• Ronaldo Bressane, com reportagem de Cristine Kist, Luciana Galastri e Patrícia Ikeda
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CABEÇA DE CAVALO > A moda surgiu num livro que sugere um “experimento social”: fazer turismo vestindo uma cabeça de cavalo. A ideia chegou à rede através de um vídeo de Tom Green, apresentador canadense. (Foto: Victor Affaro)

CABEÇA DE CAVALO > A moda surgiu num livro que sugere um “experimento social”: fazer turismo vestindo uma cabeça de cavalo. A ideia chegou à rede através de um vídeo de Tom Green, apresentador canadense. (Foto: Victor Affaro)

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“Mano vamo para de viver uma vida imaginária ai pq curtida e faminha de FACE nao vai acrescentar nada pra vc viu .! #pega_visao_rapa !” Assim compartilhou seu último status Lucas Lima, o líder dos rolezinhos morto no início de abril durante uma briga em um baile funk, em episódio ainda misterioso. Lucas Lima tinha 56 mil seguidores no Facebook. Cada comentário — em geral frases de auto-ajuda, versículos bíblicos ou auto-ostentação — era curtido em média por 200 pessoas e compartilhado dezenas de vezes. Ele não era artista, empresário, profissional de sucesso, esportista, modelo de beleza, político. Sua fama advinha justamente de ser um fã. Tinha 18 anos e fazia bicos como servente de pedreiro enquanto fechava o segundo grau. Morador do bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo, curtia funk ostentação, carros bacanas, roupas caras e se notabilizou por ter sido o principal articulador de um rolezinho — flashmob de adolescentes que se reúnem para cantar funk, zoar e namorar — que juntou 3 mil pessoas no shopping Itaquera.

Lucas tornou-se também a face mais conhecida de outro curioso fenômeno, este planetário: a era das celebridades instantâneas. Uma época que cria pessoas famosas apenas por curtir. Lucas compartilhava seu gosto pelo mundo do funk e, como vários garotos de sua idade, queria pegar geral, tomar umas, se vestir na estica e ser famoso. O que fazia? Ele simplesmente gostava; e outros mandavam um joinha justamente por causa disso. Ele também trabalhava loucamente no Facebook curtindo posts e status e fotos de seguidores. Quanto mais amigos, mais seguidores, curtidas e retuitadas, o maior capital social de Lucas. Não tenho tudo o que quero, poderia dizer ele, mas curto tudo o que amo. E Lucas viu que era bom. “Na essência, somos todos seres sociais, vivemos para os olhos dos outros”, diz Mario Corso, psicanalista e autor do livro A Psicanálise na Terra do Nunca. “Todo mundo quer ser querido, quer ser notado. Ninguém escapa.”

O primeiro like da história do Facebook foi dado no dia 9 de fevereiro de 2009. Cinco anos depois, os números mostram o “curtir” como um dos maiores fenômenos culturais da atualidade. São 1,8 milhão por minuto ou 4,5 bilhões diários na rede social criada por Mark Zuckerberg. A moda se espalhou por outros sites. Por trás desse sucesso está a relação que os jovens desenvolveram com a ferramenta. Ter uma postagem curtida, assim como curtir algo postado por outra pessoa, é uma forma de ganhar reputação, repercussão. Você só existe se é curtido ou compartilhado.  Esse tipo de sentimento já influencia a vida das pessoas. Larissa Giampaoli, 25 anos, é paulistana e mora em Los Angeles. Com mais de 10 mil seguidores no Instagram, faz previsão de quantos likes vai conseguir com uma foto e se preocupa com os detalhes para fazer mais sucesso nas redes sociais. “Já levei mais de uma troca de roupa para pontos turísticos na minha última viagem para não ficar repetida nas fotos. Penso no meu ‘público’.”

BARBA DE GATO > A primeira ocorrência do catbearding é uma foto postada pelo tumblr Catsasters em julho de 2011. Dois dias depois, apareceu a rede social Reddit e alcançou sites como o Buzzfeed e o Huffington Post. (Foto: Victor Affaro)

BARBA DE GATO > A primeira ocorrência do catbearding é uma foto postada pelo tumblr Catsasters em julho de 2011. Dois dias depois, apareceu a rede social Reddit e alcançou sites como o Buzzfeed e o Huffington Post. (Foto: Victor Affaro)

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Esse Campeonato da Curtição, em que se mede o índice de popularidade de alguém pelo número de curtidas, seguidores, amigos ou republicações de seus posts, acaba de ganhar um documentário nos Estados Unidos. É Generation Like, dirigido por Douglas Ruschkoff, que afirma: “Você é o que você curte”. Um trecho chocante do filme ocorre quando um bando de adolescentes confessa não saber o que quer dizer o termo “vender-se”. Não acham que podem ser usados por empresas para entender seus hábitos de consumo e assim oferecer a eles produtos que consumirão — e mais tarde fotografarão e compartilharão. O documentário demonstra como o marketing moderno é indistinguível da cultura da internet. Ok, somos todos marcas agora, lembra o filme. Nem é preciso pesquisa: os próprios consumidores dizem ao mundo corporativo o que é bacana — a começar por seus perfis. Algumas pessoas podem assistir ao documentário como a radiografia de uma moderna náusea, outros poderão vê-lo como o caminho das pedras até o sucesso.

Qualificada como “Me Me Me Generation” pela revista Time, a geração Y, base de tal fenômeno, foi retratada como acomodada, narcisista, com expectativas irreais, afundada na cultura de celebridades e crente que é especial. Fica menos tempo nos empregos do que as anteriores, mais preocupada em obter satisfação e significado do trabalho do que em fazer carreira. É uma geração que mira no intangível conceito de felicidade — que parece antigo, mas segundo o economista Eduardo Giannetti, em seu livro Felicidade (Companhia das Letras), é bem recente. Ele demonstra como o bem-estar pessoal está ligado ao bem-estar social, mas que as realizações e ambições mudam de geração para geração. O bem-estar econômico já foi o grande horizonte da realização da felicidade. Para Giannetti, hoje a grande realização é amar e ser amado. “Continuar aumentando a renda e os padrões de consumo não vai tornar as pessoas mais felizes com a vida que têm”, diz o economista. “Somos cada vez mais infelizes porque teimamos em querer saciar todas as nossas vontades, desejos e caprichos. (...) A gente não pode tudo, não.”

FITA ADESIVA NA CARA > No Sellotape Selfies, as fotos retratam internautas que envolveram seus rostos com fita. Tudo começou com a estudante Lizzie Durley, que imitou uma cena do ator Jim Carrey no filme Sim, Senhor!. (Foto: Victor Affaro)

FITA ADESIVA NA CARA > No Sellotape Selfies, as fotos retratam internautas que envolveram seus rostos com fita. Tudo começou com a estudante Lizzie Durley, que imitou uma cena do ator Jim Carrey no filme Sim, Senhor!. (Foto: Victor Affaro)

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PÚBLICO X PRIVADO
O rótulo da Time parece particularmente feliz se transposto para sua versão homófona em português: na “geração mimimi”, o que importa é o quanto você é amado. Se não é, vem o mimimi, o chororô e a pulsão de morte. Para escapar da autocomplacência, curtir-se é o primeiro passo para o sucesso. Estudo de tendência de consumo realizado pela Ford mostra que 62% dos adultos têm melhor auto-estima depois de ser curtidos e compartilhados em redes sociais. “Num mundo de hiper-auto-expressão, diários públicos crônicos e outras formas de manifestações digitais, os consumidores estão criando um ‘eu’ público que talvez precise de mais validação do que o ‘eu’ verdadeiro”, diz um trecho da pesquisa. Com base no relatório, Tom Gara, colunista do jornal Wall Street Journal, diz que “Criamos uma forte necessidade de revisitar a nossa narrativa, refiná-la e editá-la para o nosso gosto — e o gosto dos outros. Mas quando limamos as arestas no nosso ‘eu’ público, não escamoteamos o nosso ‘eu’ verdadeiro?”

Curtem-se imagens de bebês fofinhos; crianças; gatos; cães; crepúsculos; frases de auto-ajuda; jantares sensacionais; paisagens espetaculares; memes engraçados. Algumas pessoas topam até se submeter a situações vexatórias/bizarras para angariar mais likes. Tome como exemplo o desafio da canela. Nele, uma pessoa enche uma colher com o pó da especiaria e tenta engolir tudo de uma só vez enquanto grava para postar o vídeo na web. Invariavelmente, os desafiantes falham: o pó irrita as vias nasais, causa tosse e uma série de outras reações grotescas. A primeira edição do desafio foi feita offline em 2001, pelo americano Erik Goodlad, mas ele só viralizou a partir de 2006, quando um metaleiro chamado Pipe postou um vídeo no YouTube. O desafio da canela é apenas um entre milhares de memes que surgem (e desaparecem com a mesma velocidade) na web.

HIPNÓTICO E CONFORTADOR
O campeão de likes é o selfie, o autorretrato. Até Barack Obama, o homem mais poderoso do mundo, e seu vice-presidente entraram na onda. Assim como há celebridades do cinema e da TV que aumentam sua base de fãs postando selfies — o ator James Franco, eternamente em lua-de-mel consigo mesmo, está entre os exemplos mais irritantes —, há quem tenha ficado famoso justamente por isso. É o caso do Benny Winfield, um representante de vendas de produtos hospitalares de Houston. Ele postou 500 fotos quase iguais no Instagram — e conquistou 200 mil seguidores. Há algo de hipnótico e confortador em ver o carismático homem de bigode na mesma posição todo santo dia. Com a fama, Winfield (que usa o alter ego @mrpimpgoodgame) abriu uma loja de camisetas.

O vício em selfies rendeu um estudo. A SelfieCity analisou mais de 3,2 mil imagens em cinco cidades do mundo: Nova York, São Paulo, Berlim, Bangcoc e Moscou. Uma das constatações: mulheres fazem mais autorretratos do que homens. Mais do que isso, elas tiram a foto de um ângulo 15 graus mais alto para conseguir mostrar o próprio corpo. Nem todo mundo lida bem com a dependência. O britânico Danny Bowman, 19 anos, ficou tão obcecado em obter a imagem perfeita que passava até dez horas por dia tirando fotos — chegou a postar 200 delas num prazo de 24 horas. Teve de sair da escola por causa disso e ficou em casa por seis meses em busca do autorretrato campeão. Considerado o primeiro viciado em selfies, e frustrado em não captar a imagem ideal, tentou o suicídio — felizmente, sua mãe o salvou de uma overdose de remédios. Entrou em terapia e abandonou o iPhone. Seu psiquiatra diz que o problema não era o excesso de vaidade, e sim o transtorno dismórfico corporal, quando a pessoa tem uma preocupação com um ou mais defeitos percebidos em sua aparência.

Essa frustração pode, em último caso, influenciar negativamente o futuro de países. Em janeiro, o departamento de Saúde Mental da Tailândia emitiu um preocupante aviso sobre o vício em likes entre os jovens adultos do país. “Se eles não recebem curtidas, postam outras selfies. Se nem assim conseguem respostas dos seguidores, perdem a autoconfiança e se sentem insatisfeitos com eles mesmos ou com seus corpos. Isso pode afetar o desenvolvimento do país no futuro, já que deve cair o número dos líderes da nova geração. Sem falar na chance de obstruir a criatividade e o poder de inovação da Tailândia.” Em menor escala, isso acontece por aqui. Rodrigo Diório, estudante de nutrição em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, já teve uma foto curtida 1.975 vezes no Instagram. Agora, fica incomodado quando não ganha likes suficientes. “Depois de postar entro de cinco em cinco minutos para ver o que escreveram, quem me marcou, quem seguiu, quem curtiu”, afirma Diório. “Quando a foto não atinge um número de likes eu apago.”

CARA DE DINHEIRO > Em 2008, Spunky McPunk postou o primeiro exemplo conhecido do “moneyface”: ele aparecia segurando uma nota antiga de 20 libras esterlinas, estampada com o rosto do compositor inglês Sir Edward Elgar. (Foto: Victor Affaro)

CARA DE DINHEIRO > Em 2008, Spunky McPunk postou o primeiro exemplo conhecido do “moneyface”: ele aparecia segurando uma nota antiga de 20 libras esterlinas, estampada com o rosto do compositor inglês Sir Edward Elgar. (Foto: Victor Affaro)

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Para saber o que curtir temos de saber o que é legal, o que é bacana, o que é cool. Na era das celebridades instantâneas — em que ser famoso por 15 minutos, como propunha o artista Andy Warhol, está à disposição de todos — a relação se inverteu. Você é curtido porque tem seguidores, e tem seguidores porque é curtido. É uma questão de espalhar seu “eu” nas redes sociais. Não importa o que você faz, tem de fazer ininterruptamente. É o ato de alimentar o tamagotchi da rede social: dar tuítes aos porcos, dar de comer tanto a fãs quanto a trolls. Quanto mais você é curtido, mais é curtido — ensina o algoritmo do Facebook. Se você para de ser curtido, para de aparecer na timeline de seus seguidores — e eles se esquecem de você. Não é preciso talento para ser conhecido, mas sim a eficiência dos robozinhos de Zuckerberg.

Thainá Santos, uma mineira de 19 anos, tem 90 mil seguidores no Facebook. Ela conseguiu os fãs pela rede social Ask — e pela decisão de raspar o cabelo e ficar totalmente careca. Em seguida começou a patrocinar encontros beneficentes, como doações de sangue e afins. Por que você é tão pop, Thainá? “Meu jeito, eu sou muito sincera e espontânea”, ela diz, pelo chat do Facebook. “Adoro dar conselhos, as pessoas amam isso em mim e curtem muito!” E o que você curte? “Posts engraçados, vídeos, frases. Não curto coisas desnecessárias ou que não me acrescentam em algo, eu gosto de posts inteligentes!” Mas foram muitos seguidores em muito pouco tempo, não? Você fica muito tempo na internet e no Facebook? “Antigamente eu costumava ficar mais tempo, hoje em dia nem tanto.” Em média quantas coisas você posta por dia? “Três frases, por aí... E 1 ou 2 fotos só! Ganho uns 300 seguidores por dia... acabei de chegar aos 90 mil!”

A explicação para essa compulsão por redes sociais está no cérebro. Mais especificamente no núcleo accumbens, região localizada na parte frontal inferior ligada à sensação do prazer. O Instituto Freie, em Berlim, mediu a atividade cerebral de voluntários enquanto eles recebiam feedback sobre si mesmos. Logo perceberam que o núcleo accumbens ficava mais ativo quando esses retornos eram positivos. Quando relacionaram o núcleo accumbens com atividade no Facebook, perceberam que quanto maior a atividade nessa região do cérebro maior a chance de alguém passar mais tempo online. Já a professora Kristen Lindquist, da Universidade da Carolina do Norte, mostrou que as pessoas recebem uma dose de dopamina, substância liberada pelo cérebro que dá a sensação de prazer e de recompensa, quando recebem likes ou têm seus posts retuitados — efeito parecido com o da cocaína. “Ao longo do tempo você precisa de mais e mais daquela substância para sentir a mesma coisa”, diz Kristen. Estudos como esses são os primeiros a retratar o assunto. Nos próximos meses devem ser divulgados outros. “O vício em redes sociais ainda não foi incluído no manual de diagnóstico e estatísticas de doenças psiquiátricas, mas existem pesquisadores trabalhando nisso”, diz Dar Meshi, pesquisador do Freie.

O DESAFIO DA CANELA > Encha uma colher de canela em pó, tente engolir e, claro, filme tudo para divulgar na web. O pó irrita as vias nasais, causando reações grotescas. O primeiro desafio foi feito offline em 2001. (Foto: Victor Affaro)

O DESAFIO DA CANELA > Encha uma colher de canela em pó, tente engolir e, claro, filme tudo para divulgar na web. O pó irrita as vias nasais, causando reações grotescas. O primeiro desafio foi feito offline em 2001. (Foto: Victor Affaro)

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GOSTABILIDADE
Há centenas de manuais que ajudam a melhorar sua inteligência social — a ciência da likeability, a sua gostabilidade (perdoe o horrível neologismo). Nos Estados Unidos, acabou de sair o livro The Likeability Factor, do guru marqueteiro Tim Sanders, que ajudará você a angariar joinhas (sem precisar comprar — sim, é possível adquirir joinhas e curtidas). “As escolhas que outras pessoas fazem a seu respeito determinam sua saúde, riqueza e felicidade”, diz o texto. “E décadas de pesquisas provam que as pessoas escolhem as coisas de que gostam. Votam nelas, compram-nas, casam com elas e gastam tempo precioso com elas. A boa notícia é que você pode se armar para esse torneio e vencer suas batalhas pela preferência. Como? Aumentando seu fator de gostabilidade. Quanto mais você é curtido, mais feliz sua vida será.”

Além da gostabilidade, é sempre bom lembrar do inevitável Círculo do Pop. No começo, você é Cult — aqui e ali alguém te curte. Depois, vira Hype — e passa a ser curtido cada vez mais. Se você corresponde às demandas, torna-se Pop — ou seja, é um sucesso. Mas, se você não conseguir manter-se no Campeonato da Curtição, o terrível Círculo do Pop pode fazer um giro para a direita — e aí você vira Trash. Aquilo que já foi bacana, já foi superlegal, mas ninguém aguenta mais. O pessoal que te curtia agora acha você brega porque todo mundo curte. Com sorte, você escapa de Trash e, com o tempo e a nostalgia inevitável, vira Vintage — e depois, quem sabe, pode até voltar a ser Cult de novo. Dependendo de seu ânimo, pode ser curtido até voltar ao Hype, Pop... Mas isso vai depender da sua capacidade de fazer malhação social. Quem curte?