Mortos em decorrência das chuvas no Rio são enterrados; conheça suas histórias

Fechar comentários

Mortos em decorrência das chuvas no Rio são enterrados; conheça suas histórias

Mário de Lucena foi uma das vítimas das chuvas que deixaram seis mortos no Rio
Mário de Lucena foi uma das vítimas das chuvas que deixaram seis mortos no Rio Foto: Reprodução/Facebook
Pedro Zuazo
Tamanho do texto A A A

Um dia após seis pessoas morrerem em decorrência das chuvas que atingiram o Rio, parentes e amigos das vítimas se reuniram em velórios espalhados pela cidade para prestar as últimas homenagens.

O enterro dos corpos da doméstica Isabel da Paz, de 56 anos, e seu filho, Mauro da Paz, de 32, que morreram em casa, em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste da cidade, aconteceu no cemitério Jardim da Saudade de Paciência, às 11h. No mesmo local, às 16h30, foi enterrado o corpo da bacharel em Direito Thamires Alves dos Santos, de 24 anos, que ficou soterrada dentro de um ônibus na Avenida Niemeyer.

O corpo advogado Mário Salles Pereira de Lucena, de 36 anos, que também estava no ônibus na Niemeyer, foi sepultado no cemitério São João Batista, em Botafogo. Pouco depois, no mesmo local, foi enterrado o corpo da doméstica Adriana Maria dos Santos, de 44 anos, que morreu na Rocinha.

A sexta vítima, que morreu no Vidigal, não teve o nome completo divulgado e foi identificada apenas como Marisa. Até a publicação desta reportagem, não havia informações sobre o enterro.

Conheça, a seguir, as histórias de cada uma das vítimas.

Mário de Lucena era advogado especialista em direito tributário
Mário de Lucena era advogado especialista em direito tributário Foto: Reprodução/Facebook

Mário Salles Pereira de Lucena, 36 anos

O advogado Mário Salles Pereira de Lucena, de 36 anos, era um dos passageiros do ônibus que foi soterrado por um deslizamento de encosta na Avenida Niemeyer, durante as fortes chuvas que atingiram o Rio, na noite de quarta-feira. No momento da tragéda, Mário voltava de uma longa jornada de trabalho. Ele seguia para casa, no Joá, onde morava com a esposa, uma filha de 5 anos e um bebê de 10 meses.

Na infância, o advogado foi colega de turma da atriz Tatá Werneck. Em uma publicação feita nas redes sociais, na noite de quinta-feira, a humorista prestou a uma homenagem à vítima e afirmou que Mário foi seu primeiro amor de infância.

Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduado em Direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, o advogado era sócio do escritório Daut, Castro e Gallotti Olinto Advogados, tendo como principais áreas de atuação contencioso e consultoria, com ênfase em contribuições sociais previdenciárias.

Advogados do escritório o descreveram como uma pessoa alegre e carismática, excelente trabalhador, dedicado à família, religioso e torcedor do Botafogo. "Era bem atuante nos tribunais e conseguiu importantes vitórias para o escritório", disse um colega de trabalho.

A paixão de Mário pelo clube alvinegro fica explícita em suas fotos de perfil no Facebook. Pelo menos duas imagens foram editadas para a inclusão de uma tarja negra com o nome e o escudo do Botafogo.

Em uma foto publicada em outubro de 2017, na qual ele aparece ao lado da filha mais velha, amigos aproveitaram o espaço dos comentários para prestar condolências à família."Vc vai fazer mta falta Marinho!! Descanse em paz, meu amigo!!", escreveu Lucas Lessa. "Vc estará sempre nos nossos corações!! Que Deus conforte sua família irmão!!", escreveu Henrique Chessine. "Amigo você vai estar sempre no nosso pensamento e no coração! Descanse em paz e que Deus conforte a família!", escreveu Roberta Simões.

Parentes de Mário estiveram no Instituto Médico-Legal, na quinta-feira, para liberar o corpo, mas não quiseram falar com a imprensa. O sepultamento foi ser realizado no cemitério São João Batista, em Botafogo, às 16h.

Thamires Alves ia fazer prova da OAB
Thamires Alves ia fazer prova da OAB Foto: Reprodução/Facebook

Thamires Alves dos Santos, 24 anos

A bacharel em Direito Thamires Alves dos Santos, de 24 anos, também estava no ônibus que foi soterrado na Avenida Niemeyer. A jovem era casada há três anos com o autônomo Marlon Ribeiro, de 27 anos. Ela deixa uma filha de 2 anos e 6 meses, Manuela.

Após se graduar na Universidade Cândido Mendes, no final do ano passado, Thamires se matriculou em um cursinho para fazer a prova da Ordem dos Advogados do Brasil. O exame estava marcado para o dia 17 de março. A jovem voltava de uma aula do curso, no Centro, para sua casa, no Magarça, em Campo Grande, quando ocorreu a tragédia.

— Ela era bem caseira e religiosa. É a única sobrinha que sempre pedia a bênção. Apesar da timidez, tinha um sorriso cativante. E era muito guerreira. Trabalhava em um estacionamento e em outro estabelecimento, além de fazer o preparatório para a OAB — conta o tio Gilberto Martins, de 42 anos.

De acordo com Gilberto, o pai de Thamires teve medo ao saber do temporal e ligou para a filha, momentos antes de ela morrer.

— Ele ligou porque estava preocupado. Ela atendeu e disse que estava no ônibus, no Leblon. O pai sugeriu que ela ficasse perto do motorista, e ela disse que já tinha feito isso, e também que o motorista estava dirigindo devagar, com cuidado. Também contou que só havia ela e mais um passageiro dentro do ônibus — conta o tio.

Outro tio da vítima, o engenheiro aposentado Osvaldo dos Santos, de 69 anos, fez um desabafo sobre a tragédia.

— Não consigo ver a prefeitura isenta de responsabilidade nesse caso. Com aquele temporal, e sabendo do risco de deslizamento, eles deveriam ter fechado a avenida antes. Também não é de hoje que precisam ser feitas proteções na encosta. Mesmo que a proteção não impeça totalmente um deslizamento desse porte, pode minimizar os danos — disse.

Durante o enterro, no cemitério Jardim da Paciência, em Paciência, os parentes mais próximos, muito emocionados, não falaram com a imprensa.

A doméstica Adriana Maria dos Santos morreu na Rocinha
A doméstica Adriana Maria dos Santos morreu na Rocinha Foto: Reprodução

Adriana Maria dos Santos, 44 anos

Era por volta de 23h de quarta-feira quando, numa região conhecida como 199, na Rocinha, um deslizamento de terra atingiu a casa da doméstica Adriana Maria dos Santos, de 44 anos. Com ela estavam seus dois filhos: um adolescente de 17 anos, e o mais velho, Luiz Eduardo dos Santos, de 23 anos, que conta como tudo aconteceu.

— Estava chovendo bastante. Nós estávamos em casa e, do nada, aconteceu o deslizamento. Ele arrebentou o muro da nossa casa e caiu sobre a minha mãe, no corredor de casa. Ela ficou totalmente soterrada — disse Luiz Eduardo, com a voz embargada, de quem ainda não acredita no que aconteceu há poucas horas.

Ele diz que, após socorrer sua mãe dos escombros, vizinhos correram para ajudá-lo. Naquele momento, não havia tempo, nem logística na rua, para esperar pela ajuda de bombeiros ou ambulância.

— A própria comunidade me ajudou. Nós encaramos a chuva e levamos minha mãe até o hospital no carro de um amigo meu. Ela falava com todo mundo, era querida por todos. E muitos vizinhos ajudaram, até quem não tinha tanto contato com a gente — disse.

Foi uma saga. Ele levou a mãe no colo, com a ajuda de moradores da comunidade, encararam a enchente e o temporal com ventos que ainda atingia a favela naquele momento, até chegarem ao carro de seu colega. Dali, eles partiram para o Hospital municipal Miguel Couto.

— Ela chegou já inconsciente, com uma parada cardíaca. Eles tentaram reanimar, fizeram uma massagem cardíaca, mas não adiantou — contou, emocionado.

Luiz Eduardo conta que, depois do que aconteceu na casa da família, ele e o irmão estão morando com uma madrinha. O pai, que trabalha em outro estado, voltou para dar suporte aos filhos e dar prosseguimento aos trâmites para enterrar Adriana. O enterro aconteceu no fim da tarde desta sexta-feira, no cemitério São João Batista.

Ari da Paz mostra os documentos dos parentes mortos
Ari da Paz mostra os documentos dos parentes mortos Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

Isabel da Paz, 56 anos, e o filho Mauro da Paz, 32 anos

Uma mulher guerreira, alegre e amorosa: é assim que os sobrinhos de Isabel da Paz descrevem a tia, que morreu soterrada após a chuva desta quarta-feira em Barra de Guaratiba. Isabel tinha 56 anos e trabalhava como empregada doméstica. O filho de Isabel, Mauro da Paz, de 32 anos, que também morreu na tragédia, estava desempregado e tinha planos de fazer o Enem este ano.

Cunhado de Isabel e tio de Mauro, Ari da Paz, de 61 anos foi o primeiro a chegar até o local onde as vítimas estavam. Quando ouviu o barulho de telhas caindo, ele saiu de casa para ver o que tinha acontecido. Ficou desesperado ao perceber que a casa do irmão, embaixo da sua, estava destruída por causa de uma árvore, arrastada pela lama.

Na casa, estavam quatro pessoas: Isabel da Paz, Mauro da Paz, Áureo da Paz e Artur da Paz. Isabel e Mauro não resistiram aos ferimentos. Áureo e Artur têm quadro de saúde estável e estão internados no Hospital municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca. Ari, irmão de Áureo, conta que o socorro foi feito por parentes e vizinhos:

— Foram anjos que surgiram nem sei de onde. Meu irmão ficou só com o pescoço de fora, e a gente com medo de vir mais lama.

Os parentes contam que Isabel era uma mulher alegre e gostava de fazer festas e reunir a família.

— Ela e meu tio Áureo eram muito festeiros. Falavam com todo mundo, brincavam — conta o sobrinho Marco Antônio da Paz.

Simone Antunes, prima de Mauro, diz que o jovem já tinha escolhido a carreira que pretendia seguir caso passasse no Enem.

— A última vez que falamos disso ele disse que queria fazer engenharia — diz.

A família relembrou momentos da infância na casa que desabou com a chuva.

— A gente descia isso aí, corria, brincávamos muito. Fomos criados aqui. Meu tio Áureo nasceu naquela casa — diz Marco Antônio.

Marisa

Após as chuvas, uma morte foi confirmada pela prefeitura na comunidade do Vidigal. A vítima, no entanto, não teve o nome completo divulgado e foi identificada apenas como Marisa. Até a publicação desta reportagem, não haviam sido divulgadas mais informações sobre a vítima.

Em entrevista ao portal G1, o fotógrafo Felipe Paiva, de 33 anos, contou como ajudou a socorrer moradores após ser resgatados dos escombros por um vizinho, no Vidigal. No relato, ele conta que um corpo foi encontrado.

"Os mototaxistas estavam liberando a via quando um deles pisou em alguma coisa que achou mole. Quando se abaixou para ver, era o corpo de uma garota", afirmou ele. A prefeitura, no entanto, não esclareceu se o corpo que teria sido encontrado pelos mototaxistas da comunidade seria o de Marisa.

Galerias