Política Lava-Jato

Peritos da PF avaliam que delegado fez 'interpretação equivocada' sobre autenticidade de diálogos da Lava-Jato

Ofício do delegado Felipe Leal, feito com base em laudo da perícia, apontou que autenticidade das conversas não podia ser comprovada
Walter Delgatti Neto, preso pela PF, utilizou as contas bancárias do amigo, Danilo Marques Foto: Daniel Marenco/Agência O Globo
Walter Delgatti Neto, preso pela PF, utilizou as contas bancárias do amigo, Danilo Marques Foto: Daniel Marenco/Agência O Globo

BRASÍLIA - Peritos da Polícia Federal avaliaram que o delegado Felipe Leal, ex-chefe do setor de inquéritos contra políticos, fez uma "interpretação equivocada" a respeito do laudo pericial que analisou a autenticidade dos diálogos dos procuradores da Lava-Jato obtidos por meio de um ataque hacker.

Em um ofício enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana, o delegado escreveu, com base no laudo da perícia, que não era possível "presumir" a autenticidade dos diálogos porque o hacker "agiu com o dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados". O ofício afirma também que os arquivos dos diálogos dos procuradores não possuíam assinatura digital ou mecanismos que permitissem identificar edições, o que impediria verificar se os diálogos eram verdadeiros.

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Esse ofício foi produzido pelo delegado a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) dentro do inquérito aberto pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins que tinha objetivo de investigar os procuradores da Lava-Jato pelos diálogos, com base nesse material. O delegado, entretanto, deixou claro no ofício que os diálogos tinham origem ilícita e não poderiam ser usados como prova, sob risco de ser cometido crime de abuso de autoridade.

O diretor-geral da PF Paulo Maiurino tirou Felipe Leal do comando do Serviço de Inquéritos (Sinq) na quarta-feira, após o documento ter vindo à tona. Delegados atribuíram a saída de Felipe ao ofício. A cúpula do órgão, entretanto, afirma que a mudança já estava prevista devido à troca de gestão. O material foi apreendido pela PF após a prisão do hacker Walter Delgatti Neto na Operação Spoofing. Ele admitiu ter sido responsável pela invasão do aplicativo Telegram de dezenas de autoridades públicas.

Entretanto, o ofício do delegado Felipe Leal também provocou mal-estar dentro da perícia da PF. Nos bastidores, os peritos sustentam que não afirmaram que os diálogos são verdadeiros, mas também nunca escreveram que são falsos. Apenas disseram que a análise técnica não tinha condições de apontar nenhum dos dois fatos. A avaliação deles é que a interpretação feita pelo delegado "extrapolou" o laudo técnico da perícia.

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Diante da repercussão do caso, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) até divulgou uma nota pública a respeito do assunto. "Em nenhum momento o laudo de perícia criminal federal (informática) nº 640/2021 - INC/DITEC/PF afirma que os dados contidos no material apreendido não são autênticos. O que o documento informa é não ter sido possível atestar a integridade ou autenticidade", diz trecho da nota, assinada pelo presidente da ACPF, Marcos Camargo.

Os peritos avaliam que existiam técnicas possíveis de serem feitas para verificar, por exemplo, a autenticidade de arquivos de aúdios, vídeos e documentos que faziam parte dos diálogos entre os procuradores. Dizem ainda, nos bastidores, que o delegado poderia ter solicitado análises complementares a respeito de algum ponto específico, o que permitiria aprofundar a verificação da autenticidade de determinados arquivos, ou buscar a fonte original dos arquivos.

Na quarta, o ministro do STF Ricardo Lewandowski pediu acesso às perícias produzidas sobre esse material para poder analisar a utilização dos diálogos como prova pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.