Rio

Sob pressão de empresas, Câmara vota lei de aplicativo de transporte

Companhias pressionam políticos e opinião pública para que texto não seja restritivo
Aplicativo Uber Foto: Gustavo Azeredo/Agência O Globo
Aplicativo Uber Foto: Gustavo Azeredo/Agência O Globo

SÃO PAULO - A Câmara dos Deputados deve colocar em votação nesta terça-feira o projeto que regulamenta a atividade de aplicativos de transporte privado, como Uber , Cabify e 99Pop , em meio a forte pressão das empresas para que as regras não fiquem rígidas demais. O projeto original, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP),impunha exigências como placa vermelha, autorização prévia do Poder Público para a circulação de veículos, atuação somente no município de registro do automóvel e a obrigação de que os motoristas fossem proprietários dos carros. No fim do ano passado, no que pode ser entendido como uma vitória das companhias, o Senado tornou a regulamentação mais branda.

São várias as frentes de pressão exercidas pelas empresas que administram os aplicativos de transporte. Além de chamar o processo publicamente de "Lei do Retrocesso", as companhias investiram em comerciais de TV e numa campanha virtual para tentar engajar a opinião pública a favor das suas demandas. Por meio de posicionamentos à imprensa e mensagens enviadas a usuários e motoristas, as empresas alegam que o serviço pode acabar caso o Congresso restrinja demais as regras de atuação.

— No ano passado, o Senado ouviu a mobilização popular. A gente espera que o mesmo aconteça dessa vez — diz a diretora jurídica do Cabify, Juliana Monteiro, para quem a Câmara está dividida sobre a votação.

Autor do projeto original, Zarattini discorda e acredita que as modificações do Senado retiraram os pontos fundamentais do texto, que dava poder às prefeituras. Para ele, o pano de fundo para o empenho das companhias em mudar o projeto é o medo de que os motoristas passem a exigir melhores relações de trabalho. Hoje, esses trabalhadores são tratados como “parceiros” da empresa, e não funcionários.

— Não estamos propondo que a prefeitura regulamente o preço. As empresas temem que os motoristas passem a exercer exigência sobre elas. O motorista do Uber tem que pagar 25% da corrida. O Uber não tem carro, não tem um pneu e não gasta com um litro de gasolina. Isso é uma superexploração do trabalhador — diz.

De acordo com o deputado, a concepção do projeto foi baseada na ideia de as prefeituras discutirem regulamentações junto a Assembleias Legislativas, empresas, motoristas e taxistas, para depois chegarem a um acordo. Nos bastidores, discute-se a possibilidade de o plenário criar um acordo que possa, por exemplo, retirar a exigência de placa vermelha, mas dar às prefeituras o poder para autorizar os serviços, o que seria um meio termo entre o texto original e o substitutivo.

Juliana critica outro ponto que estava no texto de Zarattini, a obrigação de atuação só no município onde o carro está registrado:

— Há um fluxo intenso de carros entre municípios de regiões metropolitanas. Pelo texto original, um motorista que sai de Guarulhos para São Paulo não poderia voltar com um passageiro, por exemplo. Isso tem um custo, e ele não teria o ganho do retorno — diz a diretora jurídica do Cabify.

Ela cita também que 40% dos motoristas ligados ao aplicativo não são proprietários do veículo (alugam ou pegam emprestado). Se o texto for aprovado integralmente, esse percentual tende a abandonar a plataforma. Segundo as empresas, a autorização do Poder Público seria outro grande impeditivo à atividade dos aplicativos, pois as prefeituras poderiam restringir o número de carros circulantes.

Após ser aprovado no Senado, o projeto precisa ser sancionado pela Presidência da República antes de entrar em vigor.

PESQUISA MOSTRA APOIO A APLICATIVOS

Uma pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Uber, aponta que para 76% dos entrevistados a chance do candidato receber seu voto diminui se o político defender a regulamentação. Segundo o levantamento, 80% dos entrevistados dizem concordar que motoristas de aplicativos têm o direito de dirigir nos demais municípios da sua região; 90% concordam, total ou parcialmente, que os aplicativos são uma alternativa de sustento para desempregados ou para quem busca renda extra.

A Uber, no Brasil desde 2014, conta com 500 mil condutores e está presente em mais de 100 cidades. Por meio de nota, alega que pagou R$ 971,8 milhões em tributos no Brasil em 2017, tanto federais (como PIS, Cofins e Imposto de Renda) quanto municipais (como o ISS e contribuições municipais devido a regulações locais). Segundo a empresa, mais de 20 milhões de pessoas se deslocam com o aplicativo de maneira permanente, e São Paulo e Rio de Janeiro estão entre as cidades com maior número de usuários no mundo.

A espanhola Cabify tem cerca de 200 mil motoristas cadastrados e atua em oito cidades. A 99, brasileira que foi recém comprada pela chinesa Didi Chuxing, diz que conecta mais 300 mil motoristas a 8 milhões de passageiros em mais de 400 cidades no Brasil. Ela não abre os números do 99Pop, categoria de carros particulares.

MEMÓRIA: HISTÓRICO DE IDAS E VINDAS

No dia 4 de abril do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo ao projeto sobre funcionamento de transporte individual remunerado — caso de Uber e Cabify, por exemplo. O texto autorizava a existência desses aplicativos para esse tipo de serviço e dizia que a fiscalização e regulamentação ficaria a cargo dos municípios.

O texto inicial, do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), proibia a existência do Uber, ao dizer que o transporte individual remunerado de passageiros somente poderia ser realizado por veículos de aluguel conduzidos por profissionais taxistas. No entanto, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), elaborou um substitutivo mais brando e aprovou em plenário a urgência na tramitação do texto.

Então, Zarattini apresentou uma emenda na qual pretende restringir o uso dos aplicativos. Diz que compete aos municípios autorizar, “ou não”, a execução deste tipo de serviço e fixa tarifas máximas a serem cobradas e intervenção pelo poder público nos casos de serviço injustificadamente abaixo do preço de custo.

Naquele mesmo dia, 4 de abril, a maioria dos deputados aprovou emendas que dificultam o serviço , deixando nas mãos dos municípios a autorização da existência de transportes por meio de aplicativo. Foi suprimida do texto a caracterização desse tipo de transporte como “atividade natureza privada”, o que, na prática, delega ao Poder Público a fiscalização e regulamentação do serviço.

Em outra mudança, os deputados incluíram artigo segundo o qual os motoristas terão de “possuir e portar autorização específica emitida pelo Poder Público municipal”. Àquela altura, o texto seria encaminhado para o Senado, onde poderia ser modificado.

No dia 10 de abril , o PSL entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que pedia para a Corte revogar a proibição de usar serviços como Uber e Cabify em Fortaleza. No documento, o partido pedia ainda que proibições desse tipo fossem revogadas em todo o país. É um caso em que o Supremo poderia ser acusado de atuar como legislador.

No dia 31 de maio , consultada pelo STF, a Advocacia-Geral da União manifestou-se contrária ao pedido do PSL. No entanto, no mérito sobre o aplicativo, mostrou-se favorável.

Cinco meses depois, no dia 31 de outubro do ano passado , o Senado aprovou emendas ao texto encaminhado pela Câmara, tornando-o mais brando. Foram aprovadas quatro alterações, que fizeram o texto ter de retornar para a Câmara.

As mudanças foram: fim da obrigatoriedade da placa vermelha; da exigência de que os carros usados sejam de propriedade dos condutores; da necessidade de licença municipal para a atuação dos aplicativos; e da restrição territorial para que um carro emplacado em um município possa pegar passageiros em outra região metropolitana.

O projeto ficou parado até o fim do ano passado e deve ir à votação na Câmara nesta terça-feira. Durante toda a tramitação da proposta no Senado, taxistas e membros dos serviços de aplicativos estiveram na Casa legislativa para se manifestar sobre o assunto.