Política

Decreto do governo Bolsonaro mantém apenas 32 conselhos consultivos

Número representa apenas 1,2% do total de 2.593 colegiados ligados à administração federal, como mostra levantamento do Ministério da Economia; há exceções preservadas, como 996 órgãos de universidades
Em abril, na cerimônia em comemoração aos primeiros 100 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que extingue colegiados ligados à administração federal; 32 órgãos consultivos de participação popular foram mantidos Foto: Jorge William / Agência O Globo
Em abril, na cerimônia em comemoração aos primeiros 100 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que extingue colegiados ligados à administração federal; 32 órgãos consultivos de participação popular foram mantidos Foto: Jorge William / Agência O Globo

RIO E BRASÍLIA — Anunciado com o propósito de “despetizar” o governo e reduzir gastos e entidades considerados supérfluos, a extinção de órgãos colegiados ligados ao Executivo federal começou a sair do papel na sexta-feira. Com o fim do prazo dado em abril pelo Planalto para a extinção de conselhos , comissões e afins, o presidente em exercício Hamilton Mourão assinou decreto que manterá em funcionamento 32 comitês consultivos.

Com a medida, o corte na administração será profundo: esses conselhos recriados representam apenas 1,2% do total de 2.593 colegiados ligados ao governo, como mostra levantamento do Ministério da Economia obtido pelo GLOBO. Não significa, contudo, que todos os demais serão extintos.

Estão preservados, por exemplo, os 996 (38% do total) colegiados ligados a instituições federais de ensino. Além disso, em junho, respondendo a uma ação da oposição, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo não poderia extinguir os órgãos criados por lei — apenas os instituídos por decreto. Existem 863 conselhos nestes dois grupos, mas o Ministério da Economia ainda não sabe identificar quantos foram criados por decreto e quantos por lei.

Pelo levantamento, há ainda 734 órgãos criados por atos internos, como portarias, e que estão aptos a ser extintos desde ontem. Entre eles, há os que abordam temas como diversidade, ações para refugiados, corrupção, criminalidade e questões de saúde e escolaridade indígena.

O texto do decreto de extinção de conselhos assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 11 de abril havia dado um prazo para que o governo recebesse propostas de recriação de colegiados. A Secretaria-Geral da Presidência informou que recebeu 129 pedidos, e que o “primeiro ciclo de análise” resultou na recriação de 32 conselhos feita ontem.

O texto assinado por Mourão “não esgota a possibilidade a criação de novos colegiados que o interesse público se justifique”, segundo o governo. Dentre os grupos mantidos estão as comissões de ética da Presidência e de erradicação do trabalho escravo, os conselhos de combate à discriminação e de imigração (veja lista completa no fim da matéria).

Ao anunciar a revogação do Plano Nacional de Participação Social (PNPS), criado no governo Dilma e que obrigava órgãos da administração direta e indireta a criarem estruturas de participação social, o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni disse que os conselhos integrados à sociedade “vinham de uma visão completamente distorcida do que é representação e participação da população”:

De acordo com o plano, os conselhos serviriam para engajar representantes do governo e da sociedade no desenvolvimento e acompanhamento de políticas públicas relacionadas a temas diversos. Eles são consultivos e não têm, em geral, poder decisório.

Visão ideológica

Para além dos processos de desburocratização e racionalização de gastos, a intenção da Casa Civil era acabar com os conselhos de participação social, grupo que estaria impregnado pela “visão ideológica das gestões anteriores”, nas palavras de Lorenzoni.

— Esses 700 conselhos criados pelo governo do PT traziam pagamentos de diárias, passagens aéreas, hotelaria, alimentação, recursos para essas pessoas, recursos que eram carreados para pessoas que não tinham nenhuma razão de estar aqui, apenas para consumir recursos públicos e aparelhar o Estado brasileiro.

Para tentar coibir os gastos, o governo Bolsonaro estabelece que, de agora em diante, colegiados em que os integrantes estejam em outros municípios participem das reuniões, geralmente concentradas em Brasília, por videoconferência. O pagamento de diárias e passagens só deve acontecer diante da comprovação de disponibilidade orçamentária.

No entanto, o Ministério da Economia e a Casa Civil informaram que ainda não é possível fazer um levantamento conclusivo sobre quanto será economizado nos gastos com os colegiados antes e após a extinção de cerca de 700 órgãos.

Conforme o documento feito pelo Ministério da Economia, a pasta com o número recorde de colegiados atualmente é a própria Economia (com 238, ao todo), seguida pela Agricultura (147), Defesa (107) e Segurança Pública (105). As mais enxutas são a Infraestrutura (11), Minas e Energia (7) e o Turismo (3). Não há indicação, no levantamento, de quantos são os órgãos colegiados que envolvem participação social, quais deles estão ativos ou inativos e o custo estimado de sua manutenção.

Um deles é a Comissão Nacional de HIV/ Aids (Cnaids), ligada ao Ministério da Saúde. Integrante da Cnaids, a professora Georgina Machado, de Sergipe, diz que o órgão seguiu funcionando desde abril, quando o governo determinou ontem como prazo para a extinção formal. Entre as demandas cujos debates ela já participou estão a utilização da camisinha feminina e o controle da sífilis.

— Seguimos tentando mostrar a importância dos conselhos para uma boa resposta brasileira à epidemia do HIV/Aids no Brasil — afirma Georgina, que contava com passagens pagas pelo governo e ajuda de custo de R$ 300, referente a hospedagem e deslocamento.

A Cnaids foi instituída em 1986, e é formada por representantes da sociedade civil, instâncias governamentais e da comunidade científica. A Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids) afirmou que o governo demonstra “uma linha autoritária e antidemocrática”, com “restrições à sociedade civil para participar da elaboração, fiscalização e processos decisórios sobre políticas públicas”.

CONSELHOS FEDERAIS LIGADOS AO GOVERNO
Levantamento do Ministério da Economia identificou 2.593 órgãos colegiados ligados ao governo federal
734
996
Colegiados ligados a institutos federais de ensino
Criados por atos internos do governo federal
Extintos desde ontem
Não poderão ser extintos, por decisão do STF
Total de
colegiados
2.593
863
Os criados por lei só podem ser extintos com autorização do Congresso
O próprio governo não identificou se foram criados por decreto ou por lei
Desde abril, o governo recebeu 129 propostas para permanência de conselhos. Ontem, quando foi efetivada a extinção de mais de 700 deles, houve a
recriação de 32
considerados imprescindíveis.
São eles:
• Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e da Vice-Presidência da República.
• Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua
• Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa
• Comitê de Orientação Estratégica do Programa Brasil Mais Produtivo
• Conselho Nacional de Política Cultural
• Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública
• Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional e sobre o Comitê de Avaliação e Seleção de Conselheiros do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional
• Comitê da Política Nacional de Biocombustíveis
• Comitê RenovaBio
• Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
• Comitê Nacional de Investimentos no âmbito da Câmara de Comércio Exterior
• Junta de Execução Orçamentária
• Conselho Nacional de Combate à Discriminação
• Comitê de Segurança Operacional da Aviação Civil Brasileira
• Comissão Permanente para o Aperfeiçoamento da Gestão Coletiva
• Comissão Coordenadora para os Assuntos da Organização Marítima Internacional
• Comitê Gestor da Política Nacional de Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas
• Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
• Comissão Permanente do Sistema de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social
• Conselho Gestor do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas
• Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos contra a Propriedade Intelectual
• Ponto de Contato Nacional para a implementação das Diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico para as Empresas Multinacionais
• Conselho Nacional de Imigração
• Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional
• Sala de Inovação no Poder Executivo federal
• Comitê Gestor da Sala de Inovação
• Conselho Consultivo da Sala de Inovação
• Conselho Gestor
• Grupo Técnico Interministerial de Análise de Processos Produtivos Básicos
• Fórum Nacional de Ouvidores do Sistema Único de Segurança Pública
• Colegiados do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro
• Comitê Gestor de Indicadores e Níveis de Eficiência Energética
CONSELHOS FEDERAIS
LIGADOS AO GOVERNO
Levantamento do Ministério da Economia identificou 2.593 órgãos colegiados ligados ao governo federal
996
Colegiados ligados a institutos federais de ensino
Total de
colegiados
2.593
863
734
O próprio governo não identificou se foram criados por decreto ou por lei
Criados por atos internos do governo federal
Os criados por lei só podem ser extintos com autorização do Congresso
Extintos desde ontem
Desde abril, o governo recebeu 129 propostas para permanência de conselhos. Ontem, quando foi efetivada a extinção de mais de 700 deles, houve a
recriação de 32
considerados imprescindíveis.
Dentre eles:
Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e da Vice-Presidência da República.
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa
Conselho Nacional de Política Cultural
Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos contra a Propriedade Intelectual
Conselho Nacional de Imigração
Colegiados do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro