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Justiça Federal proíbe deportação de imigrantes venezuelanos vulneráveis em Roraima

Decisão, que responde a ação movida pelo MPF e pela Defensoria da União, ocorre depois de batida policial em abrigo da Pastoral do Migrante em Pacaraima
Migrantes venezuelanos caminham por uma trilha na cidade fronteiriça de Pacaraima Foto: Pilar Olivares / Agência O Globo
Migrantes venezuelanos caminham por uma trilha na cidade fronteiriça de Pacaraima Foto: Pilar Olivares / Agência O Globo

BRASÍLIA – A Justiça Federal de Roraima proibiu a deportação automática de imigrantes que estejam em situação de vulnerabilidade no estado. As deportações vinham sendo feitas pelas forças de segurança com base em uma portaria do governo federal que proibiu o trânsito de venezuelanos pela fronteira do Brasil com a Venezuela . A decisão judicial é válida para os imigrantes venezuelanos considerados “hipervulneráveis”, grupo que inclui crianças e adolescentes desacompanhados, pessoas com problemas graves de saúde e aqueles cuja integridade e segurança física estejam em risco.

A decisão, anunciada no domingo, é uma resposta a uma ação movida pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Ministério Público Federal (MPF) depois que a Polícia Federal invadiu um abrigo que acolhia imigrantes venezuelanos e encaminhou um grupo de 50 deles para deportação. O juiz também proibiu que forças de segurança da União, como a PF ou Exército, façam “rondas” para “intimidar” ou “impedir” o acesso de imigrantes a postos de saúde no Brasil.

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A ação da PF aconteceu na quarta-feira da semana passada. Agentes da PF e do Departamento de Vigilância Sanitária de Roraima fizeram uma blitz no Abrigo São José, gerenciado pela Pastoral do Migrante, em Pacaraima, cidade que fica na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Durante a ação, uma irmã que atua para a Pastoral do Migrante foi conduzida coercitivamente pela polícia ao se opor à operação.

Segundo as autoridades, a deportação atenderia à portaria 652/2021, de janeiro deste ano, que proíbe a entrada de estrangeiros de qualquer nacionalidade por meio terrestre, mas autoriza o tráfego de moradores de cidades-gêmeas entre os dois países. A exceção, no entanto, não vale para a fronteira do Brasil com a Venezuela.

As cidades-gêmeas de Pacaraima (Brasil) e Santa Helena do Uairén são a principal porta de entrada de imigrantes venezuelanos. O fluxo na região, no entanto, é intenso em razão da crise econômica e social da Venezuela. A crise fez com que o governo federal criasse uma operação de acolhimento dos imigrantes que chegam ao Brasil em busca de refúgio.

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Entidades que atuam na defesa dos direitos humanos, porém, alegam que a portaria seria discriminatória porque cria um impedimento ao trânsito de estrangeiros que só funciona para venezuelanos. Elas afirmam ainda que a portaria é ilegal, pois viola artigos da Lei do Refúgio, de 1997, e da Lei de Migração, de 2017.

A Lei do Refúgio, por exemplo, prevê que ninguém que tenha entrado no Brasil em busca de refúgio pode ser repatriado ou deportado automaticamente, mesmo que tenha ingressado no país de forma irregular. A Lei de Migração, por sua vez, prevê que o processo de deportação precisa garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório, o que, em tese, impede a deportação automática.

Em sua decisão, o juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana considerou ilegal a portaria que proíbe a entrada de venezuelanos sob o pretexto de conter a Covid-19, inclusive para pedir refúgio.

“Friso que inexiste qualquer correlação entre a política pública sanitária de combate e prevenção à disseminação da Covid-19 e o pedido de refúgio, sendo incrível até mesmo que aqueles que conceberam e tiveram a coragem de assinar a portaria tenham nela inserido essa previsão”, afirmou o magistrado.

Na decisão, o juiz federal classificou a atuação da PF no abrigo em Pacaraima como um episódio “grotesco”. Segundo ele, o governo federal oficializou uma política de “discriminação” em relação aos imigrantes venezuelanos.

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“Ao tornar oficial a política pública sanitária de discriminação dos venezuelanos como pessoas que oferecem riscos à saúde coletiva e inovar o ordenamento jurídico criando os institutos da repatriação ou deportação imediata e inabilitação de pedido de refúgio, gerou como consequências não somente as ilegais deportações de migrantes narradas nestes autos (fora as que não são objeto da demanda), como também deu azo a uma prática que não faz jus ao respeito institucional de que goza o Departamento de Polícia Federal, bem como ao grotesco episódio do dia 17”, diz o despacho.

Além de proibir as deportações de imigrantes venezuelanos considerados hipervulneráveis, o juiz proibiu a União de utilizar suas forças de segurança para realizar rondas ostensivas, barreiras de fiscalização ou controle de documentos voltados, segundo ele, a “intimidar” o acesso de imigrantes às unidades de saúde de Pacaraima. O juiz também determinou a anulação da deportação de um grupo de seis estrangeiros e a autorização para que eles retornem ao país.

O GLOBO pediu um posicionamento sobre a decisão da Justiça Federal ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), à Polícia Federal e à Advocacia Geral da União (AGU). A PF informou que não comenta decisões judiciais. MJSP e AGU ainda não enviaram resposta.