Por Elida Oliveira, G1


Investimento em ciência permitiu a formação de pesquisadores que aturaram em estudos sobre zika no Brasil. — Foto: Marina Meireles/G1

O panorama da ciência no Brasil é “assustador, ameaçador e pode se tornar irreversível”, afirma a biomédica e pesquisadora Helena Nader, que recebe nesta terça-feira (11), Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, o prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Aos 72 anos, ela é uma “ferrenha” defensora da ciência e da educação brasileiras. Nader vivenciou, ao longo de décadas, as melhorias e investimentos que foram feitos na área, mas que, no último ano, passa pela escassez de recursos e corte de bolsas de pesquisa.

Dados da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, mostram o avanço da ciência no país. Em uma década, o Brasil teve um salto de 69,4% no número de artigos científicos publicados. Em 2008, eram 35.490 publicações. Os dados mais recentes, de 2018, apontam 60.148 artigos publicados. De acordo com a NSF, o Brasil é o 11º no ranking de publicações científicas, à frente do Canadá, Espanha, Austrália e Irã.

Ranking de países por artigos científicos, de acordo com a NSF — Foto: Elida Oliveira/G1

Indícios de retrocessos

Embora o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia tenha tido um leve aumento de 6,2% em 2020, se comparado ao ano anterior, os recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sofreram redução de 30% e a taxa de fomento a pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – usada para compra de insumos e equipamentos – teve corte de 80%, afirma Fernanda Sobral, vice-presidente da SBPC.

Um levantamento da entidade aponta que, até outubro de 2019, o Brasil perdeu 17.892 bolsas de estudos devido ao contingenciamento de recursos na área.

Em comparação com outros países, o Brasil investe cerca de 1% em pesquisa e desenvolvimento, metade do percentual médio dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Helena Nader, biomédica e cientista, vice-presidente da Associação Brasileira de Ciências (ABC). — Foto: Divulgação/SBPC

“Montar esta estrutura levou décadas e, para desmontar, leva-se dias”, afirma. “Perdi 5 pessoas que formei e que estavam bem colocadas na ciência do Brasil, mas que foram embora para liderar grupos de pesquisa e outros países”, afirma Helena Nader, biomédica e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

A situação se repete, diz ela, entre outros colegas, em um movimento conhecido como “fuga de cérebros”.

A consequência da falta de investimentos, diz Nader, é que o país vai perder em produtividade e relevância e ficará dependente da produção de outros países que farão a tecnologia que o Brasil pode vir a precisar.

Isso pode refletir nas respostas a crises nacionais, como a da Zika em 2015. “Quem descobriu tudo do vírus? Cientistas brasileiros: Fiocruz, universidades, houve uma articulação e rapidamente se deu uma resposta”, afirma.

Mulheres na ciência

Enquanto a ciência brasileira luta para sobreviver, as mulheres na ciência enfrentam o desafio adicional de se fazerem representadas.

Alice Rangel de Paiva Abreu, que recebe nesta terça a menção honrosa no prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, da SBPC, defende mudanças estruturais na ciência para dar mais espaço às mulheres. Segundo ela, antes lutava-se para ter mais mulheres na ciência. Agora, é preciso mudar os processos para evitar distorções.

“Faltam mudanças estruturais no processo de produção do conhecimento científico: não é só a entrada, são as normas, e as formas de comportamento. A progressão [de carreira] vem embutida de preconceitos enormes, tanto é que tem muitos países que já estão tentando implementar processos que teoricamente poderiam ser processos cegos onde você não vê quem é o autor do estudo [que concorre a uma bolsa ou financiamento]”, afirma.

Abreu afirma que o gargalo se concentra nas bolsas de alto nível de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dada a pesquisadores com mais de 10 anos de doutorado. “Há mais de 15 anos as mulheres não conseguem passar de 30 ou 35% do total destas bolsas”, afirma.

Nader reforça o coro do grupo que defende parâmetros diferentes na avaliação do currículo de cientistas que se tornaram mães, como por exemplo, não considerar o afastamento após o parto como um período de queda de produção científica. “Não é justo comparar um homem fazendo ciência o tempo todo com uma mulher que teve filho e está amamentando”, defende.

Alice Rangel de Paiva Abreu, que foi vice-presidente do CNPq — Foto: Divulgação/SBPC

Prêmio 'Carolina Bori Ciência & Mulher'

A SBPC fará a entrega do 1º prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” nesta terça, em São Paulo.

Helena Nader é a grande vencedora. Alice Rangel de Paiva Abreu receberá a menção honrosa. As duas foram reconhecidas pela produção científica de peso e pela atuação em busca de políticas públicas de fomento à ciência.

De acordo com a SBPC, o prêmio é uma homenagem às cientistas brasileiras destacadas e às futuras cientistas. Serão duas categorias, que vão se alterar anualmente: “Mulheres Cientistas” e “Meninas na Ciência".

O prêmio leva o nome de Carolina Martuscelli Bori, primeira presidente mulher da SBPC.

O evento de premiação é aberto ao público e gratuito.

Confira abaixo a programação:

Seminário “SBPC e as Mulheres e Meninas na Ciência” e Cerimônia de entrega do Prêmio “Carolina Bori - Ciência & Mulher”

Data: 11 de fevereiro

Local: Salão Nobre do Centro Universitário Maria Antonia da USP - Rua Maria Antônia, 294 - 3º andar, São Paulo/SP

Horário: 14h30

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