Por Gabriel Barreira, G1 Rio


RJ, 28/04/2020 Estátua de Carlos Drummond de Andrade recebe máscara em Copacabana, Zona Sul do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/G1

A cidade do Rio de Janeiro passou na quarta-feira (8) a marca de 10 mil mortes causadas pelo novo coronavírus, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES). Na proporção por habitantes, a capital fluminense tem 148,5 óbitos a cada 100 mil pessoas -- se fosse um país, o Rio teria o pior índice do mundo.

Especialistas afirmam que comparações que consideram a população são importantes para estudar a evolução e a distribuição da doença, mas que, durante a pandemia, vários fatores precisam ser levados em conta ao fazer tal cálculo, como o estágio da doença, o tamanho e o perfil etário da população, o nível de testagem, entre outros (veja ao fim da reportagem).

A Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, compila os dados da doença nos países e indica quantas pessoas morreram de Covid-19 a cada 100 mil habitantes. Nesta conta, San Marino é o país com maior número: 124,32 -- ou seja, menos que o Rio.

O número é bem mais alto do que Itália (58,85), que chegou a não ter locais para enterrar seus mortos, e a Espanha (63,34), por exemplo (veja a tabela abaixo).

Rio tem alta proporção de mortes por coronavírus: se fosse um país, lideraria ranking — Foto: Editoria de Arte/G1

"A gente já tinha visto que a mortalidade no município do Rio de Janeiro era uma das maiores do país e uma das maiores do mundo. Esse cálculo confirma isso. É um dado concreto que precisa ser avaliado", diz o infectologista Roberto Medronho, coordenador do Grupo de Trabalho Coronavírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A população da cidade do Rio em 2020, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 6,7 milhões.

Próximo dos 10,7 milhões de suecos (57 mortes/100 mil hab.), segundo o Banco Mundial, e três vezes menor do que a população chilena, de 18,7 milhões de pessoas (62 mortes/100 mil hab.). A Itália, o 12º no ranking, tem 60 milhões de habitantes -- quase dez vezes mais do que o Rio -- e uma taxa de mortalidade de 58 a cada 100 mil habitantes.

Rio à frente de cidades com mais mortes

A proporção de mortes por 100 mil habitantes do Rio também é a maior se comparada com as cinco cidades brasileiras que têm mais mortos por coronavírus em números absolutos (veja no gráfico abaixo).

São Paulo lidera o número de mortes (11.740), mas é a quarta se considerada a população de mais de 12 milhões de habitantes. Fortaleza tem 3.807 óbitos, mas fica à frente dos paulistas por ter cerca de 2,6 milhões de residentes.

Mortes por 100 mil habitantes

Cidade Mortes Mortes por 100 mil
Rio de Janeiro 10.027 148,5
Fortaleza 3.807 141,7
Manaus 2.411 108,6
São Paulo 11.740 95,25
Brasília 2.813 92
Salvador 2,473 85,6

Edimilson Migowiski, doutor em infectologia pela UFRJ, afirma que os números mostram a gravidade da pandemia na capital fluminense.

"Nas mortes por 100 mil habitantes, você consegue parametrizar uma cidade com a outra. O número por mortes absolutas (total de mortes numa cidade ou país) não é uma análise isenta. Você tem que realmente fazer a proporcionalidade", opina.

Atenção básica seria antídoto, dizem especialistas

O infectologista Roberto Medronho afirma que a geografia urbana da cidade, com aglomerações em favelas, por exemplo, acaba contribuindo para a alta dos números. Entretanto, ele diz que medidas públicas poderiam ter evitado a catástrofe.

Os dois especialistas ouvidos pelo G1 concordam que a desarticulação da atenção básica nos programas de atenção à família também contribuíram para o número de mortes.

"Se você tem uma equipe atuando com conhecimento da vulnerabilidade das famílias que estão sob sua proteção, você evita que as pessoas adoeçam. Isso foi muito ruim para a Saúde, especialmente neste momento", diz Medronho.

Para Migowiski, o recorde de mortes pode ainda ajudar a explicar a estabilização na curva de crescimento de novos casos de coronavírus, atualmente.

A hipótese é uma suposta contaminação em massa, segundo ele, a partir da chegada da pandemia à capital fluminense. A falta de testagem em massa diminuiria o tamanho real da crise.

"A minha estimativa pro número de casos do Rio de Janeiro é bem superior à que se fala. Se a gente considerar os doadores de sangue do Hemorio, há quase dois meses, houve uma prevalência de 30%. Isso dois meses atrás. Esse número de prevalência na população deve ser muito maior."

O que deu errado?

Medronho enumera o que considera que tenha contribuído para o número elevado de óbitos:

Cálculo proporcional à população

Epidemiologistas afirmam que, ao fazer simplesmente uma taxa por milhão de habitantes e comparar países, são deixadas de lado informações importantes como: o estágio da pandemia, o tamanho da população, a densidade demográfica, o perfil etário, o nível de testagem, entre outras.

O Brasil, por exemplo, estava na trigésima terceira posição em número por 100 mil habitantes em maio. Em junho, pulou para décimo sétimo; em agosto, para décimo primeiro; e agora está em décimo.

Isso se explica, em parte, porque a doença já está sob controle em boa parte dos países da lista. Não é o caso do Brasil, cuja média móvel começou a dar sinais de estabilidade somente agora em setembro.

O caso de San Marino na liderança do ranking, com 30 mil habitantes, pode ser considerada uma distorção, segundo esses especialistas, já que teve apenas 42 mortes entre os 30 mil habitante

Um dos principais problemas na comparação é o estágio da pandemia em cada um dos países, afirmam os especialistas. Hallal explica que não se pode comparar a taxa de mortes de coronavírus por milhão quando se desconsidera os estágios da doença.

“Quando as autoridades brasileiras divulgam que o Brasil não é um dos primeiros em um ranking de mortes por milhão, elas estão, na verdade, esquecendo que a pandemia chegou aqui mais de um mês depois da Ásia e da Europa. Nossos casos são altíssimos para nosso estágio da pandemia”, afirma o reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal.

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