Por Thais Matos, G1


70 anos da TV no Brasil — Foto: TV Globo

A televisão comemora 70 anos nesta sexta-feira (18). Para relembrar momentos marcantes, o G1 convidou especialistas em jornalismo e TV para eleger o pódio de programas, novelas, séries e coberturas jornalísticas.

Novela

Beatriz Segall como Odete Roitman em 'Vale Tudo', personagem que a consagrou — Foto: Acervo TV Globo

Para a professora Esther Império Hamburger, da Universidade de São Paulo, é impossível escolher a melhor novela da televisão. Mas algumas candidatas se destacam. “Beto Rockfeller”, sucesso da TV Tupi em 1968, é a primeira delas porque levou dinamismo e frescor para o formato.

“Trouxe tempo contemporâneo, gravação em locação na cidade, diálogos coloquiais, experimentação de linguagem, roteiros originais não baseados em adaptações literárias”, explica.

Para muitos especialistas, a novela com Luiz Gustavo e Débora Duarte foi considerada um divisor de águas para a dramaturgia porque abandonou o melodrama e o engessamento característicos até então e incorporou o jeitinho brasileiro. “Se misturou comédia, melodrama, suspense, sempre mantendo um elemento de crítica de costumes, uma liberalização de costumes, alusões a modas, ansiedades do mundo”, diz a professora.

Para ela, as melhores novelas foram as que souberam incorporar e atualizar esses elementos. “Gosto de repertório que polariza porque provoca debate, sintoniza alguma ansiedade e polemiza. As pessoas passam a exercitar suas diferenças e convergências via discussão sobre conflitos do folhetim”, explica.

Para ela, a lista se completa com “Guerra dos Sexos”, “Roque Santeiro”, “Vale Tudo”, “Avenida Brasil”, “Pantanal” e “O Rebu”.

BBB

Thelma, do 'BBB 20', Ana Paula, do 'BBB 16', e Jean Wyllys e Grazi Massafera, do 'BBB 5' — Foto: Globo

O Big Brother Brasil surgiu em 2002, mas foi em 2005 que ele atingiu o auge e entregou ao público a melhor edição em suas duas décadas, segundo o professor Bruno Dieguez, da PUC-Rio, especialista no reality.

Para ele, foi nesta edição que o programa se consolidou e mostrou ser capaz de representar socialmente o Brasil. O programa adotou elementos que dão certo, como a disputa entre os mocinhos e os vilões, romances e personagens carismáticos. A presença de Jean Wyllys colocou os debates sobre homossexualidade dentro das casas brasileiras e a vitória do participante foi um marco para a representatividade LGBTQ, que ainda não tinha tanta força quanto tem agora, avalia.

Alguns fatores contribuíram para a força da edição: após quatro anos, o público já estava acostumado com o formato e a dinâmica de um reality show, havia se moldado à rotina semanal do programa e estava ávido por acompanhar as escolhas e as brigas de um grupo de anônimos monitorados.

Em segundo lugar, para Dieguez, está a edição de 2016. Depois de perder audiência na TV, o reality buscou a internet, intensificou a comunicação nas redes sociais e ganhou um público jovem que não costumava acompanhá-lo. A presença de Ana Paula, que virou meme e ícone na internet, teve grande impacto nessa virada.

2016 lançou as bases para a mudança crescente no programa até a edição de 2020, que trouxe influenciadores para a casa, quebrou recordes de votações, atingiu picos de audiência e foi companhia para o país trancado em meio à pandemia de Covid-19.

A vitória da Thelma e as discussões raciais em torno da participação de Babu mostraram que o que começou em 2005, com o Jean, só ganhou força 15 anos depois e que o "Big Brother" é a síntese do Brasil e capaz de oferecer muito mais do que entretenimento, avalia.

Série

'A muralha', 'Armação limitada' e 'Mulher' — Foto: Divulgação

Há quem diga que série é coisa da TV de fora ou do streaming, mas o formato está presente na televisão desde seus primeiros anos. Para a editora-executiva da TV PUC-Rio, Carmem Petit, há três delas que marcaram o formato. A primeira é “A muralha", exibida no início dos anos 2000. “A obra tinha uma produção bem cuidada, cenas de batalhas que não se via na TV até então e uma atuação memorável de Tarcísio Meira como dom Jerônimo”, diz.

No pódio, também está "Armação ilimitada", exibida no fim da ditadura militar. “Era esteticamente ousada e tratava de temas tabus com uma naturalidade desconcertante”, explica.

Para completar, ela elege "Mulher", que foi ao ar no final dos anos 1990 protagonizada por Eva Wilma e Patrícia Pillar. "O roteiro era muito bem amarrado, com atuações sensíveis, e esteticamente inspirado no cinema. Foi o grande produto nacional brasileiro de entretenimento daquele período de transição para o vídeo de alta definição."

Sitcom

'Os normais', 'Sai de baixo' e 'O sistema' — Foto: Globo

Para Petit, as melhores sitcoms foram as que souberam unir humor e sagacidade. Ela elege "Os normais" como a mais bem-sucedida nesse aspecto. Para a diretora, o texto de Alexandre Machado e Fernanda Young era cheio de humor inteligente e diálogos rápidos e precisos.

"Também explorava a cumplicidade dos personagens com o público, quando o Rui e Vani falavam diretamente para a câmera. Tornou-se uma referência pelo modo como explorava o caráter absurdo de situações banais do cotidiano de um casal", explica.

"Sai de baixo" vem em segundo, na avaliação de Petit, porque foi gravada em um palco de teatro, com interação e incorporação dos próprios erros.

Ela também destaca "O Sistema", que não era uma sitcom, mas tinha material para inspirar uma nos dias de hoje: "Infelizmente, teve apenas seis episódios. O programa tinha um ar retrô, elementos teatrais de improvisação e traduzia bem uma certa incompreensão e incredulidade de um mundo onde somos constantemente vigiados e prisioneiros de um 'sistema'".

Coberturas do Jornal Nacional

Com mais de 55 anos de história e um mundo que viu conflitos, destituições e desastres naturais, é difícil escolher o momento mais marcante do "Jornal Nacional", avalia o professor de Telejornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, Wesley Carlo Fernandes Elago. Para ele, três momentos merecem destaque: a morte de Tancredo Neves, em 1985; a queda do Muro de Berlin, em 1989; e o impeachment de Fernando Collor de Melo, em 1992, pela audiência e impacto.

Já entre as melhores coberturas, segundo o professor aposentado da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), Pedro Celso Campos, estão a retomada do Complexo do Alemão, pela qual o jornal ganhou o Prêmio Emmy Internacional na categoria Jornalismo em 2011; os atentados de 11 de setembro nos EUA, quando "a emissora compreendeu a angústia das pessoas e atendeu a demanda da audiência, alterando toda a sua grade de programação"; e as “Caravanas JN”, entre julho e outubro de 2006. Segundo o professor, elas souberam "registrar os anseios da sociedade durante as eleições" e fazer com que o público se sentisse representado.

Programa de auditório

'Amor e sexo', 'Central da periferia' e programa da Hebe — Foto: Divulgação

Os programas de auditório tiveram centenas de momentos que marcaram a televisão. O professor da Universidade Federal de Pernambuco, Diego Gouveia, elegeu três liderados por mulheres como os mais impactantes socialmente.

Para ele, é da Hebe, pioneira da televisão, o momento de maior destaque do formato. “O episódio mais clássico dos programas de auditório foi a entrevista de Hebe Camargo com Roberta Close. Em um momento de intenso monitoramento por parte do censores, a apresentadora defendeu direitos do movimento LGBTQ com coragem. Esse episódio marcou a história do formato”, explica.

Entre os destaques contemporâneos, o professor classifica o episódio de “Amor & Sexo” exibido 6 de novembro de 2018, quando Fernanda Lima fez um discurso feminista.

"Chamam de louca a mulher que desafia as regras e não se conforma. Chamam de louca a mulher cheia de erotismo, vida e tesão. Chamam de louca a mulher que resiste. Chamam de louca a mulher que diz sim e que diz não. Não importa o que façamos, nos chamam de louca. Se levamos a fama, vamos sim deitar na cama, vamos sabotar as engrenagens deste sistema de opressão. Vamos sabotar as engrenagens desse sistema homofóbico, racista, patriarcal, machista e misógino. Vamos jogar na fogueira as camisas de força da submissão, da tirania e da repressão. Vamos libertar todas nós! E todos vocês! Nossa luta está apenas começando, prepare-se porque esta revolução não tem volta. Vamos sabotar tudo isso?", diz apresentadora.

Para o professor, esse programa foi importante devido ao momento político e social do país, quando os "discursos de ódio ganhavam força e a tentativa de enfraquecer os debates sobre gênero aumentava".

Por fim, ele destaca a "Central da Periferia" com Regina Casé, em 2006. Em sua avaliação, ele foi pioneiro ao colocar a periferia como protagonista de um programa de televisão, com seu palco no meio das ruas e do público. "Contribui para romper com uma ordem discursiva sobre as periferias brasileiras e acompanha uma série de produções na emissora que lançam um olhar menos 'exotificante' sobre as comunidades", diz.

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