BRASÍLIA - Considerada um instrumento essencial para destravar a economia e reduzir custos do setor produtivo, entre outros ganhos, a reforma tributária pode impor perdas bilionárias aos municípios , independentemente da proposta que avançar no Congresso . Segundo estimativa da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o texto em análise no Senado causaria prejuízo de R$ 910 bilhões em 15 anos a todas as cidades do país, ao retirar das prefeituras a autonomia de administração dos próprios impostos.
Enquanto isso, o projeto da Câmara preocupa principalmente grandes capitais, que veriam a receita encolher por causa da mudança da regra que define onde a tributação é feita, passando a beneficiar regiões de menor porte. Só a cidade do Rio teria um corte de R$ 3 bilhões por ano. Em São Paulo, seriam R$ 9 bilhões.
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Enquanto há um consenso de que a simplificação tributária é crucial para garantir a retomada sustentável do crescimento econômico, os municípios fazem um alerta sobre o destino do Imposto Sobre Serviços (ISS), tributo municipal que arrecada R$ 60 bilhões por ano. As duas propostas no Legislativo acabam com o tributo, que seria integrado ao chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), também conhecido como Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Como os textos ainda estão em tramitação, há espaço para que o texto seja aperfeiçoado, para equacionar essas perdas.
A estratégia dos prefeitos é concentrar as sugestões no projeto que está na Câmara. Na terça-feira, representantes se reúnem com parlamentares para sugerir emendas ao projeto. Entre as ideias está a criação de um fundo de equalização, para reduzir o prejuízo de municípios perdedores.
Outra possibilidade é criar um sistema de abatimento da dívida pública municipal, para compensar eventuais perdas. O esforço é evitar que a queda de arrecadação seja compensada com aumento da carga tributária. A melhora da atividade com a simplificação de impostos pode ser uma surpresa positiva ao longo do processo, segundo especialistas.
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No texto do Senado, o ponto crítico é o fim de um imposto de competência municipal. O projeto propõe que o ISS seja unificado ao ICMS estadual. Caberia aos estados arrecadar o tributo e repassar uma parcela fixa aos seus municípios. O problema é que, hoje, o ISS é considerado um imposto mais moderno, com maior capacidade de arrecadação que o ICMS.
Assim, as prefeituras acabariam trocando um tributo melhor por um pior. Dessa diferença, surgiriam as perdas, de acordo com o estudo dos economistas José Roberto Afonso e Kléber Castro, que prepararam dados para a FNP.
Nesse caso, há espaço para negociação, pois o relatório da proposta, apresentado nesta semana pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), separou o processo de unificação de impostos federais da fusão entre ICMS e ISS. O imposto só começaria a valer após um projeto de lei complementar que represente um terço dos estados e municípios.
O texto da Câmara preserva a autonomia dos municípios, mas preocupa por prever a troca de local onde o imposto é recolhido. Hoje, o ISS é cobrado na cidade onde o serviço é prestado. Já o IBS seria pago onde o produto ou serviço for consumido.
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Na prática, isso afetaria cidades de maior porte. Na estimativa da FNP, as cidades com mais de 2,5 milhões de habitantes registrariam perdas de R$ 13,2 bilhões por ano. Municípios com população abaixo de 10 mil pessoas veriam a arrecadação crescer em R$ 2 bilhões.
Na avaliação de Kléber Castro, embora possa indicar uma melhor alocação de recursos, essa redistribuição pode causar distorção na economia. O arranjo poderia fazer com que o dinheiro seja destinado para onde há menos necessidade de gastos públicos.
- O fato de uma cidade grande ser rica em termo de Orçamento se reflete por ela ter uma demanda por recursos muito elevada. São Paulo tem uma demanda por serviços de educação, saúde e transporte fora de comparação com qualquer outra cidade do Brasil — afirma o especialista.
Esse debate está no radar de parlamentares e técnicos, que consideram que a disputa política por mais dinheiro será um ponto importante na discussão da reforma tributária. Autor do estudo que inspirou o projeto em análise pelos deputados, o economista Bernard Appy afirma que será necessário chegar a um acordo para mitigar perdas dos municípios. O tema foi alvo de audiência pública na Câmara semana passada.
— Na questão federativa, o que parece ser hoje o maior problema é a questão dos municípios de maior porte. Isso está claramente no radar do relator na Comissão Especial e provavelmente vai se buscar alguma solução — afirma o economista.
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Appy pondera, no entanto, que a exclusão do ISS da reforma não seria a solução ideal. O economista defende que qualquer simulação leve em conta os efeitos positivos que uma simplificação tributária traria, inclusive aumento da arrecadação.
— Não faz sentido discutir um IVA com base restrita. Entendemos a preocupação, isso tem que ser considerado pela Comissão Especial, mas manter o ISS, para mim, do ponto de vista técnico, não é uma opção. Descaracterizaria completamente o objetivo da PEC.
Simplificação tributária
Na avaliação do advogado tributarista Heleno Torres, professor da USP, os municípios têm mais a perder do que a ganhar com as propostas apresentadas até agora.
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— Os municípios precisam ficar muito atentos sobre os efeitos das propostas. Eles podem estar numa rota equivocada, pois os estados estão loucos para tributar serviços — diz o especialista, que teme aumento na sonegação, já que as cidades onde os serviços são prestados perderiam capacidade de controlar a cobrança.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou nesta quinta-feira que a reforma tributária é necessária para simplificar a cobrança de impostos. Ele voltou a defender que Senado, Câmara e governo cheguem a um consenso sobre um único projeto.
— É para ser uma reforma para simplificar a vida dos empreendedores brasileiros. Quem falar que a reforma tributária vai reduzir imposto está faltando com a verdade. A gente precisa simplificar, porque vai ser a mola propulsora para novos investimentos — disse Alcolumbre no seminário “E agora, Brasil?”, organizado pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC).