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Economia

O que temos a aprender com as cidades que já envelheceram

Prevalência de idosos em Niterói, Santos e São Caetano desafia sistemas de saúde, mobilidade urbana, lazer e reinserção no mercado de trabalho

Idosos praticantes de bocha no Cise de São Caetano
Foto:
Tom Dib
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Agência O Globo
Idosos praticantes de bocha no Cise de São Caetano Foto: Tom Dib / Agência O Globo

NITERÓI, SÃO CAETANO E SANTOS - A realidade de Niterói, no Grande Rio; Santos, no litoral paulista; e São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo permite antecipar os desafios do envelhecimento da população que serão enfrentados por outras cidades a partir de 2031, quando o país todo terá mais idosos que crianças e adolescentes. Essa inversão já pressiona as administrações (e os orçamentos) das três cidades a desenvolver políticas diferenciadas para um público que se afasta cada vez mais do estereótipo de recluso ou sedentário. Os principais problemas — e soluções — aparecem na saúde, mobilidade urbana, lazer e reinserção no mercado de trabalho.

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Com a alta concentração de cabeças brancas e suas aposentadorias, essas cidades têm em comum um PIB per capita relativamente mais alto que a maioria dos municípios brasileiros. Isso colabora para que elas sejam detentoras dos mais altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDHM) no país, indicador que considera os níveis de longevidade, educação e renda. As três cidades também apontam para o sucesso de políticas de longo prazo, independentemente de mudanças administrativas.

Pequeno município do ABC paulista, São Caetano do Sul tem o melhor IDHM do Brasil desde que o levantamento começou a ser feito, nos anos 1990. Assim como Niterói e Santos, o envelhecimento da população obriga a cidade a gastar mais com a saúde dos idosos que com a educação dos jovens. A Secretaria Municipal de Saúde fica com a maior fatia do orçamento de São Caetano: 27%. Segundo a titular da pasta, Regina Maura, pelo menos metade dos recursos são consumidos na atenção aos idosos.

Para lidar com essa pressão orçamentária, a cidade escolheu investir também em atividades preventivas. Os cerca de 33 mil idosos da cidade contam com quatro Centros Integrados de Saúde e Educação (Cises), que consome cerca de R$ 20 milhões por ano com aulas de dança, esportes, informática e idiomas. A cidade quer abrir mais dois até 2019.

— A exigência dos idosos é alta. Quando se criou a UniMais, a universidade da terceira idade, por exemplo, os cursos durariam dois anos. Mas, quando acabaram, eles quiseram pós-graduação — conta a secretária.

A aposentada Maria Palko (a idade é mantida em segredo por ela) era uma das poucas mulheres na quadra de bocha em um dos Cises de São Caetano na última semana. Joga praticamente todos os dias, quando o joelho permite, enquanto o marido disputa partidas de baralho em outra sala.

— Venho aqui, jogo uma partida, bato papo... tenho marcapasso, não posso abusar. Mas não vou fazer como muita gente, que fica só em casa esperando a morte chegar — conta ela, que nasceu na vizinha Santo André e mora em São Caetano há mais de 40 anos.


Idosos fazem atividade ao ar livre na praia de Icaraí
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Idosos fazem atividade ao ar livre na praia de Icaraí Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Maria diz que "até quando der" vai aproveitar as atividades dos Cises. Espera ansiosa voltar a ser chamada para dar aulas de pintura no centro - as aulas foram canceladas, diz ela. Fora dos Cises, há alguns equipamentos adaptados de ginástica em praças e parques da cidade. Em um deles se exercitava o aposentado Osvaldo Rodrigues Negro, de 72 anos.

— São Caetano sempre foi boa para os mais velhos. Mas a marcação de consultas tem demorado mais, e o acesso a remédios poderia melhorar — opina ele.

SAÚDE FICA COM MAIS DE UM QUARTO DO ORÇAMENTO

Só as atividades preventivas para a saúde, como os Cises, viagens para terceira idade e cursos universitários para idosos consomem cerca de R$ 20 milhões por ano em São Caetano.

— Se não fossem os Cises e os programas de saúde, que têm impacto positivo para prevenção de doenças, essa conta já seria insustentável. O nível de exigência dos idosos de São Caetano é alto. São uma população atualizada, que cobra de volta o que pagou de impostos. Quando se criou a UniMais, a universidade aberta à terceira idade, por exemplo, os cursos durariam dois anos. Mas, quando acabaram, eles quiseram uma pós-graduação. Muitos buscam continuar trabalhando, seja por vontade ou necessidade — conta a secretária da Saúde.

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Os programas públicos de reinserção no mercado de trabalho para maiores de 60 anos têm remuneração mais alta do que os programas voltados para os mais jovens, o que já gerou reclamações dos iniciantes. O programa "agente sênior" contrata 200 idosos por ano para trabalharem na administração pública, durante quatro horas por dia, com um salário de R$ 954 e uma cesta básica. Os interessados devem ter renda máxima de até dois salários mínimos, e passam por triagem médica e um programa de seleção, que inclui provas e entrevistas. Maria Helena Fernandes de Freitas, de 66 anos, começou em fevereiro como recepcionista na secretaria da Saúde.

— Me aposentei aos 60 anos. Meu último emprego foi na diocese de Santo André. Voltei este ano, e tem sido bom tanto no aspecto financeiro quanto na autoestima. Distraio a cabeça, faço amizades, as pessoas são carinhosas - conta ela, que faz dança do ventre e hidroginástica. — O que poderia melhorar em São Caetano é a mobilidade nas calçadas. E quem sabe o metrô chega aqui um dia?


Sonia Maria Costa, 68 anos, aposentada e moradora de Santos
Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Sonia Maria Costa, 68 anos, aposentada e moradora de Santos Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

Maria Helena se alterna na mesma recepção com Nina Bernardes, nascida em Uberlândia há 66 anos, mas moradora de São Caetano há 48.

— Sempre trabalhei como secretária. Fiquei dois anos aposentada, mas voltei a trabalhar porque senti que ainda tinha muita coisa para fazer. Meus filhos já estão criados. E aqui também aprendo muito — conta Nina. — Os mais velhos têm prática, responsabilidade e muita coisa para ensinar, e aprender também. O que poderia melhorar em São Caetano são as oportunidades de saídas noturnas. Só existe um teatro e um shopping. Para muitas coisas precisamos ir a São Paulo.

Nina diz que conhece vários idosos que voltaram a trabalhar em São Caetano. É um esforço também para vencer o preconceito. Mas falta aumentar as oportunidades na cidade cuja história se une à inauguração de um complexo industrial da General Motors, em 1930. O desafio do governo local, hoje, é expandir os programas de emprego para essa população para além do setor público.

— As pessoas não saem de São Caetano quando envelhecem. Hoje existe uma preocupação de ampliar programas como o do agente sênior a empresas privadas, para criar mais oportunidades de trabalho — diz Regina.

O Conselho Municipal do Idoso, órgão que propõe políticas públicas e fiscaliza o atendimento dos direitos dos idosos em São Caetano, conseguiu recentemente R$ 500 mil em doações via um fundo do município para reverter em projetos para a terceira idade. Entre eles, estão iniciativas de turismo e de cursos de culinária para geração de renda, segundo Welbe Macedo, presidente do conselho. A expectativa é que comecem a funcionar no ano que vem. Há também estudos em curso para aumentar o tempo de duração do sinal vermelho e ampliar o número de quebra-molas nas ruas, em uma cidade que tem algo de ladeiras e calçadas elevadas.

PRAIA, PLANÍCIE E TEMPERATURAS AMENAS EM SANTOS

Em Santos, a 80km de São Paulo, e Niterói, cidade colada na capital fluminense, os cenários são mais desafiadores. Santos tem o sexto melhor IDHM do país e o triplo da população total de São Caetano - 433,9 mil habitantes - e o triplo de idosos - 93,4 mil, para 73,3 mil jovens. A praia, a cidade plana e o clima ameno atraem pessoas que escolhem viver ali a aposentadoria.


O guia Vovo Felix, que trabalha no bonde turistico em Santos
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O guia Vovo Felix, que trabalha no bonde turistico em Santos Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Apesar de os maiores de 60 anos corresponderem a cerca de 20% da população santista, nos serviços municipais de saúde essa parcela responde por 28% dos atendimentos. São R$ 166 milhões direcionados a atendimentos à terceira idade este ano, mais que o orçamento do ano passado para eles em saúde, de R$ 149 milhões.

— Santos é referência para os idosos. Mas claro que temos desafios na questão do envelhecimento ativo. E há maior investimento na prevenção em saúde justamente para minimizar impactos orçamentários no futuro — conta Flávio Jordão, secretário de Desenvolvimento Social de Santos.

A pasta prevê R$ 3,6 milhões de verba este ano para programas para a terceira idade, entre eles o “Vovô sabe tudo”. A ideia emprega pessoas como seu Félix, que recebe turistas na estação do Valongo e conta histórias sobre o bonde em que trabalhou até os anos 1970. — Me sinto útil, as pessoas me ouvem, me acolhem. Se pudesse ficava sempre — diz ele sobre o programa, que dura um ano.

Há ainda três Espaços do Idoso, que oferecem aulas de dança, esportes e idiomas. E projetos de inclusão digital como o “Vovônauta”. Waldir de Oliveira, de 68 anos, e Edna Fernandes, de 72, são alunos desde o início do ano. Com a professora Marcela Matias Pinto, aprendem a usar os pacotes Office, e-mail e até aplicativos de celular.

— Sempre fui vendedor, e agora trabalho como autônomo. Preciso me atualizar em informática para poder vender meus produtos. Estava virando um analfabeto digital — conta Waldir.

Já a preocupação de Edna é com o celular:

— São muitos aplicativos, fico perdida. Aqui os professores têm de sobra o que muitas vezes a família não tem para ensinar: paciência. E mais que uma inclusão digital, isso vira inclusão social.

Outros centros, como o Sesc, investem em programação cultural. Já a adaptação dos serviços vai mais devagar.

— Mesmo assim, houve um crescimento de 20% nos dois últimos anos no número de academias que se adaptaram ao atendimento às necessidades do idoso. E as agências de turismo também aumentaram em 10% o portfólio de viagens para a terceira idade — conta Camilo Rey, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Santos.

Nas ruas, o transporte começa a se adequar. Um dos projetos que mais chama a atenção é o “Vô de táxi”. Um programa que virou aposta em Santos para treinar os motoristas no atendimento aos idosos da cidade, que passam de 90 mil. Mais de cem taxistas já receberam a capacitação, que inclui aulas teóricas sobre envelhecimento e uma parte prática com fisioterapeutas sobre cuidados no embarque e desembarque de pessoas maiores de 60 anos.

— Os professores simularam que precisavam entrar com cadeira de rodas ou bengala — conta o taxista Edgar Januário Junior.

A ideia uniu a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), cooperativas e o Sindicato dos Taxistas de Santos, “para trazer mais segurança aos que usam o transporte e seus familiares”, disse a prefeitura. Ao final do curso, os “alunos” ganharam um adesivo para o veículo com o selo “Taxista amigo do idoso”. E Edgar trocou seu carro por um adaptado para cadeira de rodas.

— O curso ajudou muito. Trabalho com pessoas de casas de repouso, levo para médicos. É preciso ter paciência e boa vontade. E, se Deus quiser, chego lá também — diz o motorista de 49 anos, taxista desde os 25.

GINÁSTICA NA PRAIA HÁ 25 ANOS EM NITERÓI


O jornalista Carlos Alberto Neves, de 76 anos, em Niterói
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
O jornalista Carlos Alberto Neves, de 76 anos, em Niterói Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Em Niterói, 7° melhor IDHM, a Secretaria do Idoso foi criada há apenas três anos, em meio a críticas de parlamentares. À época, entendiam que era hora de cortar gastos, não de criar novas despesas. O orçamento previsto para este ano é de 2,22 milhões, sendo R$ 1,6 milhão para implementar um Centro de Convivência para atividades físicas e capacitações, explica o secretário da pasta, Beto Saad. O Projeto Gugu é um dos mais bem sucedidos programas de ginástica e incentivo à qualidade de vida voltados para idosos do país. Foi criado há 23 anos e funciona de segunda a sexta-feira em 40 núcleos, sendo três deles de dança.

A UFF tem ao menos duas iniciativas voltadas a esse público: o Centro de Atenção à Saúde do Idoso e seus Cuidadores (CASIC) e o Programa de Preparação para a Aposentadoria. A mobilidade urbana ainda é motivo de reclamações de idosos com dificuldades para caminhar em calçadas irregulares e sem rampas de acesso.

DESCENTRALIZAÇÃO DE POLOS DE CONVIVÊNCIA

É segunda-feira. A roda de moradores vai se formando aos poucos, a partir das 15h, no salão de festas do Condomínio Itaparica, em Icaraí, bairro nobre de Niterói. A maioria já passou dos 60 anos e aguarda ansiosa o início do musical. A banda local também é formada por grisalhos. Eles se encontram toda a semana para diferentes atividades de lazer e oficinas. Antes de participar dos encontros, a maioria dos vizinhos nem se conhecia. Passavam a maior parte do tempo sozinhos em seus apartamentos.


Atividade no condomínio Itaparica, em Niterói
Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo
Atividade no condomínio Itaparica, em Niterói Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

O edifício é um dos sete polos para os quais foram estendidas as atividades do centro de convivência para a terceira idade Casa Convívio dos Anawin, que atua há 18 anos na cidade. A coordenação da casa resolveu promover atividades mais perto dos idosos com a ajuda de voluntários, para incluir mais idosos, já que a capacidade de atendimento da sede, no Bairro Santa Rosa, já está esgotada, tamanha a demanda. Assim, eles podem fazer atividades no local onde vivem. Para aderir ao programa, basta o síndico do condomínio entrar em contato com a direção da Casa.

‘Agente sênior’ oferece vagas para veteranos no setor público

Voltar ao mercado de trabalho foi um impulso para as finanças e também para a autoestima dos participantes do programa “agente sênior” de São Caetano do Sul, no ABC paulista. A iniciativa seleciona 200 idosos por ano para trabalharem na administração pública, durante quatro horas por dia, com um salário de R$ 954 e uma cesta básica. Os interessados devem ter renda máxima de até dois salários mínimos e passam por triagem médica e um programa de seleção acirrado, que inclui provas, como de redação, e entrevistas.

— Eu me aposentei há seis anos e voltei a trabalhar agora. Distraio a cabeça, faço amizades, as pessoas são carinhosas — conta Maria Helena Fernandes de Freitas, de 66 anos, que desde fevereiro é recepcionista na secretaria da Saúde de São Caetano.

Ela alterna o posto com Nina Bernardes, 66 anos, e moradora da cidade há 48:

— Fiquei dois anos aposentada, mas voltei a trabalhar porque ainda tinha muita coisa para fazer. Meus filhos estão criados. As pessoas mais velhas têm responsabilidade e muito o que ensinar, e aprender também.

‘Vô de táxi’ capacita motoristas no transporte de idosos

O nome diz tudo: “Vô de táxi”. Um programa que virou aposta em Santos para treinar os motoristas no atendimento aos idosos da cidade, que passam de 90 mil. Mais de cem taxistas já receberam a capacitação, que inclui aulas teóricas sobre envelhecimento e uma parte prática com fisioterapeutas sobre cuidados no embarque e desembarque de pessoas maiores de 60 anos.

— Os professores simularam que precisavam entrar com cadeira de rodas ou bengala — conta o taxista Edgar Januário Junior.

A ideia uniu a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), cooperativas e o Sindicato dos Taxistas de Santos, “para trazer mais segurança aos que usam o transporte e seus familiares”, disse a prefeitura.

Ao final do curso, os “alunos” ganharam um adesivo para o veículo com o selo “Taxista amigo do idoso”. E Edgar trocou seu carro por um adaptado para cadeira de rodas.

— O curso ajudou muito. Trabalho com pessoas de casas de repouso, levo para médicos. É preciso ter paciência e boa vontade. E, se Deus quiser, chego lá também — diz o motorista de 49 anos, taxista desde os 25.