Por Vanessa Fernandes, G1 RR — Boa Vista


Garimpo entre os rios Mucajaí e Uraricoera, que dividem a terra indígena Yanomami, em Roraima — Foto: Exército Brasileiro/ Divulgação

Um conflito na Terra Indígena Yanomami resultou em garimpeiro morto a flechada e um indígena ferido, diz carta assinada presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Davi Kopenawa, que o G1 teve acesso nesta quarta-feira (3).

A carta aponta que oito garimpeiros, em uma lancha, atracaram os indígenas que estavam às margens do rio Uraricoera. Kopenawa pede a investigação do caso e a adoção de medidas urgentes para impedir novos ataques na comunidade do Helepi, onde o conflito ocorreu em 25 de fevereiro.

"Um deles [garimpeiro] bêbado, deslocou-se até a comunidade e perguntou por Ledimar, um xirixana residente na comunidade. Vindo Ledimar ao encontro do garimpeiro, este atirou com um revólver no indígena. Indignado, o irmão mais novo alcançou um arco e flecha e flechou o garimpeiro, que veio a óbito", relatou Kopenawa no documento.

O documento foi enviado à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR) e a Polícia Federal (PF) nessa segunda-feira (1º).

Ao G1, o MPF disse que já foi informado oficialmente sobre o fato e acionou a Funai para verificação. "Foi realizada uma diligência in loco e aguardamos o envio do relatório para verificar a situação do conflito e assim tomar as providências cabíveis", diz o MPF em nota.

Procuradas, a Funai e a PF não se manifestaram até a última atualização da matéria.

Ainda conforme a carta, o indígena ferido foi socorrido pela comunidade e aguardava a chegada da equipe de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami para tratamento. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não informou se ele já foi atendido.

Os garimpeiros ameaçaram os indígenas e disseram que eles não deveriam ir ao Porto do Arame, que é usado para acessar a Terra Yanomami. Em seguida, fugiram. Segundo Kopenawa, o porto é ocupado pelos garimpeiros que fazem controle do fluxo de embarcações e cobram pedágio dos próprios indígenas.

Este é o segundo conflito registrado em menos de um ano entre indígenas e garimpeiros. Na carta, Kopenawa diz que "não deve ser entendido isoladamente".

Em junho do ano passado, os jovens Original Yanomami, 24, e Marcos Arokona, de 20, foram mortos a tiros na comunidade Maloca do Macuxi, região do rio Parima, município de Alto Alegre. A tensão foi comparada por lideranças ao que ocorreu durante o Massacre de Haximu.

O Massacre de Haximu ocorreu em 1993, quando garimpeiros promoveram uma chacina contra os Yanomami e 16 índios foram assassinados. O caso foi o primeiro genocídio reconhecido pela Justiça do Brasil.

'Rota de entrada para o garimpo'

Conforme Davi Kopenawa, Xirixana de Helepi é a primeira comunidade às margens do rio Uraricoera, a partir do limite exterior da Terra Yanomami, o que torna a região rota de entrada para o garimpo.

"Toda a logística fluvial para abastecer os núcleos garimpeiros da região e consequentemente, os garimpeiros que nela circulam, passam necessariamente pela comunidade de Helepi, de modo que a comunidade sofre cotidianamente com o assédio dos garimpeiros no rio. Isto pode ser sentido em termos de impactos ambientais", diz em trecho da carta.

O adolescente Yanomami Alvanei Xirixana, de 15 anos, terceira vítima da Covid-19 em Roraima e primeirio indígena do país a morrer em razão do vírus, era morador da Comuniade Helepi.

Conforme Kopenawa, o adolescente também morreu em comorbidade com a malária, que "se tornou endêmica na região, sendo esse agravamento do quadro sanitário um dos efeitos do garimpo".

Até esta terça-feira (2), o boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) apontava 1.448 infectados pela Covid-19 e 10 mortes entre os Yanomami.

Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas. Cerca de 27 mil indígenas vivem na região, alvo de garimpeiros que invadem a terra em busca da extração ilegal de ouro.

O território também contém a referência confirmada de um povo indígena isolado, além de seis outras reportadas em estudo, segundo a Funai.

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