15/09/2011 10h19 - Atualizado em 15/09/2011 12h25

'Íamos ao escritório, mas não tinha nada para fazer', diz ex-Lehman

Otávio Fakhoury contou ao G1 como foram os momentos finais do banco.
Gestor não quis mais trabalhar em bancos depois da quebra em 2008.

Ligia GuimarãesDo G1, em São Paulo

Otávio Fakhoury , sócio gestor da Mauá Sekular. (Foto: Arquivo pessoal)Otávio Fakhoury  em Wall Street, de férias em 2009
(Foto: Arquivo pessoal)

Em março de 2008, o experiente gestor Otávio Fakhoury foi contratado pela matriz nova-iorquina do Lehman Brothers para estruturar a área de renda fixa do banco no Brasil. O novo emprego parecia promissor: o sólido Lehman, que operava havia 158 anos e era então o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, pretendia acelerar o crescimento dos negócios no mercado brasileiro e até abrir em São Paulo a primeira agência da instituição na América Latina.

"O Lehman era considerado um bom lugar para se trabalhar. Era uma empresa menor, onde você podia fazer as coisas mais rápido e tinha um sistema de pagamento mais agressivo, como o do Goldman (Sachs, outro banco de investimento)", recorda o executivo.

Fakhoury, 38 anos, hoje sócio gestor da Mauá Sekular, trabalhava há cinco anos no concorrente Merril Lynch quando saiu para assumir o cargo no Lehman. Havia morado cinco anos em Nova York e carregava ainda no currículo a experiência de oito anos no Citibank.

No Lehman, passou a ser um dos chefes em uma equipe que reunia cerca de 30 pessoas em um escritório na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Respondia direta e constantemente à matriz do banco, em Nova York. O escritório paulista fechou um ano e meio depois de sua abertura, quando o fundo BTG, do banqueiro André Esteves, comprou os ativos do Lehman Brothers no Brasil. No fim, parte dos funcionários se dividiu entre o próprio BTG e o banco Standard Chartered, que contratou alguns dos ex-Lehman, como o próprio Fakhoury.

Funcionário do Lehman Brothers deixa prédio do banco no dia 15 de setembro de 2008. (Foto: AFO)Funcionário do Lehman Brothers deixa prédio do banco no dia 15 de setembro de 2008. (Foto: AFP)

Três anos depois da falência do Lehman Brothers, anunciada em 15 de setembro de 2008 e que ficou marcada como um dos momentos mais emblemáticos e transformadores da história econômica mundial, o executivo diz ao G1 que testemunhar de perto os dramáticos momentos da derrocada da instituição transformou também sua visão de profissional e investidor.

"Sinceramente eu não quis mais voltar para banco e nem  quero voltar (...). Não está valendo a pena nem psicologicamente, nem financeiramente.Tive umas quatro propostas de voltar para banco e não quis. O que nós vamos ver nos próximos anos vai deixar muita gente de boca aberta, muitos bancos que achávamos que nunca quebrariam vão quebrar", diz Fakhoury.  "Fica muito difícil confiar em um grande número de bancos hoje, acho que sempre tem que ter um prêmio de desconto para tudo. Não tem nada que resista para sempre".

Em entrevista concedida por telefone durante uma viagem a Roma, Fakhoury contou os bastidores do que viu e viveu no Lehman Brothers no Brasil e em Nova York durante 2008, que ficou marcado como o ano do nascimento da crise financeira internacional.

Confira os principais trechos da entrevista:

Incerteza
Já em março de 2008, a notícia de que o banco de investimentos Bear Stearns, que também passava por dificuldades financeiras, foi comprado em março pelo banco JPMorgan a um preço considerado muito baixo e com ajuda do governo alimentou o clima de dúvidas de clientes e funcionários sobre a saúde financeira do Lehman Brothers.

"Pedi as contas da Merril Lynch em fevereiro e entrei no Lehman em março. Fiz uma viagem para lá de uma semana, para a iniciação. Quando eu voltei já teve a queda do Bear Sterns e nós já sentimos dificuldade em fazer negócio. Os clientes perguntavam mais da gente do que a gente dos clientes", diz. Na época, a versão oficial da empresa era de que tudo estava bem.

(Veja no vídeo acima: Miriam Leitão comenta os três anos da quebra do Lehman Brothers)

"Saíram análises dizendo que não aconteceria a mesma coisa com o Lehman. O tesoureiro do Lehman veio para o Brasil em julho, agosto, para visitar clientes e diziam que estava tudo bem. Todos perguntavam 'como o está o banco?', 'e a, a matriz?', e você dizia o que te diziam. Até abril, maio, o que me diziam era não, não tem problema, é ataque especulativo de hedge fund, Diziam que era especulação do mercado mas não vai contecer nada".

Funcionários partindo
"No fim de maio, começo de junho, começamos a perder funcionários, pessoas começaram a ir para outros bancos, algumas pessoas que receberam propostas. Quem era funcionário antigo começou a sair, perdemos três ou quatro funcionários da equipe do Brasil".

Ambiente triste
O ânimo e a motivação dos funcionários diminuiam à medida que o preços das ações do banco despencava, segundo Fakhoury. "Os funcionários que trabalhavam lá todos tinham ações do banco, metade do bônus vinha em ação. Era mais visível nos funcionários mais antigos. Tinha funcionário que não conseguia ligar para o cliente para fazer uma venda porque ele estava triste com a queda".

"Houve um senso de união entre os funcionários de São Paulo, principalmente dos funcionários novos. Tentávamos esperar uma empresa que nos contratasse em pacote, todos juntos. Teve gente também que ficou cada um por si, pediu para ser demitido para ir para outro emprego, não queria esperar".

Trabalho sem clientes
O efeito das baixas na equipe logo passou a se refletir nos negócios do Lehman no Brasil.
"As pessoas estavam indo embora e era impossível fazer negócio com alguém, a saída das pessoas começou a refletir na hora", diz.

"Em agosto nós íamos ao escritório todo dia, mas não tinha nada para fazer. Não tinha negócio, não tinha funding pra oferecer. Nós achávamos que o banco ia ser comprado por alguém, porque tinham acabado de fazer isso com o Bear Sterns. Virou até gozação a gente dizer, quem vai ser nosso patrão? Um coreano, um chinês? A ideia de que o negócio ia para o buraco nós não tínhamos".

A frequência ao escritório continou mesmo depois da quebra do Lehman, já que no dia do anúncio da concordata o banco informou que as subsidiárias do Lehman, como era o caso do Brasil, seguiriam em operação. "Nós, os funcionários no Brasil, continuamos um mês e meio indo lá. De 15 de setembro até 30 de outubro", relembra. "Parte do tempo passávamos montando apresentações para tentar vender a empresa e receber logo", diz.

Reunião e hostilidade
O sentimento de revolta dos antigos funcionários do Lehman ficou mais evidente em uma reunião de junho na matriz de Nova York com o presidente e executivo-chefe do banco, Richard Fuld, da qual Fakhoury participou por meio de videoconferência.

"O clima foi muito hostil, porque a ação do Lehman já tinha caído muito. O presidente do Lehman foi falar do futuro e das estratégias da empresa e os funcionários foram hostis. Questionavam ‘por que você não vendeu a empresa?’ Ele rebatendo a hostilidade dos próprios funcionários. O que era para ser uma reunião de funcionários, de estratégias, virou lavagem de roupa suja".

Espera no bar
No domingo, 14 de setembro de 2008, caiu por terra a última esperança de salvação do Lehman, aguardada ansiosamente pelos funcionários. A solução inicial, que incluía a venda de seus ativos rentáveis ao grupo britânico Barclays, foi abandonada depois que a instituição do Reino Unido renunciou, por causa da negativa do Tesouro dos EUA em dar respaldo financeiro à operação.

"No domingo de manhã já se sabia disso. Em Nova York, havia uma turma do Lehman bebendo em um bar ao lado do banco, esperando para ver o que ia acontecer. No fim da tarde, depois do anúncio, decidiram começar a pegar as coisas antes que chegasse o pessoal da intervenção na segunda".

Caixa para indenização
"Um dia nós de São Paulo nos reunimos informalmente, fomos no cara que cuidava de finanças e definimos que a empresa teria que ter caixa para não ir à falência caso a matriz quebrasse.  Passamos a deixar um volume extra em caixa reservado para o caso de precisarmos demitir e pagar indenizações. Quando o Lehman quebrou, havia três meses de caixa para pagar todas as despesas do banco".

Efeitos na família
"Na época eu tinha um ano de casado, mas não tinha filho. Se tivesse planos de ter naquela época, teria adiado. Minha esposa ficava preocupada, comia as unhas na frente da TV comigo. No domingo final, ela ficou grudada comigo na frente da TV como se fosse para assistir à final da Copa do Mundo. Eu não queria parecer preocupado, mas estava".

Mercado depois do Lehman
Para Fakhoury, trabalhar no mercado financeiro ficou menos atraente depois do episódio do Lehman.

"Quando fui para outro banco depois da quebra do Lehman, odiei o ambiente psicológico. Fui me queixar do descumprimento de um acordo e ouvi: fica quieto que você tem emprego. Olha o tanto de currículo que eu tenho aqui de gente boa que está em casa, e abriu uma gaveta cheia de currículo. Pedi demissão. Em 2009 eu percebi que esse ia ser o clima do mercado financeiro. O mercado financeiro ficou menos atrativo porque você não tem perspectiva de ser valorizado pelo seu trabalho".

Futuro da crise
"Hoje sou gestor de um fundo macro que opera no mundo inteiro e expresso minhas opiniões sobre o cenário global nesse fundo", diz Fakhoury, que vê tempos ruins para a economia mundial.

"Eu acho que 2008 está voltando para nos assombrar e a sensação que eu tenho é de que vai ser pior. As armas que nós tínhamos já usamos, os governos jogaram dinheiro em cima dos bancos, fizeram tudo o que puderam. Tem um limite de endividamento que está gerando problemas para muitos países. Como a Itália vai salvar os bancos, tão endividada? A Irlanda foi salvar e quebrou".

Marcas pessoais
"Não querer trabalhar mais em banco foi o mais marcante que ficou em mim (da quebra do Lehman). A outra foi basicamente a maneira que eu enxergo a segurança financeira dos bancos hoje é bem diferente. Quando você põe o dinheiro no banco você não tem dinheiro, você tem a promessa de dinheiro. Dinheiro mesmo você tem quando tira e guarda na gaveta"".

"Como investidor eu também mudei depois da experiência do Lehman. Eu não compro mais nada enquanto não acabar essa crise bancária. A crise só vai acabar quando acabar de vez essa sujeira que tem nos bancos. Depois que isso acontecer que vai ser a hora de comprar".

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