Rio

Dois sucos e a conta com Anderson Quack

Diretor fala do filme ‘Remoção’ e conta como superou, com bom humor, uma vida de adversidades; coluna é publicada aos domingos na Revista O GLOBO
Anderson Quack: 'A depressão atinge a maioria dos favelados' Foto: Mauro Ventura / O Globo
Anderson Quack: 'A depressão atinge a maioria dos favelados' Foto: Mauro Ventura / O Globo

Anderson Luiz Alves de Oliveira ganhou o apelido de Anderson Quack por causa do Pato Quack, do desenho “A corrida espacial do Zé Colméia”. “Eu tinha língua presa. Fiz oito anos de fono.” Aos 36 anos, nascido e criado na Cidade de Deus, amigo de infância de MV Bill, ele fez de tudo um pouco, até se firmar como diretor de teatro, de comerciais, de TV e de cinema. Seu livro “No olho do furacão” (Aeroplano, 2010) tem prefácio de Cacá Diegues, que diz: “Quack sempre fez a coisa certa.” Na biografia, ele conta passagens como a convivência com artistas e intelectuais, e as duras da polícia. “Sou o último tom de preto”, diz, com bom humor. Em 2013, Quack substituiu Celso Athayde como secretário-geral da Central Única das Favelas (Cufa), polo cultural, social e esportivo, que produz o prêmio Anu. Junto com Luiz Antonio Pilar, dirigiu o longa “Remoção”, que passa dias 3, 6 e 10 no Cinema Nosso, na Lapa (R$ 4, com debate na sexta). “Remoção” vai virar livro. “Tenho mais de 90 horas de entrevistas”. Ele está escrevendo ainda o primeiro romance, sobre quatro amigos de infância que se afastam quando um se assume homossexual. E dirige os programas “O bagulho é doido” (com MV Bill, no Canal Brasil) e “Aglomerado” (TV Brasil).

REVISTA O GLOBO: Até boy em centro de macumba você já foi, não?

ANDERSON QUACK: Sim, aos 13 anos. Comprava tigela de barro, contas para fazer guias, velas de sete dias, limpava o chão e o banheiro. Antes de ser boy de macumba, vendia picolé aos 9 anos, até que um dia cobrei mais barato e os outros vendedores quebraram meu isopor. Trabalhei em posto, lavando carro e calibrando pneu, e na praia, numa barraca. Fiz serviço militar e fiquei quatro anos na Aeronáutica. Depois fundei com meu primo-irmão Torquato o primeiro serviço de mototáxi da CDD ( Cidade de Deus ). Daí fui ser funcionário da PUC. Comecei como guardador no estacionamento, passei a cuidar da copiadora, virei contínuo, auxiliar técnico e técnico. Fazia as aulas como ouvinte.

Como você entrou no meio artístico?

Quando vi uma peça do Raiz da Liberdade, primeiro grupo de teatro da CDD, foi paixão à primeira vista. Fui fazer curso com Guida Vianna e Sady Bianchin, depois fundei minha Cia. de Teatro Tumulto. O cinema veio pelos cursos de fotografia, roteiro, direção e produção na PUC e na escola Darcy Ribeiro. Virei coordenador do audiovisual da Cufa e diretor de TV. Por quatro anos fui diretor-geral de “Espelho”, do Lázaro Ramos. Saí para me dedicar a outros projetos, mas Lázaro diz que continuo ligado afetivamente. Tanto que vou às reuniões de pauta.

E o filme sobre as remoções de favelas da Zona Sul para conjuntos da Zona Oeste nos anos 60 e 70, eleito pelo júri popular o melhor do último Festival Internacional de Cinema de Arquivo (Recine)?

A ideia veio do meu histórico pessoal. A família de meu pai foi removida do Morro Macedo Sobrinho, em Botafogo, para a Cidade de Deus. A da minha mãe veio das favelas da Praia do Pinto, Catacumba e Ilha das Dragas. Mas no documentário não quisemos tomar partido, dizer se foi bom ou ruim. Tanto que uma das primeiras pessoas entrevistadas foi meu pai, totalmente a favor da remoção. Para ele houve uma melhora na qualidade de vida. Sou contra a remoção e sobretudo a forma como foi feita, mas acho algumas inevitáveis: quando há risco de vida para os moradores e no caso de desenvolvimento da cidade, com a construção do metrô, de linhas ( Amarela, Vermelha etc. ).

Você é descrito como uma pessoa bem-humorada...

Sempre encarei a vida com bom humor, mesmo tendo vivido 90% dela na adversidade, sem intervalo comercial. ( Risos ) A depressão atinge a maioria dos favelados. Bem novinho você já vê morto no caminho. Mas nunca fui de reclamar, nem me deixar contaminar pelo derrotismo. A CDD para mim é um lugar mágico. Com minha mãe aprendi a não ter vergonha de onde vim ou de quem sou, porque ela sempre disse o quanto eu e minha irmã éramos importantes para ela e o quanto éramos bonitos. Priorizava o estudo. Se soubesse que a gente teria duas horas livres na semana bem seria capaz de me botar no crochê, para não ficar ocioso na CDD. Tinha muito medo de que a gente desse para a coisa errada. Me arrumou curso de datilografia, serralheria, bombeiro hidráulico, eletricista. Fiz, mas nada disso me apaixonava. E eu não saio de casa se não acreditar no que estou fazendo.