxo, chacina deixou 4 mortos — Foto: Reprodução

O diretor do Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegado Antônio Ricardo Nunes, afirmou que o crime organizado, seja milícia ou tráfico, é responsável por grande parcela das mortes no estado. Ao falar sobre os grupos paramilitares, o delegado afirmou que a participação de agentes públicos no crime dificulta as investigações.

“O agente de segurança pública, muitas vezes, tem informação privilegiada, tem acesso a informações que não poderia ter, isso acaba dificultando. Além de ele saber também algumas técnicas de investigação. Isso são coisas que dificultam a investigação”, disse Antônio Ricardo.

A disputa pelo controle de territórios por organizações criminosas é uma das causas das chacinas. Os conflitos pelo domínio de determinada região podem acontecer entre facções de traficantes, grupos milicianos ou embate entre narcotraficantes e milicianos.

Chacinas estão ligadas ao crime organizado, segundo especialistas — Foto: Wagner Magalhães/G1

“Antes, você tinha uma hegemonia muito forte de uma determinada facção e você teve tentativas de outros grupos de se reposicionar. Nessa questão, você tem ações pontuais de chacinas. Mas quem produziu mais fortemente as chacinas nos últimos 15 a 20 anos são as milícias, que fazem um processo de extermínio, de dizimar determinadas células de grupos adversários para controlar certos locais”, disse Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Defensoria Pública.

Ao serem questionados pelo G1 sobre o alto número de chacinas, os especialistas afirmaram que esses casos específicos apresentam algumas dificuldades.

Cinco principais questões que atrapalham a elucidação dos massacres:

  • Temor das testemunhas de denunciar criminosos;
  • Insuficiência do trabalho dos peritos;
  • Banalização da violência;
  • Falta de materialidade do crime (desaparecimento dos corpos);
  • Participação de agentes do estado.

O governo do RJ foi procurado pelo G1 e informou que tem "investido em inteligência, investigação e reaparelhamento das secretarias de Polícia Civil e de Polícia Militar" para reduzir os índices de criminalidade.

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