• Ediane Tiago
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Cientista–chefe do Experian DataLab, Renato Vicente não gosta do termo inteligência artificial. Para ele, as máquinas são excelentes na força bruta dos cálculos. A análise dos dados cabe aos humanos  (Foto: Anna Carolina Negri)

O PROFISSIONAL DO FUTURO  Para aprimorar a capacidade do pensamento social, Renato sugere aos jovens que estudem filosofia (Foto: Anna Carolina Negri)

Na sala de estar do laboratório de inovação da Serasa Experian, a arte na parede se destaca no ambiente despojado. Nela, pontos e ramificações coloridas representam a interligação e a conexão dos diferentes projetos desenvolvidos ali. “A artista visual Thais Gil ficou dez dias traçando, com canetinha, a estrutura”, lembra Renato Vicente, professor de matemática aplicada na Universidade de São Paulo (USP) e cientista-chefe do Experian DataLabs. A inspiração, observa, veio da estrutura de neurônio desenhada pelo médico espanhol Santiago Ramón Y Cajal (1852-1934) que, em 1906, recebeu o Nobel de Medicina por suas pesquisas sobre o sistema nervoso. “As ilustrações de Cajal são belíssimas e nos ajudam a entender as sinapses humanas”, diz.

Mestre em física estatística pela USP e doutor em aprendizado de máquinas pela universidade britânica Aston, o cientista mistura arte, medicina e filosofia para explicar a aplicação de inteligência artificial (I.A.) aos negócios. Com voz pausada, lista as limitações da tecnologia e acha graça da ideia promovida pelos fornecedores sobre a capacidade das máquinas em resolver “qualquer coisa nas empresas”. Em São Paulo, ele chefia a equipe científica brasileira do Grupo Experian. A meta do time é desenvolver soluções para permitir expansão dos serviços financeiros e de informação, como contou Renato a Época NEGÓCIOS.

Época NEGÓCIOS Quais são os principais objetivos da estrutura de desenvolvimento no Brasil?
Renato Vicente Nosso objetivo é olhar o futuro da empresa, conectar os negócios com o que há de mais novo na área de tecnologia da informação. Sair do mundo das ideias para o das aplicações. Para isso, é necessário unir a base científica, a engenharia e as pessoas. Na primeira etapa, temos de entender se é possível tocar o projeto pela análise conceitual e teórica. A partir daí, verificamos se a tecnologia disponível é capaz de responder à demanda e apresenta custos viáveis. Já a terceira ponta está ligada a uma área que eu chamo de socio-técnica. Envolve os profissionais e a área de negócios. Este é o nosso maior desafio. Por mais promissora que seja a tecnologia, ela só vence essa barreira se gerar valor para a empresa e o mercado. No fim das contas, os gestores querem operar dentro das regras do segmento e com credibilidade. Na nossa área, confiança é o principal ativo.

Cientista–chefe do Experian DataLab, Renato Vicente não gosta do termo inteligência artificial. Para ele, as máquinas são excelentes na força bruta dos cálculos. A análise dos dados cabe aos humanos  (Foto: Anna Carolina Negri)

NEGÓCIOS Qual é o papel da inteligência artificial na estratégia corporativa?
Renato
 Primeiro é preciso esclarecer que eu não gosto do termo inteligência artificial. É muito difícil definir inteligência. Assim como é difícil explicar a vida. O que hoje temos, de fato, é um conjunto de técnicas de aprendizado de máquinas. Essas ferramentas nos permitem ensinar sistemas a lidar com grandes quantidades de dados, automatizar processos e eliminar ineficiências. É mais uma questão racionalizar os recursos. Tornar a companhia eficaz e prepará-la para novos modelos de negócio.

No nosso caso, a tecnologia possibilita a análise de um conjunto de dados fora do alcance humano. Isso acontece porque não temos competência para isso? Não. É porque não dá para competir com as máquinas na força bruta de cálculo. O poder computacional disponível hoje traz aos computadores a capacidade de realizar cálculos complexos em segundos, encontrar padrões, agrupar informações e nos recomendar ações com base no histórico. A ideia é olhar para os resultados encontrados e desenvolver os negócios.

NEGÓCIOS Se a tecnologia é um complemento ao raciocínio humano, por que a maioria das pessoas teme os robôs e a inteligência artificial?
Renato
 No campo das ciências cognitivas há muita fantasia. As pessoas acham que um robô vai chegar para assumir o lugar delas. Simples assim. Entre a ficção científica e a realidade há muita diferença. Pense em um robô. É um sistema isolado, uma máquina programada para exercer determinadas funções, em uma linha de montagem, por exemplo. Ela traz eficiência imediata e, hoje, pode até falar em linguagem natural. Mas essas capacidades são programadas, ensinadas e treinadas por um humano. Acho que atrás de toda essa fumaça há um problema ético: como nós vamos nos comportar, como sociedade, em um mundo no qual podemos programar máquinas para realizar diversas tarefas? Como vamos escrever esses códigos, com quais valores? Esse é o desafio das pessoas. Mas ainda estamos apegados ao fato de que as máquinas vão nos substituir em tarefas mecânicas e repetitivas, tanto físicas quanto intelectuais.

Aqui na Serasa Experian, a análise de crédito funciona como uma linha de montagem. É um processo industrial mesmo. Se eu automatizo as tarefas pouco intelectualizadas, terei, na ponta, analistas humanos mais preparados para avaliar as técnicas de negócios e serei mais assertivo nas análises. As máquinas são muito limitadas para analisar contexto e vão trabalhar nas probabilidades. Só um ser humano é capaz de olhar, por exemplo, se um cliente, que vive em uma região pobre, é um bom pagador. Não dá para discriminar porque ele vive em determinado bairro. O contexto vai além do endereço, leva em conta muitas outras coisas.

Cientista–chefe do Experian DataLab, Renato Vicente não gosta do termo inteligência artificial. Para ele, as máquinas são excelentes na força bruta dos cálculos. A análise dos dados cabe aos humanos  (Foto: Anna Carolina Negri)

NEGÓCIOS Que conselho você dá para quem quer atuar nas profissões do futuro?
Renato
 Todo mundo fala para as pessoas estudarem programação, ciência de dados... Mas, em poucos anos, as máquinas vão se programar sozinhas, a partir da descrição de necessidade feita por um humano. Então, eu aconselho os jovens a estudarem filosofia, a ciência irmã da matemática, para aprimorarmos nossa capacidade de pensamento social. Teremos muitos desafios à frente, que vão da ética nos negócios às questões coletivas. Precisamos de mais pensadores, não de tarefeiros.