• Marcelo Moura
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Rosie Hawkins, chefe global e diretora do departamento de inovação e insights da Kantar, em visita ao Brasil (Foto: Divulgação)

Rosie Hawkins, chefe global e diretora do departamento de inovação e insights da Kantar, em visita ao Brasil (Foto: Divulgação)

O cantor Sting estava falando de um maníaco quando fez a música Every Breath you Take, em 1983, e os versos “a cada movimento seu, a cada passo seu, eu estarei olhando”. Passados 30 anos, esse comportamento se tornou padrão na indústria. Dados cadastrais, redes sociais e rastreamento na internet permitem às empresas saber quase tudo que uma pessoa faz — ou, até, o que está prestes a fazer. Bem usadas, essas informações são uma poderosa ferramenta para oferecer o produto certo na hora certa. Mal usadas, fazem a empresa parecer uma invasora inconveniente. Rosie Hawkins, chefe global e diretora do departamento de inovação e insights da Kantar — grupo de pesquisas de mercado presente em 100 países, dono de empresas como a Ibope Media — diz como seduzir sem assustar.

Como tornar a propaganda precisa, personalizada, sem parecer um stalker?
Pessoas, de qualquer idade e qualquer mercado, sentem-se confortáveis em dar algumas informações pessoais, desde que recebam algo em troca. Algum valor, algo que enriqueça a vida de alguma forma. Mas precisa parecer uma troca justa. Parte do problema atual é que as pessoas estão se tornando mais atentas a como os dados podem estar sendo usados. Sentem-se desconfortáveis. Grande parte da sensação de ser espionado vem de um direcionamento preguiçoso de marketing.

Como é esse “direcionamento preguiçoso”?
Comprar um produto pela internet ou visitar o site da empresa não significa querer ser assediado por aquela marca em cada janela que você abre. Um anúncio pipocar no email corporativo ou no computador do escritório pode ser muito intrusivo, se foi uma compra íntima. Ou pode ser inútil, se você já comprou e não quer ser lembrado de novo e de novo — ou se comprou para outra pessoa e aquilo não tem nada a ver contigo. Fica clara a obviedade da estratégia de marketing. Abordagens de sucesso acrescentam algo na vida do consumidor.

Quais iniciativas dão errado?
Dá errado quando é muito óbvio. Quando você consegue enxergar como seus dados foram encontrados e como dispararam o envio de certos anúncios. Assim, a mágica se perde. Não é apenas uma questão de se adaptar às novas leis de privacidade, mais restritivas. Entender o seu público é parte do processo.

Conte para mim alguns casos de abordagem bem-vinda.
Há exemplos amáveis de marcas como Nike, Starbucks e Hotéis Hilton, que têm lançado aplicativos. Tornam a vida mais fácil, como o app do hotel, ou enriquecem a prática esportiva, no caso da Nike. Você não liga se alguns dados pessoais serão usados.

Parece claro, quando se é a Nike, a Starbucks. Mas e se eu não tiver uma marca global? Como percebo que meu público quer algo e minha empresa é capaz de oferecer, sem parecer intrusivo?
É o caso de se perguntar o motivo de entrar em contato com aquelas pessoas. Vou dar outro exemplo de grande empresa, mas você vai ver que a importância não está no tamanho dela. É da Johnson&Johnson, acho que na Ásia. Ao olhar as buscas na internet, eles perceberam que às 3 da manhã há um pico de interesse por dicas para fazer bebês dormirem. Geralmente, buscas são de mães usando iPad. Elas estão com seus filhos e se sentem sozinhas e ansiosas, no meio da madrugada. A empresa decidiu produzir conteúdos sem relação direta com a marca e sem propaganda. Criaram vídeos curtos para iPad que são reconfortantes e fazem a pessoa se sentir menos sozinha. A marca Johnson&Johnson está lá, mas de uma maneira bem discreta. E, claro, fizeram um app que ajuda o bebê a dormir. O app recomenda produtos da marca, mas a prestação de serviço vem em primeiro lugar. Não precisa ser uma empresa grande. No mundo da microinfluência, não é necessário ter milhões de seguidores para ter influência.

Você pode me dar um exemplo de microinfluência e microaudiência?
Você não precisa ser uma Kardashian, com milhões de fãs, para ter uma audiência fiel. A indústria do turismo tem muito disso, atualmente. Eu moro em Notting Hill, em Londres. Há um número enorme de instagrammers dedicados a clicar o bairro, em troca de pequenas recompensas de hotéis e restaurantes locais. Eles estão trabalhando com microinfluência.

Quanto investimento e atenção eu devo dedicar a essas iniciativas laterais? Que expectativas de retorno devo alimentar?
Um monte (risos).

Quanto é um monte?
O valor de mercado da Amazon cresceu mais de 2.000% em uma década e dobrou nos últimos três anos, mas em vários setores o crescimento é muito pequeno ou mesmo nenhum. A forma que muitas empresas trabalham não vai garantir grandes saltos, por elas buscarem avanços apenas incrementais. É uma estratégia de preço que a concorrência consegue igualar no dia seguinte, é uma campanha publicitária mais ou menos igual às outras... Para se diferenciar dos concorrentes, é preciso fazer algo para enriquecer a vida dos clientes. Ao adotar um pensamento inovador, qualquer que seja o ramo de atuação, é possível dar um salto.

Você é formada em Artes pela Universidade de Leeds, na Inglaterra. Como a vida lhe trouxe até aqui? Era esse o seu plano?
Não (risos). Eu sempre viajei e me mudei bastante durante a infância. Eu sou inglesa, mas nasci na Espanha e morei no México. Minhas primeiras lembranças são mexicanas. Isso torna você uma pessoa curiosa a respeito do mundo. Achei essa profissão mais por sorte do que por planejamento. Eu me encontrei numa carreira dedicada à curiosidade, a entender por que as pessoas fazem o que fazem, compreender por que as marcas fazem o que fazem e tentar ajudar a atender melhor às necessidades das pessoas. O trabalho me leva a viajar pelo mundo, alimentando a minha paixão  e isso literalmente me trouxe até São Paulo.