Por Carolina Dantas, G1

A preocupação existiu desde o começo. Desde que o Crispr surgiu, há seis anos, as revistas científicas e órgãos internacionais ponderam: podemos editar o DNA humano? Nós estamos falando de uma molécula que existe há milhares, muitos milhares de anos. Qual seria o limite para a edição genética? É uma questão ética complexa.

Por outro lado, a técnica de edição de DNA é simples e barata. O que ela pode fazer, no entanto, é uma revolução, como expressou a prestigiosa revista científica "Science" em uma de suas capas. Podemos criar bebês resistentes ao HIV, como anunciou o cientista chinês. Podemos editar, na verdade, o material genético de praticamente qualquer ser vivo. As expectativas giram em torno da cura de doenças importantes, como o Alzheimer e o câncer.

Entenda o que é o Crispr

Entenda o que é o Crispr

Como funciona?

Os cientistas aprimoraram a técnica Crispr para o uso prático em 2012, mas ela "bombou" em 2015. Foi usada para alterar o genoma de embriões humanos, criar cães extramusculosos, porcos que não contraem viroses, amendoins antialérgicos e trigo resistente a pragas.

Tudo isso com a ajuda de uma enzima presente no sistema de defesa das bactérias. Os pesquisadores usam a Cas9 junto com um RNA "guia" para "recortar" a parte que é de interesse no DNA.

Entenda o Crispr — Foto: Betta Jaworski/G1

No meio disso tudo, o Crispr é citado como uma chance para um futuro Nobel. Uma das questões que precisavam ser resolvidas – decisão tomada no ano passado – era a autoria da descoberta: três cientistas, duas mulheres e um homem, levaram o direito à patente para ser decidido na Justiça dos Estados Unidos.

A patente é avaliada em milhões de dólares. De um lado, duas mulheres frequentemente cotadas para concorrer ao Nobel: a microbióloga Emmanuelle Charpentier, do Instituto de Berlim Max Planck; e a bioquímica Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Do outro, Feng Zhang, do Instituto Broad, um organismo de pesquisa ligado à Universidade Harvard e ao MIT.

Em fevereiro de 2017, Zhang venceu a batalha. Ele ficará com os direitos ao lucro do uso da técnica.

Feng Zhang, do Instituto Broad — Foto: Stan Grazier/Instituto Broad

Ético?

O pesquisador chinês He Jiankui disse que criou os primeiros bebês geneticamente editados no mundo. São as meninas gêmeas – Lulu e Nana – nascidas neste mês.

Ainda não há uma confirmação científica do feito de He. Ele não publicou artigos científicos em revistas, nem prestigiadas, nem desconhecidas. Não divulgou o nome dos envolvidos.

O cientista chinês scientist He Jiankui afirma ter ajudado a criar os primeiros bebês geneticamente modificados no mundo. — Foto: Mark Schiefelbein (AP)

Voltamos ao início do texto: podemos editar uma molécula que demorou milhões de anos para chegar onde está?

Independentemente da pesquisa de He, já chegamos muito longe.

Em agosto de 2017, a "Nature" publicou pela primeira vez a modificação de genes defeituosos em embriões humanos para evitar uma condição cardíaca hereditária. A pesquisa gerou embriões saudáveis, que sem edição genética teriam desenvolvido a cardiomiopatia miotrífica – doença que dificulta o bombeamento do sangue pelo coração.

Em abril de 2016, o periódico "Cell Reports" avaliou que a técnica precisava de ajustes para evitar a ação do vírus da Aids, com sua alta capacidade de mutação. Mais de um ano depois, em maio de 2017, a revista "Molecular Therapy" publicou que cientistas da Universidade Temple, na Filadélfia, conseguiram editar o código e evitar que o vírus continuasse a se replicar em animais.

Os chineses injetaram pela primeira vez em seres humanos genes editados com o Crispr em outubro de 2016. Um time da Universidade de Sichuan inseriu as células modificadas em um paciente com um tipo agressivo de câncer de pulmão – uma proteína foi desativada com a ajuda do recorte do DNA, justamente a que é usada para a proliferação do câncer.

Embriões humanos foram modificados pela primeira vez com uma nova técnica de edição genética, diferente da já conhecida CRISPR (usada nos da imagem acima) — Foto: OHSU

Nos Estados Unidos, cientistas criaram órgãos humanos em porcos para a realização de transplantes. Isso ocorre em duas etapas: primeiro, os especialistas removem o gene de um embrião de suíno recém-fertilizado e que levaria ao desenvolvimento do pâncreas. Depois, as células-tronco humanas são injetadas dentro do embrião do animal. Com isso, o órgão humano se desenvolve dentro do porco e depois pode ser retirado para uma possível cirurgia.

Mas o que falta?

Um consenso sobre o uso e uma legislação que implemente um limite internacional, ou pelo menos nos países que mais atuam nas pesquisas: Estados Unidos e China. Assim, os cientistas poderão pesquisar com mais segurança e avançar de forma ética sobre o assunto.

O G1 mostrou que o anúncio do chinês que teria editado o DNA de bebês causou protestos de cientistas ao redor do mundo. Segundo especialistas, ele feriu a ética, as leis, a segurança, e tem consequências imprevisíveis. Até a própria universidade de He Jiankui se manifestou dizendo que iria investigar o caso. Segundo a instituição, o caso é "uma violação grave de ética e dos padrões acadêmicos".

Nos Estados Unidos, a FDA, "Anvisa" do país, acaba barrando o desenvolvimento de algumas pesquisas. Em março deste ano, a agência interrompeu os primeiros testes em humanos com o Crispr.

He saiu dos Estados Unidos porque, justamente, a edição genética não é permitida com aplicação em humanos, exceto pesquisas de laboratório, sem interferência na vida ou perpetuação. A China proíbe a clonagem humana, mas não especificamente a edição de genes.

A preocupação dos órgãos de regulamentação americanos tem fundamento: a "Nature Biotechnology" questionou a precisão do Crispr e mostrou que experimentos de laboratório usando células de camundongo e humanas revelaram que a técnica causou "frequentemente" mutações genéticas "extensas".

De acordo com os pesquisadores, as "mudanças no DNA foram seriamente subestimadas antes".

Um outro estudo que questiona o potencial "salvador" do Crispr foi publicado em junho deste ano na "Nature Medicine": o uso da técnica de edição poderia aumentar o risco de câncer. Segundo os cientistas, a edição teria uma tendência de selecionar células sem uma proteína importante para barrar mecanismos cancerígenos.

E, no meio disso tudo, os órgaos como a FDA, que poderiam determinar uma barreira para todas as pesquisas, ficam com um dilema estilo "ovo ou galinha": devemos continuar com as pesquisas para entender os riscos e determinar um limite, ou devemos determinar um limite e continuar as pesquisas sem riscos?

É uma resposta que ainda precisa ser muito discutida nos próximos anos, antes que mais bebês do futuro surjam por aí.

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