O biólogo havia notado que, por conta da quarentena, algumas espécies diferentes tinham aparecido no bairro, mas nunca imaginou encontrar um ícone da Mata Atlântica — Foto: Pedro Cristales/VCnoTG
Um casal vivendo na cidade de São Paulo, uma criança de 11 meses, um período de isolamento social e o contato ocasional com uma ave ameaçada, símbolo da Mata Atlântica. Essa combinação improvável de fatores foi o que possibilitou ao biólogo e observador de natureza Pedro Cristales realizar um sonho: fotografar uma araponga (Procnias nudicollis).
Na quarentena, Pedro e a esposa fizeram um combinado: enquanto um trabalha, o outro cuida do pequeno filho Guilherme. E foi exatamente em seu turno do revezamento, enquanto brincava na varanda com o garoto, que o olhar atento do biólogo notou um pontinho branco em uma árvore muito distante. Pela aparência, a espécie era diferente de outras aves que comumente via por ali.
Enquanto o macho das arapongas é verde e branco a fêmea e os jovens apresentam a plumagem quase completamente esverdeada — Foto: Giulius Césare Teixeira Magina/Acervo Pessoal
“Corri e peguei meu binóculo. Enquanto estava tentando focar com um braço só, pois estava com meu filho no colo, o bicho levantou voo. Parou em uma árvore alta, mais próxima. Consegui focar e entrei em euforia.... uma araponga!”, conta ele. A plumagem branca e a face a garganta em tons esverdeados são características do macho, enquanto isso, a fêmea apresenta uma tonalidade verde por todo o corpo.
Mas as cores não são os principais detalhes dessa espécie. O biólogo especialista em zoologia Giulius Césare Teixeira Magina é coordenador do programa de monitoramento da araponga e define essa particularidade: “A ave é conhecida como ‘ferreiro’ ou ‘ave-sino’ por ter um canto bem peculiar e forte, como uma “martelada” ouvida a quilômetros de distância. Essa vocalização ocorre pelo fato da espécie possuir uma estrutura na região da traqueia, chamada siringe, muito musculosa”, explica o especialista.
Conheça o canto da araponga e confira características da espécie
O canto da ave ecoa nas matas fechadas, mas um flagrante da espécie na área urbana também não é incomum. Encontrá-la na cidade de São Paulo e nas condições que Pedro se deparou com a espécie é um indício do movimento migratório que ela realiza fora da época reprodutiva e dá uma demonstração de que o status de “Vulnerável” na natureza e as ameaças relacionadas à captura ilegal e à destruição de seus habitats a aproxima, cada vez mais, do perímetro urbano.
Mais de 15 machos de arapongas já foram vistos em uma “arena reprodutiva”; no display de intimidação adultos mostram para os competidores que são dominantes no poleiro — Foto: Giulius Césare Teixeira Magina/Acervo Pessoal
O biólogo paulistano vibra com a forma do achado. “Com a ajuda dos bem-te-vis, que a colocaram para correr, ela abandonou o posto e pousou em uma árvore dentro do meu prédio. Como minha esposa estava dormindo e meu filho já estava morrendo de sono, fiz ele dormir torcendo para que a ave ficasse lá. Já havia escutado o ‘martelo de Thor’ por aqui, mas nunca tinha registrado essa espécie aqui no bairro. Agora um sonho se tornou realidade! Viva a natureza, viva os bem-te-vis”, comemora ele fazendo referência ao som emitido pela ave.
O nome científico das arapongas, derivado do latim, faz referência à ave ter um pescoço sem penas, nu — Foto: Pedro Cristales/VCnoTG
Uma foto, muitas informações
Em um registro da araponga, como o feito pelo biólogo Pedro Cristales, muitas informações preciosas podem ser obtidas. Como as aves dessa espécie só atingem essa coloração plena das penas após os três anos, é possível garantir que a ave flagrada é um macho adulto, por exemplo. Pela data e localização sabe-se de uma época de deslocamento da espécie e de quais condições procura em ambientes urbanos, em adição.
Utilizando o trabalho com radiotelemetria na área do PETAR e INTERVALES pesquisadores buscam compreender a biologia das arapongas através da tecnologia — Foto: Giulius Césare Teixeira Magina
É pensando no potencial de registros como esses que pesquisadores incentivam a admiração de vida selvagem pela população. “A união de observadores é de suma importância para a construção de um conhecimento científico sobre a biologia da araponga”, define Giulius. Pedro, que organiza caminhadas guiadas para observação de aves no Parque Ibirapuera, reforça: “um registro que para você não é importante pode ser um dado muito interessante. Creio que cada registro é de extrema importância para um levantamento populacional e suas flutuações ao longo do tempo”.
Conheça ainda mais sobre as arapongas:
Conheça algumas características da araponga, uma ave ícone da Mata Atlântica brasileira — Foto: Arte/TG