Economia

Ex-presidentes do IBGE divulgam apelo por Censo 2020 sem cortes

Em carta conjunta, grupo pede manutenção das perguntas que foram retiradas do questionário
(da esq. para a dir.) Eduardo Nunes, Wasmália Bivar, Paulo Rabello e Roberto Olinto durante apresentação da carta aberta em defesa do Censo 2020 Foto: Daiane Costa
(da esq. para a dir.) Eduardo Nunes, Wasmália Bivar, Paulo Rabello e Roberto Olinto durante apresentação da carta aberta em defesa do Censo 2020 Foto: Daiane Costa

RIO - Os ex-presidentes do IBGE Roberto Olinto, Paulo Rabello de Castro, Wasmália Bivar, Eduardo Nunes e Eurico Borba assinaram em conjunto uma carta pública em defesa do Censo 2020. O ato ocorreu na tarde desta segunda-feira, no Centro do Rio. Os cinco pedem a manutenção das perguntas que foram retiradas do questionário da pesquisa, que vai a campo no ano que vem. Eles criticam a atual gestão do instituto por "desrespeitar os rigorosos procedimentos técnicos e operacionais" que, segundo eles, sempre pautaram os trabalhos realizados pela instituição.  A iniciativa faz parte das atividades da campanha Todos Pelo Censo, organizada por servidores do IBGE.

Explicação: MPF dá dez dias para IBGE esclarecer impactos dos cortes no orçamento e questionário do Censo

- Nós não temos uma proposta de questionário de Censo, é uma questão de princípios. O questionário tem de ser elaborado a partir de uma discussão permanente entre os técnicos do IBGE e seus usuários especializados que formulam políticas públicas usando essas informações. Uma pessoa propor esse questionário sem ouvir a sociedade brasileira nos parece uma enorme improvisação. Isso jamais aconteceu na história do IBGE - disse Wasmália, que entre os ex-presidentes do IBGE é a única que ainda faz parte do corpo técnico do instituto.

Ela lembra que, quando a produção do Censo anterior, que foi a campo em 2010, o questionário, que tinha 140 perguntas, é resultado de uma curadoria de 5 mil propostas que foram demandadas pela sociedade. Nunes também ressaltou que o corpo técnico do IBGE chegou a apresentar um questionário mais enxuto à atual direção do instituto, dentro do considerado tecnicamente razoável, mas a proposta foi descartada pela nova presidente.

Olinto, por sua vez, criticou uma das justificativas apresentadas pela presidente para alguns dos cortes - de inclusão dessas questões em outra pesquisa do instituto, a Pnad Contínua. Segundo o ex-presidente, essas inclusões são tecnicamente inviáveis.

Na carta, os cinco convidam prefeitos, vereadores e deputados a se engajarem na luta por um Censo completo e de qualidade, já que, segundo eles, os cortes no questionário impactarão negativamente o planejamento de políticas públicas locais. As cidades menores seriam as mais impactadas, já que o Censo é a única pesquisa que vai a cada um dos mais de 5.570 municípios brasileiros.

Apenas Borba, que mora em Florianópolis e foi presidente do instituto entre 1992 e 1993, não estava presente. Os outros quatro presentes no ato se sucederam em diferentes mandatos, de fevereiro de 2003 a fevereiro de 2019.

Clique aqui : Você sabe como é feito o Censo no Brasil?

Apelo a prefeitos

"Começamos por lembrar prefeitos, vereadores e deputados. Todos esses políticos vêm ao IBGE pedir a atualização dos dados da população dos seus municípios. Com essas informações essenciais é que se realiza a repartição de impostos no Brasil. E o último dado está mais do que velho, data de 2010. Onde estão as associações e federações de municípios que ainda não exigiram do governo apoio irrestrito ao Censo 2020? E onde estão os senhores deputados e deputadas? E os senadores e senadores? Com que dados sobre o Brasil os parlamentares legislam?", diz um trecho da carta.

Por impactar na distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) é uma das instituições mais interessadas na realização da pesquisa. De acordo com a organização, a ausência da contagem populacional, que é feita sempre ao meio de cada década, e não foi feita em 2015 por falta de recursos, já vêm interferindo na distribuição do FPM - que é calculado de acordo com o tamanho da população de cada cidade.

- As estimativas populacionais já estão defasadas. Eu não acompanhei a retirada de perguntas do questionário. Mas o Censo é uma radiografia do Brasil para tomada de decisões em todos os três níveis. Então, a gente precisa ver quais são esses cortes e vamos sensibilizar o governo para que eles não aconteçam - disse Aroldi.

Os ex-presidentes afirmaram que o próximo Censo pode ser feito de forma econômica e eficiente, mas que não pode haver "improvisação técnica". "Quem sabe o que entra e o que deve ficar nos questionários do Censo é o pessoal do IBGE.

Os servidores do órgão são pagos e treinados para isso. Por causa disso, esses ibegeanos são considerados entre os mais capacitados e bem preparados do mundo”, diz a carta, que segue:  "Não há - nem pode haver - qualquer tipo de improvisação como, infelizmente, se tem presenciado na orientação para a execução do censo”.

Censo 2020 : saiba as perguntas que os brasileiros terão de responder

Em nota, o IBGE diz respeitar a manifestação dos ex-presidentes, mas ressalta que o questionário “foi objeto de amplo debate interno e no âmbito da Comissão Consultiva do Censo Demográfico”.

Entenda o caso

Diante da situação das contas públicas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, cobrou que o instituto reduzisse em 25% o orçamento do Censo 2020, dos originais R$ 3,18 bilhões para R$ 2,3 bilhões, com o argumento de que a pesquisa não precisava ser tão extensa. A nova presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, determinou que parte das perguntas fossem cortadas para diminuir o tempo de aplicação. Ela defendia que, assim, seria possível também economizar recursos.

A iniciativa, porém, causou polêmica desde o início. Integrantes do corpo técnico não concordaram com a medida, pois avaliam que a redução do número de perguntas da pesquisa não reduz o custo significativamente e que haverá perda de informações importantes para a formulação de políticas públicas.

Apesar das manifestações em contrário, o formulário encolheu. O número de perguntas foi reduzido de 102 para 76 no questionário amostral, aplicado a cerca de 10% dos domicílios; e de 34 para 25 no questionário básico, aplicado nos 90% restantes. O martelo final foi batido pelo pelo novo diretor de pesquisas do do instituto, Eduardo Rios Neto, que assumiu o cargo no lugar de Claudio Crespo, demitido por Susana. Crespo era um dos que se opunham aos cortes.

Alguns dias depois do anúncio da mudança na pesquisa, cinco coordenadores e diretores de área do IBGE entregaram seus cargos por discordarem da nova diretriz. Eles continuam como funcionários do instituto.

Após as divergências ganharem fôlego, a  presidente do IBGE afirmou que  o enxugamento na pesquisa teria de ser feito mesmo que não houvesse a necessidade de diminuir os custos da pesquisa. O objetivo, no caso, seria melhorar a qualidade das respostas dadas pelos entrevistados. O Censo vai visitar  70 milhões de lares brasileiros.

O que fica e o que sai

O Censo 2020 abrangerá 13 temáticas: características do domicílio, etnia e raça, nupcialidade, núcleo familiar, fecundidade, religião, deficiência, migração, educação, deslocamento para estudo e trabalho, trabalho e rendimento e mortalidade.

O bloco de questões que permite mensurar a quantidade de brasileiros que deixam o Brasil para viver no exterior ficou fora da pesquisa. O questionário também perdeu questões referentes a tempo de deslocamento para estudo, estado civil, trabalho e rendimento, posse de bens e valor do aluguel.
O Núcleo Sindical do Chile (nome da rua onde fica um dos principais centros de pesquisa do instituto, no centro do Rio) argumenta que as ausências "trazem sérios prejuízos à produção de um conjunto de indicadores. Em especial, os cortes prejudicam as projeções e estimativas populacionais, impossibilitam a aferição do déficit habitacional por município e dificultam estudos de pobreza e desigualdade de renda".

Para cada questão excluída, em relação ao Censo anterior, de 2010, a direção do IBGE apresentou como os dados passarão a ser obtidos e garante que não haverá perda de informação.
Além do custo num cenário de crise fiscal, defensores do questionário menor alegam que há paralelo com outros países, que contam com uma integração maior de suas bases de dados. Além disso, ressaltam que é preciso atualizar a forma de fazer o Censo, levando em conta a avaliação de que o brasileiro estaria menos propenso a responder um longo questionário.

MPF questiona cortes

Em maio deste ano o Ministério Público Federal (MPF) questionou o IBGE sobre a redução de recursos. Em resposta, a presidência do instituto informou, que àquela época, ainda não havia percentual definido de corte no orçamento e que o dado só estaria disponível após a definição do escopo do questionário e dos ajustes nos procedimentos técnicos, operacionais e tecnológicos que envolvem o censo. O tamanho do questionário foi definido no fim daquele mês.

Na semana passada, o MPF retomou o caso e deu ao IBGE um prazo de até dez dias para que o instituto esclareça quais serão os impactos dos cortes promovidos pelo órgão no questionário e orçamento da pesquisa. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do órgão solicitou à presidente do instituto que informe qual foi o percentual de corte aplicado ao orçamento inicialmente estimado. O instituto também deverá esclarecer se a supressão de questões sobre renda, aluguel, emigração e posse de bens não terá repercussão nos propósitos que orientam o levantamento censitário.

Na ocasião, o IBGE informou, por meio de nota, que vai encaminhar ao MPF todas as respostas solicitadas, dentro do prazo fixado pelo órgão.


LEIA A CARTA NA ÍNTEGRA


"Carta aberta dos presidentes do IBGE aos brasileiros e brasileiras

Esta carta é endereçada a cada pessoa entre nossos 209 milhões habitantes. Ela versa, por assim dizer, sobre o "álbum de fotografias" da família brasileira. Que álbum é esse? O Censo da população brasileira, ou seja, a fotografia atualizada do Brasil e dos brasileiros, a ser realizada em agosto de 2020. Já estamos em cima hora para o próximo censo demográfico e sua realização impecável é de fundamental importância para todos nós e para nosso futuro. A foto que ele revelará nos mostrará os brasileiros e a família brasileira de corpo inteiro, com inúmeros aspectos fundamentais para todo agente transformador e inovador da sociedade brasileira.

Quem assina esta mensagem são presidentes do IBGE em vários períodos distintos da história grandiosa desse instituto de estatística e geociências. Nossas experiências variadas e importantes à frente do IBGE nos credenciam para expressar extrema preocupação com os rumos que tomaram as recentes posições do Governo Federal e da direção atual do IBGE frente ao desafio de se preparar e realizar uma operação que mobiliza cerca de 200 mil recenseadores sobre o imenso território do País. A eles cabem o importante papel entrevistar cada família brasileira para, em seguida, organizar, processar e disponibilizar o gigantesco arquivo de informações do Censo. O desafio de coordenação e execução do Censo 2020 é enorme. Todos devem estar alinhados com este grande objetivo e remar juntos, na mesma direção.

Tudo na vida depende de atitude. Desde pequenas ações até grandes missões dependem, em última linha, da atitude de quem as promove. O sucesso decorre, sobretudo, de atitude positiva. Uma postura negativa enseja dúvida e dela sobrevém, em geral, o fracasso. E reconheçamos: a atitude do atual governo, secundada por seu ministro da Economia e não refreada pela atual presidente do IBGE, tem sido de dúvida e de negação à capacidade de concepção e realização do Censo 2020 por este que é um dos órgãos de mais irretocável reputação e confiabilidade do Estado brasileiro.

Como produto do Estado brasileiro, e instrumento indispensável para a sua ação em inúmeras áreas essenciais para a vida do povo brasileiro, é necessário que o governo assuma que a realização do censo, com relevância e qualidade, é prioridade e que reconheça, finalmente, que o IBGE detém capacidade técnica e tenha a atitude de garantir o suporte financeiro para sua execução no próximo ano. A atitude de todos os envolvidos deve ser positiva e motivadora. Assim se comanda uma equipe, um órgão de Estado, e assim se deve comandar um país. Com atitude.

Não há - nem pode haver - qualquer tipo de improvisação como, infelizmente, se tem presenciado na orientação para a execução do censo. Há poucos dias, por exemplo, foi passado um cheque especial do Congresso para o Ministério da Economia. O cheque é de "apenas" R$ 248 bilhões. Várias liberações de gastos relevantes foram acordadas com o Executivo. Por que não foi incluída aí, desde logo, a verba para a aceleração dos trabalhos preliminares ao censo? Um décimo de 1% dos R$ 248 bilhões - ou seja, R$ 248 milhões - já seriam mais do que suficientes para garantir o empurrão que o IBGE precisa neste momento para começar a selecionar, contratar e treinar seus recenseadores; adquirir os tablets com os quais as entrevistas nas residências do Brasil inteiro serão feitas; e definir os meios de deslocamento do pessoal. Isso seria atitude.

Ainda há tempo de mudar e melhorar!

O próximo censo pode se realizar de modo econômico e eficiente. Mas eficiência não rima com improvisação técnica. Quem sabe o que entra e o que deve ficar nos questionários do censo é o pessoal do IBGE. Os servidores do órgão são pagos e treinados para isso. Por causa disso, esses ibegeanos são considerados entre os mais capacitados e bem preparados do mundo.
O conteúdo do censo deve expressar as necessidades da sociedade.

Os funcionários do IBGE trabalham cotidianamente em contato com os diversos interessados nas mais diferentes áreas para atender essas demandas. Eles conhecem aquilo que é prioritário, pois além das consultas específicas do censo passam suas vidas profissionais em contato com os acadêmicos, formuladores de política, organizações da sociedade civil, órgãos governamentais etc. ligados às suas áreas de atuação.

Tudo isso é parte integrante de seu trabalho, assim como acompanhar e participar das reflexões, evoluções e inovações internacionais. Por isso, o IBGE é referência mundial em matéria de boa realização técnica de pesquisas de muito grande porte. O IBGE nunca brincou em serviço. Fere ao zelo e à autoestima de todos os servidores ver seu trabalho posto em questão sem qualquer base científica para tal.

Mais uma vez, deve prevalecer uma mudança de postura e atitude por parte das autoridades se não quiserem ver aprofundar mais ainda a evasão dos quadros mais experientes do IBGE que, por já terem adquirido direito a suas aposentadorias, vêm deixando suas posições no instituto. Não existe vitória em uma guerra sem generais experientes e soldados muito motivados. E o censo, por natureza, exige a mobilização do bom combate em busca das informações de que o Brasil tanto precisa.

Finalizamos esta mensagem com um pedido de mobilização, não só de pessoas que esperam os dados do censo brasileiro para atualizar suas pesquisas em todas as universidades do Brasil e do mundo. Começamos por lembrar dos prefeitos, vereadores e deputados. Todos esses políticos vêm ao IBGE pedir a atualização dos dados da população dos seus municípios. Com essas informações essenciais é que se realiza a repartição de impostos no Brasil. E o último dado está mais do que velho, data de 2010. Onde estão as associações e federações de municípios que ainda não exigiram do governo apoio irrestrito ao Censo 2020? E onde estão os senhores deputados e deputadas? E os senadores e senadores? Com que dados sobre o Brasil os parlamentares legislam?

E as secretarias de educação, de segurança pública, de saúde e de transporte, de habitação, de Estados e municípios, com que dados planejarão suas ações sem o censo? E para não ir mais longe, como os planejadores de vendas de todas as empresas brasileiras farão seus negócios Brasil afora, sem dados da população e de suas condições econômicas e sociais? Tudo isso, e muito mais, depende do censo.

Não realizar de modo correto e profissional o próximo censo é mais do que desafiar o bom senso: é provocar o castigo que vem com o triunfo da ignorância. O Brasil inteligente e organizado, o Brasil democrático e livre, pode e deve reagir.

Ainda há tempo para virar esse jogo."