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Política Tragédia em Brumadinho

Geólogo da Vale diz que recebeu e-mail sobre alterações em barragem 15 dias antes de tragédia

Preso na semana passada, Cesar Augusto Grandchamp deixou a prisão nesta quinta-feira e relatou problemas na mesma estrutura em junho de 2018
Bombeiros atuam no resgate de vítimas em Brumadinho Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
Bombeiros atuam no resgate de vítimas em Brumadinho Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

BRASÍLIA — O geólogo da Vale Cesar Augusto Paulino Grandchamp admitiu em depoimento à Polícia Federal (PF) que recebeu no dia 10 de janeiro um e-mail constatando anormalidade na leitura de um dos piezômetros, equipamento que mede a pressão nas barragens de rejeitos, da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. O rompimento da estrutura, 15 dias depois, causou a morte de ao menos 157 pessoas. De acordo com o geólogo, não é “normal” que até o dia 25 de janeiro, quando ocorreu a tragédia, nenhuma providência tenha sido adotada pela mineradora.

"Que recebeu a leitura de um piezômetro que estava com anormalidade do dia 10/01/2019, em sua caixa de e-mails, sendo que a mensagem dava conta de que estavam analisando qual era o problema; que não é normal que uma leitura dessa, feita no dia 10, chegue ao dia 25 sem que alguma avaliação e providência efetiva seja adotada", diz a transcrição do depoimento.

Grandchamp foi um dos três funcionários da Vale presos na semana passada no âmbito da investigação que apura os culpados pelo rompimento da barragens de Brumadinho. Ele foi solto nesta quinta-feira, dois dias após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A PF já identificou trocas de e-mails entre funcionários da Vale e da empresa TÜV SÜD (que emitiu o laudo atestando a segurança da estrutura) que mostram que a mineradora já havia constatado as irregularidades dias antes do incidente.

O geólogo foi o primeiro funcionário da Vale a confirmar que recebeu e-mail informando sobre anormalidade nas medições da barragem. Ele disse ainda que não era o responsável pela área e nem tinha conhecimento técnico para conduzir o assunto, mas que os dados dos medidores foram encaminhados à Gerência de Geotecnia da Vale.

O e-mail do dia 10, de acordo com Grandchamp, teria sido o primeiro enviado automaticamente pelo piezômetro e por isso ele também recebeu a mensagem. O geólogo também explicou que atua sob demanda na empresa, como uma “espécie de consultor”, que pode ser acionado para fiscalizar até 42 barragens da Vale.

Incidente na drenagem em 2018

O geólogo relatou que, em junho de 2018, seis meses antes do rompimento da barragem, houve um incidente na drenagem da barragem que poderia provocar uma erosão. Segundo Grandchamp, na ocasião foram tomadas providências necessárias, e pouco tempo depois os medidores voltaram a mostrar níveis de pressão normais, o que levou a equipe a descartar a necessidade de evacuar a área. O geólogo também deixou claro que os superiores da mineradora tomaram conhecimento do episódio.

"Os fatos ocorridos em junho de 2018 foram reportados pelo declarante a Joaquim Toledo (gerente-executivo do Corredor Sudeste) que, por sua vez, reportou ao Diretor do Corredor Sudeste, Silmar Magalhães; que Silmar é subordinado ao diretor-executivo Peter Poppinga, o qual é subordinado ao Presidente da VALE S/A", disse no depoimento.

Como o GLOBO revelou, Poppinga é um dos réus acusados de homicídio no caso do desabamento da barragem da Mina do Fundão, da Samarco, em Mariana, e participou de uma das reuniões de executivos da cúpula da Vale (uma das acionistas da Samarco) com o governo federal.

Ainda de acordo com Grandchamp, depois do incidente em junho do ano passado foi criada uma “comissão de avaliação de incidentes informal” formada por técnicos da Vale e da TÜV SÜD, além de outros dois consultores externos. Após algumas discussões, o grupo teria entendido ser necessário utilizar uma técnica para aprimorar a segurança na barragem para a colocação de drenos que vinha sendo realizada pela Vale no local.

"Que o declarante como possuía a palavra final sobre o que fazer, como medida de precaução, entendeu por bem em não executar a técnica de DHP (a primeira sugerida pelo grupo) e sim solicitar a TÜV SÜD a apresentação de alternativas objetivando melhorar a segurança da perfuração ou colocação de drenos; que a TÜV SÜD apresentou algumas alternativas, mas basicamente se resumiam a perfuração através de drenos mais finos e menos profundos, o que na visão do declarante poderia resultar no mesmo problema", afirmou o geólogo em seu depoimento.

De acordo com ele, foram recebidas cerca de sete propostas de empresas com tecnologias diferentes para a drenagem da barragem, mas que ele só tomou conhecimento da proposta em janeiro deste ano, e seis meses após o ocorrido a empresa ainda não havia definido qual tecnologia seria implementada.

"Que o declarante chegou a marcar uma reunião com Flavio Nunes (funcionário da VALE), geólogo responsável pelo contrato de perfuração; que em razão desses contatos terem sido realizados já no final de 2018 não havia sido definido qual tecnologia a ser adotada até a data em que houve o rompimento da barragem", diz a transição.

Em nota, a Vale informou que "é importante ressaltar que não houve registro de aumento do nível de água no maciço da barragem" e que os "dados indicam uma redução do nível da água na seção principal da estrutura".

"Após instalação dos drenos horizontais profundos (DHPs), como medida adicional de segurança depois de auditoria regular, em 2018, foi feita uma inspeção em toda a barragem e não se detectou nenhuma anomalia. Duas auditorias foram realizadas em junho e setembro de 2018 por empresa de renome internacional, que atestou a segurança física e hidráulica da estrutura", diz o texto.