Por Matheus Fazolin, G1 Sorocaba e Jundiaí


Valtinho da 2 e outros grafiteiros foram convidados para desenhar em muro de escola de Sorocaba (SP) — Foto: Kauanne Piedra/G1

O barulho que sai dos tubos de spray soa como uma velha sinfonia para os ouvidos do técnico de enfermagem Valter Luiz de Souza. Durante pelo menos 30 anos Valter repetiu milhares de vezes o gesto de escrever, letra após letra, o nome que se tornaria conhecido em toda a região de Sorocaba (SP): Valtinho da 2.

Aposentado das pichações desde 2013, quando foi abordado por policiais enquanto deixava mais uma marca – "Isso me fez repensar aquelas atitudes e mudar de vida", diz – Valter hoje tenta um reconhecimento positivo com o grafite.

“Em toda a minha 'carreira' de pichador fui abordado só aquela vez. Depois disso comecei a fazer grafite apenas em lugares autorizados. Isso traz um reconhecimento positivo. Grafito desenhos de super-heróis, principalmente personagens de animações dos anos 80 e 90, que são os meus preferidos”, afirma o técnico de enfermagem de 46 anos.

Conheça mais sobre Valtinho da 2, um dos nomes mais famosos de Sorocaba

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'Onipresença'

Não é exagero dizer que Valtinho da 2 é o nome mais conhecido em Sorocaba. Basta uma volta pela cidade para ver, em centenas de muros, portões e postes, a famosa inscrição.

Mas essa "onipresença" ainda se estende por várias cidades da região, como Votorantim, Mairinque, Itu, São Roque, Araçariguama, Salto de Pirapora, Capela do Alto, Sarapuí, Alambari, Itapetininga e até Ubatuba, Guarujá e Ilha Comprida, no litoral do Estado.

Em entrevista ao G1, Valter conta que pichar virou um vício, que começou em 1987. Naquele ano, quando ainda morava em São Paulo, viu um homem fazendo grafite embaixo do viaduto do Minhocão. Dali em diante não parou mais de espalhar sua "marca".

De São Paulo também veio o número 2 que acompanha suas inscrições. "Lá onde eu morava as ruas eram conhecidas por números. Eu morava na Rua 2, por isso acrescentaram o número ao apelido pelo qual eu era conhecido no bairro", explica.

Valter diz que pichar é uma das suas paixões — Foto: Kauanne Piedra/G1

Marca conhecida

Em 30 anos de vida incorrendo no artigo 65 da Lei 9.605/98, que define pichação como vandalismo e crime ambiental, Valtinho acredita ter escrito seu nome em mais de três mil lugares. "Nunca danifiquei prédios públicos", garante.

O fato de ter um nome tão conhecido já lhe rendeu situações inusitadas em rodas de conversa.

“Já aconteceu de pessoas que trabalham com grafite falarem: ‘Mas quem é esse cara que tem o nome em todo lugar?’ Quando falo que sou eu e ninguém acredita."

Ele também lembra o ar de mistério que envolvia suas pichações. “Muita gente achava que onde estava escrito ‘Valtinho da 2’ era um ponto de drogas, mas nunca teve isso. Escolhia os lugares ao acaso", diz.

Casado, pai de três filhos e avô desde junho, Valter revela que a esposa pediu diversas vezes que ele abandonasse a pichação. Por conta do "vício", sua filha mais velha chegou até a ser conhecida como "Cristininha da 2" na época de escola.

Mas, se parou de pichar em 2013, como a inscrição Valtinho da 2 continua surgindo em diversos locais? "O apelido virou uma marca conhecida. Por isso, muita gente sai pichando por aí em meu nome, mas não sou eu", diz.

Nome de Valtinho da 2 já foi "descoberto" na lua e inserido em placa de boas-vindas à Sorocaba — Foto: Facebook/Reprodução

Memes na internet

A pichação com o apelido rendeu diversos "memes" nas redes sociais. O nome já foi “descoberto” na lua e até inserido no totem religioso instalado na entrada da cidade com a frase "Sorocaba é do Senhor Jesus Cristo".

Apesar do amor pela arte urbana, Valter diz que nunca pensou em fazer carreira com o grafite por não haver "valorização da arte". "Gasto, em média, R$ 150 por desenho que faço, e não cobro nada. Faço por paixão", diz.

Mesmo assim, ele quer continuar com o hobby para inspirar jovens que, como ele no passado, picham muros e postes pela cidade. “Acho que o grafite não tem nada de poluição visual. É arte. Com essa arte quero inspirar jovens a saírem da pichação e apreciar as pinturas e desenhos."

Valtinho da 2 grafitou personagem dos anos 80 em muro de escola de Sorocaba (SP) — Foto: Kauanne Piedra/G1

Picho, pixo e grafite

A mestre em semiótica pela PUC-SP Micaela Altamirano explica que a pichação é uma forma de expressão que possibilita diversos modos de interpretação, apesar de ainda dividir a opinião das pessoas.

“Quando o picho vem acompanhado de um protesto, por exemplo, é sempre mais aceito. Quando é apenas um nome, apesar do significado, é mais visto como uma molecagem”, diz a pesquisadora sobre Valtinho da 2.

Micaela Altamiro, responsável pela pesquisa "A pixação na paisagem de São Paulo: o risco como construção do sentido da vida urbana”, explicou ao G1 a principal diferença entre os termos usados para definir quem escreve em superfícies com latas de spray.

Segundo ela, o pixo escrito com “x” consiste em um grupo de pessoas que fazem parte de um coletivo com regras e padrões estéticos, que correm riscos por escolherem lugares altos e de difícil acesso.

Já o picho, escrito com “ch”, não segue padrão, usa letras de fácil entendimento e é feito individualmente.

Ela ainda destaca o fator social envolvido no pixo. “Esta técnica foi criada em São Paulo no processo de urbanização da cidade, quando houve uma segregação especial muito forte. Pessoas periféricas querem mostrar que pertencem ao mesmo espaço que aquelas com melhores condições financeiras e sociais”, explica.

“Já o grafite é mais familiar entre a população, pois está presente em museus e galerias de arte. No grafite a pessoa precisa ter mais conhecimento de técnicas ilustrativas, maior elaboração no desenho, mais variedades de cores e formas”, explica.

Revitalização de muros

A Prefeitura de Sorocaba informou que no primeiro semestre deste ano foram identificados 10 pichadores. No mesmo período do ano passado, foram 21 registros. A multa para quem for flagrado na ação é de R$ 1 mil, além de ser encaminhado à Polícia Civil.

Sobre o grafite, a prefeitura afirmou que apoia e realiza diversas ações relacionadas ao tema, como bate-papos, oficinas e exposições. Muros de escolas e prédios públicos já foram revitalizados com a técnica.

Um dos casos mais recentes foi na Escola Estadual Arthur Cyrillo Freire, na Vila Jardini, que ganhou desenhos de vários grafiteiros. Entre eles, se destaca o nome de um velho conhecido dos moradores de Sorocaba: Valtinho da 2.

Valtinho da 2 faz grafite em muro de escola em Sorocaba (SP) — Foto: Kauanne Piedra/G1

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