Opinião

Artigo: Ouvir para liderar

Tentar entender e ajudar o consumidor é um compromisso sagrado

Vivemos no Brasil um momento ainda desafiador para as grandes companhias, seus líderes e seus investidores.Um dos maiores exemplos disso é que o número de empresas que entraram com pedido de recuperação judicial em 2018 continua expressivo: somente de janeiro a setembro, foram 985, quase 10% a mais do que em 2017. O uso desse instrumento legal, que tem sido vital para a continuidade das operações das companhias, evidencia que os efeitos da crise econômica persistem. Tive a oportunidade de estar à frente do maior desafio nesse sentido no mercado brasileiro, conduzindo a Oi na aprovação do seu plano de recuperação judicial. Uma missão que me foi entregue um ano atrás, ao assumir a presidência de uma das maiores empresas de telecomunicações da América Latina.

Comecei como estagiário na companhia há 37 anos. Num período tão longo, muito se vê, se ouve e se aprende, seja com acertos, mas, principalmente, com os erros. Uma das questões fundamentais em participar de um momento tão relevante como o da Recuperação Judicial – crítico, mas, ao mesmo tempo, cheio de oportunidades – é enxergar a melhor forma de exercer a liderança. Ao longo de nossas vidas corporativas, somos empurrados degrau a degrau para cima. Alguns correspondem e sobrevivem, mas muitos ficam pelo caminho. Tornar-se um alto executivo é uma metamorfose que nem sempre respeita o tempo de cada um.

Por isso, é tão importante ter a humildade para o aprendizado, principalmente ouvindo e compreendendo as reais necessidades da companhia, de seus colegas, de seus colaboradores e do mercado. E não basta colocar os ouvidos à disposição, tem que de fato absorver. Entender a fala do outro. E é importante ouvir também as vozes que divergem. Tem que ir a campo, acolher as os diferentes tons de dentro da organização e de todo seu ecossistema. Porque essa escuta ativa fornece ao CEO subsídios importantes e necessários para tomar decisões, buscar soluções e construir a direção que avaliar mais correta.

A escuta também dá embasamento para outra condição que julgo essencial a qualquer CEO: uma atitude conciliadora. Tenho convicção de que a maior contribuição que um presidente pode dar é a iniciativa de ir até as pessoas e trabalhar para conciliar as diferentes visões e pensamentos em busca do melhor pela companhia.

Isso traz resultados claros e palpáveis. No nosso caso, desde a mudança no comando da Oi, vi nossa equipe trabalhar incansavelmente para ajudar a empresa a dar passos muito importantes: o plano de recuperação judicial com mais de 55 mil credores foi aprovado; a dívida financeira foi reduzida de R$ 49 bilhões para R$ 15 bilhões; houve conversão de parte da dívida em ações e a eleição de um novo conselho de administração independente. E agora estamos prestes a concluir outra etapa fundamental, que é o aumento de capital da empresa. Nada disso seria possível sem um time engajado, que confia na sua liderança, e sem um comando que ouve e acredita na sua equipe.

Numa empresa de prestação de serviço, esse trabalho estaria incompleto se não houvesse disposição de  ouvir a parte principal do nosso negócio: o cliente. Tentar entender e ajudar o consumidor é um compromisso sagrado. É primordial criar chances de se aproximar dele – como, por exemplo, tive a oportunidade de vestir literalmente o uniforme de técnico e ir à casa de uma cliente para acompanhar uma instalação e, lógico, conversar. Sem me identificar, pude ouvir muito sinceramente a avaliação dela do serviço e questionar o que poderia ser feito para melhorar. É um trabalho que parece tão básico, porém, traz um retorno muito concreto, ao aproximar líderes corporativos das reais necessidades de entrega.

Creio que vivências como essas agregam à liderança tanto quanto as diversas técnicas que os executivos dominam, pois nos sensibilizam pela empatia e trazem a gestão para a escala humana. Mas é claro que nada disso adianta se não soubermos ouvir de verdade – estando abertos a sermos, de fato, transformados pelo outro, seja por aqueles com quem trabalhamos, seja para quem trabalhamos – e assim atuar como conciliador em prol da organização.

Eurico Teles é presidente da Oi