Pouco falada na universidade, prevenção ao suicídio vira tema de dois cursos de pós-graduação no Brasil

Cursos de especialização são voltados a graduados da área da saúde e outros profissionais que atuam na atenção a pessoas enlutadas, com ansiedade, depressão ou tendências autodestrutivas.

Por Ana Carolina Moreno, G1


Na tentativa de ampliar a rede de promoção de saúde mental da população brasileira, duas das maiores especialistas em suicidologia do país lançaram, neste ano, cursos de pós-graduação em prevenção ao suicídio. Só no ano passado, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública lançado em setembro, 11.314 pessoas de todas as idades tiraram a própria vida no Brasil – a taxa de suicídio por 100 mil habitantes avanço de 5,2 para 5,4 entre 2017 e 2018.

Pensando em capacitar profissionais da área da saúde, mas também os que atuam na assistência social, na segurança pública e na educação, Karina Okajima Fukumitsu elaborou o programa do curso de pós-graduação em "Suicidologia: Prevenção e Posvenção, Processos Autodestrutivos e Luto" pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

Já Karen Scavacini é uma das coordenadoras do curso de especialização em "Intervenção na Automutilação, Prevenção e Posvenção do Suicídio", pela Faculdade Paulista de Serviço Social de São Caetano do Sul (FAPPS).

Aumento das taxas de suicídio, principalmente entre os jovens, preocupa especialistas — Foto: Frédéric Cirou/AltoPress/PhotoAlto/AFP/Arquivo

Ausência de preparo na graduação

"Lançamos um curso de especialização por entender que temos carência muito grande de pessoas especializadas no assunto", explicou Karen ao G1. "Muitas faculdades não têm nenhuma disciplina de prevenção ao suicídio, e estou falando inclusive da psicologia."

Segundo ela, a especialização com certificado da FAPPS tem 90 alunos na primeira turma, que começou em maio e oferece aulas presenciais ou a distância, na modalidade EAD.

"A gente fez EAD pensando que, num país desse tamanho, as pessoas teriam dificuldade de chegar em São Paulo para fazer esse curso, e seria uma forma de conseguir que todas as pessoas tenham acesso", disse ela, que incluiu a participação de especialistas estrangeiros no quadro docente.

No caso da pós-graduação da USCS, Karina explica que a opção por manter as aulas exclusivamente presenciais foi motivada pelo tema do curso. "Para lidar com o sofrimento humano é necessário o tête-a-tête para que o acolhimento seja ação principal. Cursos EAD sobre processos destrutivos não ofertam o calor humano necessário para o acolhimento", avaliou ela.

A primeira turma da pós foi fechada com 73 alunos de vários estados, como Roraima, Amazonas e Rio Grande do Sul, e as aulas tiveram início em setembro. Segundo a especialista, uma segunda turma já está "praticamente fechada" devido à alta procura. Além de psicólogos e psicopedagogos, os cursos são frequentados por profissionais formados em psiquiatria, enfermagem, jornalismo, história e educadores – diretores de escolas, por exemplo, também estão buscando formação para o acolhimento aos estudantes com ansiedade, depressão ou comportamentos autodestrutivos. O requisito para se inscrever é ter um diploma de graduação em qualquer área.

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Ações para ampliar a promoção da saúde mental

Além das aulas e do atendimento clínico a pacientes, as duas psicólogas já atuam como palestrantes, conferencistas e consultoras quando o assunto é suicídio. Karen Scavacini é um dos nomes por trás de iniciativas como o 'Eu estou', lançada pelo Facebook em setembro de 2018.

Karina Fukumitsu participou neste ano da elaboração da "Campanha nacional de prevenção ao suicídio e à automutilação de crianças, adolescentes e jovens", do governo federal, batizada de "Acolha a Vida".

Com o curso, elas dizem esperar que mais pessoas se tornem especialistas no assunto, para ampliar o atendimento a uma demanda crescente, segundo as estatísticas.

"Espera que dessa primeira turma, que está com 90 alunos, a gente tenha vários profissionais que realmente trabalhem nessa área", disse Karen.

Para Karina, além da formação, um dos benefícios da criação de cursos desse tipo é "ter um lugar para se discutir sobre isso". Segundo ela, é importante falar sobre esses processos destrutivos e sobre morte. "Apesar do estigma, constatamos que o assunto está cada vez mais presente na vida seja pela experiência direta, seja pelo significativo aumento de casos de homicídios, suicídios, de atos de violência e de auto-agressão, sobretudo em jovens brasileiros."

Prevenção e posvenção

As duas especialistas também trabalham conceitos que ainda são poucos conhecidos, como a posvenção do suicídio. Elas defendem que, além de atender a pessoas em risco de suicídio, é preciso oferecer cuidados aos chamados "sobreviventes enlutados", que são as pessoas próximos a alguém que tirou a própria vida.

Esse grupo populacional, se não receber tratamento adequado do que Karina chama de "acolhimento do luto", também corre riscos de desenvolver comportamentos autodestrutivos.

Cursos de formação e capacitação, porém, são apenas uma das ações ainda em falta no Brasil. Karen ressalta, por exemplo, a necessidade de o Brasil tirar do papel uma política nacional de prevenção ao suicídio, além de expandir a rede de atenção à saúde mental.

"No Brasil a gente tem muito o que fazer. As pessoas não têm acesso à saúde mental, não temos número de Caps [Centro de Atenção Psicossocial] suficientes. As pessoas às vezes passam meses esperando consulta com psicólogo e psiquiatra, e a gente sabe que esse tipo de atendimento é fundamental", defende Karen.