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Cultura

Novo presidente da Biblioteca Nacional: 'Olavo de Carvalho nos ajuda a pensar com liberdade'

O filósofo santista Rafael Nogueira diz querer trazer à instituição sua personalidade de docente
Rafael Nogueira, novo presidente da Biblioteca Nacional: sem aulas a Eduardo Bolsonaro Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Rafael Nogueira, novo presidente da Biblioteca Nacional: sem aulas a Eduardo Bolsonaro Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

RIO — Anunciado como o novo presidente da Biblioteca Nacional em 28 de novembro, substituindo Helena Severo, o professor de filosofia Rafael Nogueira, de 36 anos, enfrentou a resistência de acadêmicos e de parte dos servidores da casa a sua nomeação — bandeiras de luto e uma faixa com a inscrição “BN resiste” estão presas à fachada do prédio. Natural de Santos e identificado com o ideólogo de direita Olavo de Carvalho e a monarquia, Nogueira diz querer democratizar e trazer sua personalidade de docente à instituição, além de fortalecer a equipe, inclusive por meio de concurso público.

Quais os planos para a Biblioteca Nacional?

Quero trazer minha personalidade de professor, retirar esse ar de uma instituição distante, assombrosa. Trazer as pessoas para os livros. Trabalho com isso há anos, ensinando a ler os clássicos melhor, ou sobre a história dos autores. Um passo pode ser revitalizar a Casa da Leitura ( em Laranjeiras ), originalmente um espaço infanto-juvenil mas que pode se expandir para adultos ou até para quem tem alta formação. Penso também em um concurso e um plano de carreira, para não perdermos a experiência de quem se aposentam ou sai para outros órgãos.

Como se deu o convite do secretário de Cultura Roberto Alvim? Já o conhecia?

Nos conhecemos só recentemente. Ele fez o convite ao ver meus vídeos, me disse que minha personalidade poderia fazer com que essa parte da cultura ganhasse um novo brilho e fizesse com que o povo viesse à Biblioteca. Ele garantiu que me daria todo o apoio e lutaria pelo orçamento.

Antes da sua chegada, os servidores convocaram uma assembleia e questionaram suas qualificações. Como contornar essa resistência?

Me coloquei na posição deles, que não me conheciam e se depararam com coisas atribuídas a mim de forma descuidada pela imprensa. Parecia que eu era uma pessoa agressiva, autoritária, que fala mal das personalidades da cultura. Vi que a maioria dos servidores quer defender a Biblioteca, e a mensagem que passei a eles foi: estamos juntos, também quero defendê-la. Claro que tem um grupo menor que vai politizar ao máximo, que não gosta de eu ser um indicado do governo Jair Bolsonaro. Mas, pelo que encontrei, vi que a maioria é menos partidária e mais ligada à questão do patrimônio.

Uma das alegações contra sua nomeação é que ela contrariaria o Decreto Nº 9.727,  de 15 de março. Segundo ele, o ocupante a um cargo como presidente da Biblioteca Nacional teria que ter mestrado ou doutorado; ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS de nível 3; ou ter experiência profissional de, no mínimo, cinco anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão. Como você atende a algum destes pré-requisitos?

Tenho pós-graduação, fiz mestrado em Direito Internacional, mas não concluí. Entendo que atuo em atividades correlatas, trabalho com livros há mais de 15 anos, comecei minha carreira em instituições culturais, como a Academia Santista de Letras. Estas competências estão previstas. Claro que não quero dizer que fui preparado durante todo este tempo para este cargo específico, mas vou poder contar com as pessoas que estão aqui e conservam a memória da instituição.

Nogueira: dar aulas a Eduardo Bolsonaro seria 'uma honra' Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Nogueira: dar aulas a Eduardo Bolsonaro seria 'uma honra' Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

Uma das postagens atribuídas a você que mais repercutiram foi a que associa a presença de Caetano Veloso e Legião Urbana em livros didáticos ao analfabetismo...

Foi um mal entendido. Como não falei com a imprensa antes de me apresentar à equipe, foram escavar as redes. Ali eu escrevia para amigos, e, trabalhando com educação, vi que professores e livros didáticos se excediam no uso da música popular, com mais destaque que clássicos da literatura luso-brasileira. Evidente que foi uma brincadeira. Não acho que Caetano ou Legião têm a ver com o analfabetismo. Reconheço que a música popular pode ajudar, mas a alfabetização tem níveis. E, para chegar aos mais altos, não dá para colocar só a música como parâmetro. Ela pode ser uma ponte, para que a gente atravesse outras maiores.

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A Biblioteca Nacional é a responsável por selecionar os representantes brasileiros para o júri do Prêmio Camões, vencido este ano por Chico Buarque. O presidente Bolsonaro havia dito que só assinaria o diploma no fim do mandato. Pensa em convencê-lo a assinar agora?

Preciso estudar melhor este caso, confesso que sei pouco a respeito. Seria temerário eu dizer qualquer coisa sobre o concurso sem poder diagnosticar melhor a situação.

Você se identifica como seguidor de Olavo de Carvalho. Que tipo de contribuição acha que ele traz ao debate?

A maior contribuição do professor Olavo foi nos ajudar a pensar com liberdade. Mesmo quem não gosta dele tem que reconhecer isso. Como ele fez a contraposição a um pensamento que era único, hegemônico. Hoje a gente pode se apresentar dentro de uma diversidade maior. Ele trouxe ao Brasil a possibilidade de pensar em voz alta sem medo nem censura. A academia, inclusive, poderia discutir a obra dele mais serenamente, sem se ater só as polêmicas.

Você também se assume como simpatizante da monarquia. Para você, este sistema seria melhor para o Brasil?

O que pretendo com estas discussões é que não nos esqueçamos das lições do século XIX, da experiência política e jurídica da época. O Brasil não teve só um modelo de república desde 1899, fomos várias repúblicas. Tenho o maior respeito pela república, mas passamos por vários mudanças, golpes de estado, uma instabilidade muito maior que a do Segundo Reinado. O que não quer dizer que defendo um evento nefasto como a escravidão, ela não estava na estrutura desta estabilidade. Além disso, não é proibido pensar na monarquia como um modelo possível. Até porque, se analisarmos bem, o Segundo Reinado foi mais democrático do que a Primeira República.

Outra polêmica foi em relação às aulas de história que o deputado Eduardo Bolsonaro teria feito quando ainda era candidato à embaixada americana. Ele o procurou?

Essa foi outra confusão, eu nunca dei aulas de história para ele . O Eduardo gostou do meu trabalho nos documentários “Brasil, a última cruzada” e “Bonifácio: o fundador do Brasil” e me elogiou nas redes, soube disso junto com todo mundo. Realmente dou cursos para candidatos à diplomacia, tenho uma visão panorâmica boa da história. Poderia ter colaborado, mas ele não me chamou de fato. Teria sido uma honra.