Cena da série “Big Little Lies”, da HBO, com Reese Witherspoon e Nicole Kidman — Foto: Divulgação
A diretoria da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) formará hoje maioria pela aprovação da compra da Time Warner pela AT&T. Segundo o Valor apurou, o diretor Moisés Moreira distribuiu internamente aos seus pares mais um parecer favorável à operação no comando da agência.
Até agora, outros dois integrantes já haviam votado a favor da operação, o próprio relator do caso, Vicente Aquino, e o ex-diretor Aníbal Diniz. Os outros dois diretores, o presidente da agência, Leonardo de Morais, e Emmanoel Campelo, não seriam capazes de reverter o placar da votação, mas apenas adiar com pedido de vista.
Mesmo com sinal claro de derrota, até uma postergação por prazo indefinido da votação não está descartada. Isso porque, após a decisão da diretoria, há o risco de uma guerra judicial ser aberta pelas concorrentes, que entendem haver forte restrição à participação cruzada entre empresas de produção/programação de conteúdo e operadoras de telefonia/TV paga.
A Time Warner (atual WarnerMedia) controla canais como Fox, CNN, HBO e Cartoon Network, além de estúdios cinematográficos com produções de peso em Hollywood exibidas em salas de cinema e licenciadas por outros meios no Brasil. Já a AT&T é dona da SKY Brasil, segunda maior operadora de TV paga por assinatura do mercado nacional - liderado pelo grupo Net/Claro.
A estratégia de protelar a decisão pelos diretores que ainda não votaram seria motivada pela expectativa de o Congresso Nacional aprovar um dos projetos de leis (PLs) já em tramitação capazes de derrubar a barreira legal.
No voto-vista, Moreira alega que as pressões competitivas com oferta de conteúdo pela internet, por plataformas como Netflix, torna a barreira à verticalização na cadeia de produção de audiovisual um obstáculo para a adoção de novas estratégias competitivas pelas operadoras de TV por assinatura.
Diante do convencimento de que há restrição legal, a área técnica da Anatel chegou a propor, conforme nota técnica elaborada há um ano, que a diretoria da agência determinasse a venda da Sky como condição à liberação do negócio. Os técnicos haviam considerado frágil a alegação das partes interessadas de que a Time Warner tem sede em Nova York e, por isso, não estaria sujeita aos efeitos da lei brasileira.
O presidente da agência, Leonardo de Morais, defendeu por diversas vezes, no ano passado, o fim da barreira à participação cruzada entre quem produz e quem entrega conteúdo, o que ficou registrado em ofício enviado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A mudança na legislação poderia evitar o início de uma guerra na Justiça. Apesar das iniciativas de alteração da lei no Congresso nenhuma prosperou.
Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu executivos da operadora americana AT&T e da Sky Brasil. Especula-se que os executivos contaram com a receptividade dos integrantes da equipe econômica, já que o governo Jair Bolsonaro, incluindo os técnicos que trabalham com Guedes, deu sinais claros de que apoia a estratégia do grupo americano e o fortalecimento de sua presença no mercado nacional.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, defendeu a fusão entre os grupos sem a imposição de restrições à operação local pelos reguladores brasileiros. A posição favorável ao negócio apareceu em manifestação do próprio parlamentar nas redes sociais e teria motivado o encontro dele com a cúpula da Anatel.
Integrantes da equipe econômica redigiram, em 2019, uma minuta de medida provisória (MP) para ser enviada ao Congresso com o objetivo de acabar com a restrição ao negócio prevista na legislação brasileira. Hoje, o marco legal da TV por assinatura proíbe que empresas do ramo de produção e programação de conteúdo tenham participação cruzada com operadoras de TV paga e telefonia.
Com a MP, os técnicos do Ministério da Economia esperavam atrair novos investimentos para a produção e distribuição de conteúdo audiovisual. A exposição de motivos, a qual o Valor teve acesso na época, argumentava que era preciso romper com a “situação atual de dificultar os novos modelos de negócios que vem se desenvolvendo na internet, com impactos na satisfação do consumidor e em novos investimentos”.
Agora, mais do que abrir o mercado para uma tendência mundial, que prevê a aproximação entre grupos de mídia e telefonia, a AT&T pretende alertar o governo para riscos da imposição de restrições mais duras à operação.
Os executivos da AT&T e Sky têm tratado do assunto com as autoridades brasileiras. A reportagem apurou que na terça-feira eles estiveram em peregrinação pela Anatel, chamando a atenção para fato de a legislação nacional ser “anacrônica e desatualizada”.
Segundo relato de fontes da agência, o principal recado foi o seguinte: se a venda da SKY for realmente imposta, é provável que a AT&T tenha que fechar a SKY pelo simples fato de não encontrar comprador. O mercado de TV por assinatura é um dos mais afetados pela chegada das novas plataformas de serviço on-line, sendo a principal delas a Netflix.
Ainda segundo a leitura apresentada pelos executivos, o fim das operações da Sky, com 30% do mercado em 2019, resultaria na formação de um monopólio do grupo Claro/Net, que encerrou 2019 na liderança com 49% de participação.