• Ana Laura Stachewski
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Aspectos legais merecem especial atenção de empresários que planejam reabrir o negócio (Foto: Divulgação)

Processos, multas ou mesmo discussões intermináveis. Mais que desafios para o funcionamento das empresas, a pandemia trouxe novos riscos jurídicos relacionados a elas. As questões envolvem do direito trabalhista ao tributário e podem ser fonte de dor de cabeça e prejuízo aos que não se atentarem.

PEGN conversou com dois especialistas para entender quais são os principais riscos para as empresas neste momento. Eles devem estar no radar principalmente de quem estiver reabrindo o negócio ou se preparando para isso. Veja abaixo:

1. Covid-19 como doença ocupacional
Um dos riscos jurídicos que mais merecem atenção vem da decisão do Superior Tribunal Federal (STF) de suspender, em decisão liminar, a eficácia de dois artigos da Medida Provisória 927/2020. O artigo 29 não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores por Covid-19. O 31 limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho apenas a atividades de orientação, sem autuações.

A suspensão tem caráter temporário, mas já traz implicações para os empregadores. Flávia Maria Vieira de Oliveira, advogada do Stocche Forbes Advogados, explica que, na prática, um funcionário diagnosticado e afastado pela doença ganharia, ao retornar ao trabalho, o direito à estabilidade por um ano. “A princípio, o empregador não poderia optar por rescisão nesse período. Se realmente precisar fazer isso, terá de pagar indenização por esse ano”, diz.

A determinação não exige que o funcionário comprove ter contraído a doença no local de trabalho. Mesmo assim, a recomendação é que o empresário avalie os riscos a que os empregados estão expostos e aja para diminuí-los. Além dos protocolos de cuidado e higiene, Flávia recomenda a realização de testes antes do retorno às atividades.

2. Reabertura insegura
Um ofício publicado pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia em março inclui uma série de recomendações para empregadores e trabalhadores em relação à pandemia. Segundo Flávia, esta será uma das grandes bases utilizadas por autoridades trabalhistas e pelo Ministério Público do Trabalho nas fiscalizações e autuações de empresas.

A adoção de protocolos de higiene é um exemplo. Além de disponibilizar álcool em gel e exigir o uso de máscaras, é necessário orientar os funcionários em relação aos cuidados. “Por mais que o ofício trate de orientações, as autoridades as levarão como lei ao apurar se tudo está sendo cumprido”, diz a advogada. Muitas das fiscalizações são feitas após denúncias. “O ramo de bares e restaurantes é um que vai ter fiscalização muito ativa quando retornar.”

Douglas Oliveira, advogado e sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados, lembra que os cuidados se aplicam às demais pessoas que frequentam a empresa – como os clientes de uma loja. Se o uso de máscaras é obrigatório em um município, ele diz que o estabelecimento pode ser multado se uma pessoa for flagrada sem ela no local.

Também há risco de processo judicial caso um consumidor consiga provar que contraiu a Covid-19 devido ao descuido da loja. “Há dificuldade de provar o nexo de causalidade, mas existe essa possibilidade”, diz ele.

3. Desdobramentos da MP 936
Outro risco destacado pela advogada Flávia Maria Vieira de Oliveira diz respeito a questionamentos sobre a legalidade de acordos individuais firmados com empregadores para a suspensão de contrato ou redução de jornada e salário. A MP 936 prevê casos em que a redução ou suspensão apenas poderia ter sido feita por acordo coletivo. Flávia diz, porém, que alguns sindicatos permitiram a realização de acordos individuais. “Pode haver um questionamento sobre se isso foi legal, sem haver um acordo coletivo”, diz ela.

Outros riscos vêm do não cumprimento das medidas previstas pelo acordo. Se um funcionário teve a jornada reduzida em 50%, mas comprovar que trabalhou normalmente ou apenas 25% menos, pode questionar a empresa. Negócios que demitirem funcionários no período de estabilidade previsto pela MP também correm o risco, caso não arquem com a indenização correspondente ao período.

4. Questões contratuais
A interpretação de contratos tem sido fonte de discussões desde o início da pandemia. Os contratos de aluguel e de prestação de serviços impossibilitados pela quarentena são alguns exemplos.

Douglas Oliveira lembra que o projeto de lei 1.179/2020 do Senado Federal buscou instituir algumas normas para as relações jurídicas no período de pandemia – incluindo a proibição de ações de despejo. Mas esse e outros sete artigos foram vetados pelo presidente Jair Bolsonaro ao sancionar o projeto.

Diante da insegurança jurídica, o advogado diz que a melhor forma de resolver impasses é pelo bom senso e pela razoabilidade – e sugere que recorrer ao Poder Judiciário seja a última alternativa. Como solução intermediária, ele indica buscar núcleos de mediação e conciliação. “Em alguns estados, as federações de comércio oferecem centros desse tipo. O Procon também tem feito reuniões para mediar acordos na relação de consumo.”

5. Dívidas tributárias
Quem deixou o pagamento de impostos de lado sem ter recebido uma decisão judicial favorável a tal deve regularizar a situação da empresa o quanto antes. O advogado aponta que a execução da dívida pode levar a multas altas, chegando a 100% do valor original em alguns casos.

Por outro lado, ele destaca a importância de se manter atento às medidas anunciadas pelo governo neste âmbito. Uma das mais recentes foi o novo adiamento, em 60 dias, do recolhimento de contribuições previdenciárias e do PIS/Cofins dos meses de abril e maio. Veja outros adiamentos abaixo.

Base de comparação
Para Leonardo Freitas, especialista em imigração e CEO da Hayman-Woodward, chamam a atenção as diferenças entre os riscos jurídicos no Brasil em comparação com países como Estados Unidos. Ele destaca que a relação de trabalho no país norte-americano é mais autônoma e dá mais espaço para acordos unilaterais. 

A existência de duas leis básicas que norteiam o trabalho nos EUA relacionadas as questões de saúde do trabalhador também colaboram. Tratam-se da Lei dos Americanos com Deficiências (ADA) e a Lei de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA). "Nenhuma dessas leis foram modificadas por conta da pandemia, uma vez que o governo se antecipou com os estímulos financeiros, gerando um enorme grau de confiança no setor empresarial americano e evitando assim qualquer descumprimento destas leis que protegem os colaboradores", diz ele.