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Saúde Coronavírus

Estratégia do Brasil contra coronavírus falhou na Europa

Países que evitaram crescimento exponencial ou frearam epidemia estão todos na Ásia e implementaram testagem maciça de casos e restrição de circulação
Soldados sul-coreanos limpam portas de escola com desinfetante Foto: KIM KYUNG-HOON/REUTERS
Soldados sul-coreanos limpam portas de escola com desinfetante Foto: KIM KYUNG-HOON/REUTERS

RIO e SÃO PAULO — Após dois meses e meio de epidemia do novo coronavírus , só um grupo seleto de países está conseguiu reverter ou evitar o crescimento exponencial de casos. Quase todos os bons exemplos estão na Ásia , e implementaram estratégias que o Brasil não adotou ainda — principalmente a testagem maciça de casos e medidas draconianas de isolamento social.

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Casos de sucesso em evitar um aumento súbito no número de infectados são centros urbanos mais isolados, como Cingapura ou Hong Kong , mas mesmo países inteiros que chegaram a perder o controle da epidemia , como a Coreia do Sul e a própria China , já conseguiram reverter a tendência explosiva que vinha se desenhando na epidemia.

O Brasil está num momento ainda relativamente precoce da epidemia, com 200 casos , mas já com transmissão comunitária do vírus . Segundo especialistas, ainda é possível tentar reverter a tendência mais nefasta de expansão, mas com medidas de isolamento ainda relativamente tímidas será difícil atingir resultados, afirmam.

Exemplos mais preocupantes de o que pode acontecer estão na Itália e no Irã , onde a capacidade de acomodação de pacientes graves não deu conta da epidemia, mas a Espanha e a Alemanha também estão vendo uma tendência preocupante agora.

Vista geral da Praça de São Pedro após o Vaticano: Papa critica medidas draconianas contra o novo coronavírus, em referência indireta à Itália Foto: Remo Casilli/Reuters
Vista geral da Praça de São Pedro após o Vaticano: Papa critica medidas draconianas contra o novo coronavírus, em referência indireta à Itália Foto: Remo Casilli/Reuters

Segundo Paolo Zanotto, virologista do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, já é possível identificar os fatores que resultaram na desaceleração da epidemia.

— Um é o distanciamento social, independentemente de se atingir isso de maneira impositiva ou advinda do entendimento das pessoas — diz o cientista. — A segunda coisa é a testagem maciça. Isso evita que a transmissão escape do controle. Quando você tem um paciente que testou positivo, e todos os contatos dele são avaliados por PCR (diagnóstico genético), aqueles que foram positivos imediatamente são identificados, e assim vai se fazendo com os contatos dos contatos.

Reação asiática

Alguns cientistas ainda se questionam se o Brasil ou mesmo a Europa têm condidões de implementar medidas como as asiáticas.

A China, onde emergiu o patógeno, isolou em poucas semanas a província de Hubei , epicentro do surto, restringindo a circulação de mais de 40 milhões de pessoas. O governo recorreu a medidas mais radicais quando a Covid-19 se expandiu, como controlar o movimento da população através de um software instalado em smartphones, que mede a temperatura do indivíduo e determina se ele deve ficar em quarentena.

A Coreia do Sul adotou uma campanha em massa de exames de diagnóstico — foram mais de 222 mil até 11 de março. Para isso, usou detetives médicos e colocou 29 mil pessoas em autoisolamento, monitoradas à distância. O governo também usou câmeras de vigilância para monitorar por onde passaram os contaminados.

O Japão suspendeu aulas e aprovou um pacote de emergência de US$ 2,5 bilhões para minimizar o impacto do coronavírus na economia. Os especialistas decidem quem precisa fazer os exames, priorizando idosos, pessoas com pneumonia ou que tiveram em área de risco. Mais de 10 mil pessoas já passaram por testes.

Autoridades brasileiras começaram a adotar mais medidas de isolamento social nesta semana, como os estados de São Paulo e Rio, que já planejaram suspensão de aulas na rede pública. O presidente Jair Bolsonaro, porém, não abriu mão de estimular manifestantes a comparecerem a protestos públicos e receber apoiadores na entrada do Palácio do Planalto em Brasília.

Testes em massa

A testagem em grande escala, recomendada pela missão da OMS (Organização Mundial da Saúde), que analisou o sucesso tardio da China, encontra um número menor de apoiadores no país. A entidade recomenda rastreamento “meticuloso” de contatos de todos os doentes diagnosticados para aplicação dos testes.

Entretanto, o coordenador do centro de resposta ao coronavírus do Estado de São Paulo, o médico David Uip, é contra a testagem em massa de pessoas sem sintomas . A Sociedade Brasileira de Infectologia também enxerga o risco de esgotamento de insumos, porque os kits de diagnóstico PCR são um recurso finito e caro.

Ricardo Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde da Fiocruz, afirma que o Brasil precisa mesmo levar em conta a escassez de recursos em seu planejamento, mas defende critérios de testagem menos restritivos que os de hoje.

Situação do Brasil na luta contra o coronavírus Foto: Editoria de Arte
Situação do Brasil na luta contra o coronavírus Foto: Editoria de Arte

As nações mais críticas Foto: Editoria de Arte
As nações mais críticas Foto: Editoria de Arte

As nações que estão adotando políticas bem sucedidas Foto: Editoria de Arte
As nações que estão adotando políticas bem sucedidas Foto: Editoria de Arte

— A testagem em larga escala ajuda, indiscutivelmente, e acredito que deveríamos apostar nessa testagem, mas ela, por si só, não vai resolver o problema aqui — afirma Venâncio.

Para ele, problemas mais simples podem surpreender:

— Como recomendar uso de álcool gel para milhões de brasileiros que estão desempregados? — diz.

Independentemente de o Brasil querer (ou poder) seguir o modelo mais rigoroso que países asiáticos estão adotando para frear e monitorar a epidemia, a análise de dados está deixando preocupados os cientistas que olham exclusivamente para os números da epidemia no Brasil. É o caso do físico Sílvio Ferreira, que trabalha com simulações matemáticas na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e vem analisando os números da Covid-19 desde o início.

Segundo ele, esperar a situação se agravar para agir pode ser fatal.

— Quando você toma medidas drásticas hoje, você começa a ver resultados só depois de duas a três semanas — diz o cientista.

Segundo ele, é preciso cautela em comparar países em estágios diferentes da epidemia, mas a curva de crescimento dos casos no Brasil se assemelha mais à da Espanha, onde a epidemia explodiu na última semana, do que com a do Japão, que teve a epidemia semeada há mais tempo, mas tem muito menos casos.

Dados em perspectiva

Zanotto, da USP, afirma que autoridades de saúde no Brasil precisam repensar suas convicções pessoais agora na hora de escolher qual modelo seguir.

— O que eu acho ou deixo de achar agora não interessa. O que interessa são os dados — diz o cientista.

— Precisamos ver os dados, analisar quais são as curvas de crescimento que conseguiram se achatar e descobrir o que eles fizeram nesses países.