• 19/06/2018
  • Por Paula Jacob
Atualizado em
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

Desde o lançamento de Formation, Beyoncé deixou de ser ‘apenas’ uma cantora pop para preencher as letras de suas músicas com militância negra e feminista. A crítica social já foi da violência policial à representatividade, que permeia todo o clipe APESHIT, lançado de surpresa junto com o disco Everything is Love, feito em parceria com Jay-Z. O casal The Carters gravou o vídeo dentro do Museu do Louvre, em Paris - nenhuma novidade para os dois, que já haviam fechado o espaço para uma visita privé nas férias em família em 2014. O que ninguém esperava era a quantidade de signos e significantes que eles colocariam no belíssimo clipe dirigido por Ricky Saiz, com fotografia de Benoît Debie, direção de arte de Edward Quarmby, styling de Zerina Akers e coreografia de Sidi Larbi Cherkaoui.

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‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

São muitos elementos que podem nos ajudar a traduzir de alguma forma as mensagens que Beyoncé e Jay-Z querem passar com o vídeo. A primeira, e talvez mais emblemática, é a pose do casal em frente à Mona Lisa (1503), de Leonardo da Vinci. Da parte do figurino, Queen B veste um conjunto rosa da Peter Pilotto, com joias extravagantes. Já Jay-Z usa um look similar, verde menta, e sugere que ambos vestem calça nessa parceria que segue da vida privada à pública. A tonalidade com os diamantes de Beyoncé nos remetem ao look de Marilyn Monroe na cena icônica de Gentlemen Prefer Blondes (1953), em que canta Diamonds are a Girl’s Best Friend. A imagem da mulher de rosa e cheia de joias ganhou, portanto, uma repaginada contemporânea. Beyoncé é a mulher foda que é, sem deixar de lado a sua feminilidade. E ao longo do clipe, a stylist Zerina Akers merece muitos créditos por apresentar uma releitura dos signos atribuídos às mulheres ao longo dos anos e a pluralidade de mulheres negras. Além disso, a feição de ambos lembra a de Mona Lisa, que passou séculos sendo analisada por historiadores e intelectuais - como se o casal soubesse exatamente o que faríamos com esse clipe (vide esta reportagem).

‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

Em outra cena imponente de APESHIT, o casal está em pé, no alto das escadas, vestidos de branco, na frente da estátua grega Vitória de Samotrácia ou Nike de Samotrácia. A peça feita entre 220 e 190 a.C., que sobreviveu durante os séculos, é relacionada ao poder e à vitória. Ela lembra as esculturas que enfeitavam as proas dos navios e representa a vitória naval dos rodianos, e glorifica, segundo o site do Museu do Louvre, o corpo feminino em conexão com algo tradicionalmente masculino: a guerra. A leitura aqui pode ser feita tanto do sucesso de Beyoncé na indústria da música, dominada por homens, quanto na própria repetição de retratação do corpo feminino - presente também nas dançarinas que preenchem os degraus das escadas. Beyoncé se mostra como a imagem contemporânea da vitória e serve de exemplo para as outras que estão ali próximas. Note que a cantora troca de postura nesta mesma locação (uma mais contida e outra mais caótica), indicando como as mulheres são multifacetadas e não seres unilaterais e perfeitos.

‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

Outra estátua grega bem icônica aparece no vídeo de APESHIT: a Vênus de Milo, conhecida na cultura popular como a deusa da beleza e do amor. Como bem descreveu a conta Queen Curly Fry no Twitter, “aqui, Beyoncé mais uma vez se modela como uma estátua grega. No entanto, nesta foto ela usa uma roupa nude, indicando a sua nudez, com o cabelo enrolado, reenquadrando as duas deusas - a da beleza e a da vitória - como uma mulher negra. Isso desmonta os ideais de beleza centrados no branco”.

‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

Na frente da pintura The Consecration of the Emperor Napoleon and the Coronation of Empress Joséphine (1807), de Jacques-Louis David, Beyoncé e as dançarinas ‘encenam’ a (re)coroação da líder desse grupo, no caso a própria cantora, que se difere das outras por meio das roupas (ela usa Burberry). O quadro mostra o momento em que Napoleão tira o poder do Papa e ele mesmo coroa a sua esposa. Coroa essa que agora pertence à Beyoncé (veja como ela está centralizada). Considerando, também, a colonização feita por Napoleão no Norte da África, essa cena é extremamente simbólica, porque mostra a recuperação simbólica do poder roubado.

‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

Outro quadro que merece a sua atenção é o Portrait of a Black Woman (Negress) (1800), de Marie-Guillemine Benoist, uma das poucas obras feitas por uma mulher presentes no Museu do Louvre. Além de ser a única do período histórico que retrata uma mulher negra sem ser escrava ou subjugada de alguma forma. Seu simbolismo aparece nas cenas em que Beyoncé veste uma roupa toda Versace e na cena das duas dançarinas na frente do retrato de Juliette Récamier.   

‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

Da parte técnica, é importante ressaltar as constantes cenas gravadas em câmera giratória, invertendo a noção de chão e teto, a realidade. O que nos leva a acreditar na mensagem de “agora, e se a gente invertesse a história, como seria?”. Vale ressaltar também o brilhante trabalho da montagem, que mistura detalhes de quadros com cenas recriadas para o clipe de APESHIT com negros.

‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)

A coreografia também revela essas pequenas cutucadas na cultura baseada em obras feitas por homens brancos reverenciada por outros homens brancos ao longo da história. A dançarina faz gestos com as mãos que lembram os braços dos escravos presos. Em outra sequência, Beyoncé descreve as festas regadas de bebidas, com flashes de homens brancos no quadro, e logo fala sobre a presença invisível de seus iguais, portanto, negros, nesses mesmos lugares. E ai, em uma brilhante e arrepiante sequência, ela revela os negros na mesma pintura de antes, e mostra os negros de hoje na sala de serviço do Museu do Louvre, indicando que nada mudou na cultura desde então - os negros seguem sendo os “serviçais”. Para refletir.

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‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
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‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
‘APESHIT’: o clipe cheio de significados de Beyoncé e Jay-Z (Foto: Reprodução)
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