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Política Brasília

Ministro do TSE julgou serviços prestados por seu escritório ao DEM

Admar Gonzaga não se julgou impedido ao analisar contas de partido
O ministro Admar Gonzaga, durante sessão do TSE Foto: Divulgação/TSE
O ministro Admar Gonzaga, durante sessão do TSE Foto: Divulgação/TSE

BRASÍLIA — O ministro Admar Gonzaga , do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE ), votou pela aprovação das contas de um partido, o DEM , que continham despesas do seu próprio escritório de advocacia. O julgamento ocorreu em abril do ano passado, logo que Admar assumiu a titularidade no TSE. A relatora do caso, ministra Rosa Weber, havia votado pela rejeição parcial das contas da legenda, referentes ao ano de 2011, mas Admar apresentou voto recomendando a aprovação com ressalvas. Na época, o ministro não se considerou impedido de participar do julgamento.

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O impedimento só ocorreu depois que o Ministério Público Eleitoral (MPE) apontou a ligação de Admar com o escritório que defendia o DEM e cujas notas fiscais estavam no processo analisado pelo TSE.

A Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) do TSE constatou irregularidades da ordem de R$ 8,1 milhões nas contas do DEM em 2011, incluindo quatro notas apresentadas pelo escritório de Admar, que somavam R$ 48 mil e foram consideradas genéricas e insuficientes para comprovar a prestação de serviços. A equipe técnica da Corte Eleitoral defendeu que o DEM devolvesse os recursos.

Durante o julgamento no ano passado, a ministra Rosa Weber entendeu que as irregularidades eram de da ordem de R$ 5,1 milhões, menores, portanto, que as apontadas pela equipe técnica da Corte. Ela apontou irregularidades na comprovação de serviços contratados pelo Instituto Tancredo Neves, ligado ao DEM. Entretanto, em relação a contratação do escritório do colega de tribunal, ela considerou que a mera apresentação de notas fiscais e dos comprovantes de transferência bancária eram suficientes para comprovar os serviços.

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— Atende minimamente o previsto no regulamento da época — pontuou em seu voto.

O entendimento relativo ao escritório de Gonzaga foi mantido pelos demais ministros da Corte Eleitoral, uma vez que até 2015 o TSE não exigia mais documentos além das notas fiscais para atestar os serviços prestados. Ainda assim, Rosa votou pela reprovação das contas da sigla por entender que havia irregularidades da ordem de R$ 5,1 milhões, que equivaleriam a 22,33% do total do Fundo Partidário repassado ao DEM em 2011. Coube, então, ao ministro recém-empossado abrir a divergência que adotou um entendimento mais favorável ao seu antigo cliente.

— Com relação à comprovação de despesas com aquisição de produtos e prestação de serviços, também vou divergir respeitosamente, porque são prestadores de serviço, que a mim me parece, pela relação apresentada, de pareceres de escritórios de advocacia, dentre os quais o do próprio patrono (...), além de outras despesas. Mas a Asepa requereu um relatório circunstanciado, que só é exigido pela Resolução de 2015 — afirmou o ministro, sem se declarar impedido.

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Para Gonzaga, alguns dos gastos considerados irregulares por Rosa não teriam nenhum problema, como o fretamento de voos de jatinho. Com isso, Gonzaga entendeu que a única irregularidade nas contas do partido de 2011 seria o desrespeito à aplicação do percentual mínimo dos recursos do fundo partidário para incentivar a participação política feminina, da ordem de R$ 1,1 milhão. Tal desrespeito também foi citado dentre as irregularidades apontadas pela ministra Rosa.

Como o valor equivalia a menos de 10% do total repassado pelo fundo partidário à sigla, o ministro defendeu a aprovação com ressalvas das contas do DEM.  O entendimento foi seguido pelos ministros Luciana Lóssio, Napoleão Nunes e Gilmar Mendes, deixando vencidos os ministros Rosa Weber, Herman Benjamin e Luiz Fux.

Em 12 de junho do ano passado, o Ministério Público Eleitoral recorreu da decisão, pedindo que o acórdão fosse anulado, uma vez que Gonzaga deveria ter se declarado impedido. Pela lei, todos os partidos recebem mensalmente uma verba do fundo partidário e 20% dela deve ser destinada ao custeio e manutenção de suas fundações partidárias ou institutos de formação política. Foi depois deste recurso, então, que o ministro Admar Gonzaga reconheceu formalmente sua situação de impedido.

“Compulsando os autos, verifico que, no voto proferido pela Ministra Rosa Weber e no âmbito do exame da questão associada à execução de serviços pagos com o fundo partidário pelo Instituto Tancredo Neves (instituto ligado ao DEM), há a indicação da existência de 4 notas fiscais da pessoa jurídica A. Gonzaga Advogados, com destaque à nota 823, cujas despesas foram consideradas regulares pela própria relatora, porque ‘atende minimamente o previsto no regulamento da época’. Não obstante e dado o fato indicado, reconheço meu impedimento para atuar no presente feito”, assinalou o ministro em despacho do dia 26 de setembro.

Depois disso, o caso foi redistribuído para o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e somente em 6 de março deste ano o plenário retomou a discussão. O pleno reconheceu que o impedimento de Gonzaga não foi analisado, pois o ministro havia acabado de tomar posse como efetivo e a Corte estava na data-limite para julgar as contas. “Na ocasião, nem sequer a suspensão do julgamento foi possível, haja vista o fim do prazo prescricional para o exame das contas”, aponta o acórdão de março deste ano.

Apesar de tomar posse efetiva em 27 de abril de 2017, Gonzaga já vinha atuando no TSE como ministro substituto desde 2013.

O tribunal acatou em parte o pedido do Ministério Público e decidiu por anular apenas os trechos do acórdão “nos pontos em que o voto do ministro impedido, condutor da tese vencedora, foi determinante para o resultado do julgamento”. Como o placar a discussão sobre os pagamentos de jatinhos e até dos gastos do Instituto Tancredo Neves, inclusive com o escritório de Gonzaga, ficou empatado, o Tribunal acabou por não julgar novamente a questão uma vez que o prazo para o julgamento das contas acabou prescrevendo.

Com isso, foi mantida apenas a punição sugerida pela ministra Rosa referente aos gastos com participação feminina, que obriga o partido a compensar os gastos com o incentivo à participação política de mulheres.

O GLOBO tentou contato por telefone com o ministro Admar Gonzaga, mas ele não atendeu.