Reajustado em 12,84% para 2020, o piso nacional dos professores trouxe para parte dos governadores e prefeitos uma despesa de pessoal adicional não esperada. Os secretários de Fazenda estaduais discutirão o assunto na próxima terça-feira. O imbróglio reaparece de tempos em tempos por causa da fórmula de aumento do piso do magistério, baseada em premissas que podem ser atualizadas pelo governo federal sem que os entes possam se antecipar à medida. Neste ano, ganha contornos mais políticos por causa das eleições municipais.
Também na próxima terça, os secretários estaduais devem debater eventual questionamento judicial do novo piso, iniciativa que eliminaria a pressão adicional sobre gastos correntes, mas traria custo político significativo.
Até dezembro do ano passado, a expectativa, usada nas previsões orçamentárias de Estados e municípios, era de que o aumento ficaria em 6,23%, menos da metade do percentual final. O percentual de 12,84% aplicado para 2020 é o maior desde 2015, quando ficou em 13,01%, e resultou em salário inicial de R$ 2.888,24 para os professores.
Para fixar o percentual, o Ministério da Educação (MEC) calcula o crescimento do valor mínimo de investimento por aluno de dois anos anteriores. Neste caso, de 2018 e 2019. Estes valores, no entanto, podem ser revistos antes do reajuste final, usualmente definido no mês de janeiro.
Foi o que se viu agora, quando uma portaria, publicada em 23 de dezembro de 2019 e assinada pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Educação, Abraham Weintraub, levou ao aumento de dois dígitos.
Mais dependentes dos repasses da União, os municípios tendem a ser os mais prejudicados. “Muitos prefeitos vão ter de decidir entre descumprir a lei do piso ou a de responsabilidade fiscal”, afirma Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Segundo a CNM, o impacto estimado na despesa de pessoal no conjunto dos municípios pode alcançar R$ 8,7 bilhões ante o que se previa anteriormente. Trata-se, no entanto, de um cálculo aproximado que considera um reajuste linear sobre toda a folha de pagamento do magistério. Há municípios que pagam mais do que o piso e, logo, vão sentir um impacto menor ou quase nulo.
“Não se questiona a questão da valorização dos professores, mas esse reajuste demonstra a necessidade de alinhar o debate sobre o financiamento da educação”, diz Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime, entidade que reúne os secretários municipais de educação. “Esse índice é fechado depois que os orçamentos são definidos, isso exige que repensemos essa metodologia.” Para ele, a discussão no Congresso sobre o novo Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica, deveria incluir o reajuste do magistério.
Cristiane Schmidt, secretária de Fazenda de Goiás, conta que o governo estadual ainda está estudando o impacto do novo piso. Cálculos feitos até agora, diz ela, mostram que o Estado teria uma despesa adicional de R$ 500 milhões ao ano somente corrigindo o piso. Isso, diz ela, “comeria” a economia de R$ 400 milhões projetada para 2020 com a aprovação de reformas estaduais, como a da Previdência. “Caso o percentual de aumento seja estendido para as demais faixas de salários dos professores, a despesa deve crescer muito mais.”
Respeitado o novo piso, o Estado não seria obrigado a estender o percentual às demais faixas, explica Cristiane. “Mas se o reajuste não for estendido crio um problema para a secretária Fátima [Gavioli, da Educação de Goiás] porque haverá uma repercussão na hierarquia da carreira.”
Em outros Estados, como o Rio Grande do Norte, o impacto se dá não somente pela correção do piso como também pelas faixas salariais, cujos valores estão atrelados ao piso nacional, em efeito cascata. O impacto calculado pelo governo potiguar é de cerca de R$ 300 milhões anuais.
Em Pernambuco, diz o secretário da Fazenda, Décio Padilha, o impacto deve ficar perto de R$ 350 milhões anuais. Para ele, isso mostra a necessidade da discussão da atual forma de financiamento dos serviços públicos não só de educação como também de saúde. Esse financiamento, diz Padilha, tem ficado cada vez mais a cargo de Estados e municípios. Em 2018, segundo ele, Pernambuco contribuiu com R$ 3,6 bilhões ao Fundeb e recebeu R$ 2 bilhões em recursos do governo federal. A perda com o Fundeb, portanto, diz ele, foi de R$ 1,6 bilhão em 2018 e deve ter sido de R$ 2 bilhões em 2019.
No Rio Grande do Sul, o novo piso dos professores também cria despesa adicional, com impacto de R$ 290 milhões anuais, segundo a Secretaria de Fazenda gaúcha.
Na Paraíba, diz o secretário de Tributação, Marialvo Laureano, o novo piso custará R$ 165 milhões adicionais. Segundo ele, o governo local ficou cinco anos sem conceder elevações gerais de salário e para 2020 foi decidido reajuste linear de 5%, o que inclui os professores. Com o novo piso de 12,84% para o magistério, a despesa de pessoal adicional em razão do piso e do reajuste linear será de R$ 340 milhões neste ano, explica. Cerca de metade do valor se refere à diferença de quase oito pontos percentuais a mais com o novo piso.
O secretário explica que o governo paraibano decidiu que vai cumprir a lei e não questionará o novo piso na Justiça. “Não tem dinheiro sobrando. Tem que tirar de um lugar para colocar em outro”, diz Laureano. Ele diz que o magistério representa em torno de 20% do total de servidores do Estado, incluindo ativos e inativos.
A judicialização do assunto deve entrar na pauta da reunião entre secretários de Fazenda no dia 28. O assunto, diz Rogério Gallo, secretário de Fazenda de Mato Grosso, deve ser debatido na reunião do colegiado, que antecede o encontro do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), integrado não somente pelos secretários estaduais como também por representantes do Ministério da Economia. Gallo explica que no Estado o novo piso não traz impactos nas despesas porque os salários estão acima dele. Cristiane Schmidt diz que a contestação judicial tem sido levantada em conversas informais entre secretários.