Por Poliana Casemiro, G1 Vale do Paraíba e região


Sônia Guimarães foi a primeira mulher negra professora no Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA) de São José dos Campos — Foto: Simone Gonçalves/ G1

Sônia Guimarães foi a primeira mulher negra professora no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) de São José dos Campos. Ela entrou para a sala de aula do ITA quando as mulheres ainda não eram aceitas no vestibular da instituição militar mais tradicional do país.

As roupas coloridas e a risada alta contrastam com os corredores silenciosos dos laboratórios e com as fardas azuis dos militares da instituição. Professora de física há 26 anos no ITA, ela também é pesquisadora na área - onde a presença feminina é ainda menor.

Sônia decidiu pela Física em 1976, quando saiu da escola pública para a concorrida Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A sala era composta por 50 alunos, onde apenas cinco eram mulheres. Ela deixou a casa dos pais, tapeceiro e comerciante, para estudar fora aos 19 anos. “Eles tinham orgulho, era a primeira mulher da minha família a ir para a faculdade”, conta.

Escolheu a carreira acadêmica e partiu da graduação para o mestrado e doutorado - o último feito na Inglaterra. E, como se isso já não fosse grande para a menina que deixou a casa dos pais, entrou para o ITA em 1993 como um marco.

Era a primeira negra da instituição, que tinha um número pequeno de docentes mulheres. Sônia conta que sempre defendeu a presença feminina nas exatas e que era um contraste ser professora no ITA, que passou a aceitar mulheres como alunas apenas três anos após sua entrada.

Mais de vinte anos depois, o número de mulheres é ainda restrito – entre os 110 aprovados em 2018, apenas sete eram meninas. Nos últimos cinco anos, o ITA recebeu 700 alunos e desses apenas 60 eram mulheres, segundo os dados do próprio instituto.

“É uma instituição conservadora, masculina e branca. Mas aos poucos estamos ganhando espaço. Isso tudo era restrito e anos de exclusão são revertidos aos poucos".

"O conservadorismo pode até desacelerar esse processo, mas hoje já não é mais capaz de nos parar”, disse.

Sônia Guimarães durante aula no ITA em São José — Foto: Simone Gonçalves/ G1

Mulheres na pesquisa

Os números do instituto acompanham um cenário nacional. A presença feminina em cursos que envolvem tecnologia e exatas é baixo e o índice de mulheres empenhadas na geração de conhecimento com pesquisas acadêmicas ainda mais tímido.

De acordo com os dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), até 2015 eram apenas 12 mil mulheres envolvidas com pesquisa em tecnologia, exatas e engenharias. O número de homens atuando nessa área é de 22,4 mil.

“Eu sabia que minhas escolhas eram difíceis para as outras pessoas, mas não para mim. Sabia que seria a derradeira entre tantos diferentes de mim”, explica.

Sônia faz parte de uma fatia ainda menor. Um levantamento do conselho feito em 2015 apontou que as mulheres negras representam 26% do número de mulheres pesquisadoras.

Aos 61 anos, é doutora em semicondutores e até 2016 liderava uma pesquisa sobre o desenvolvimento de sensores de calor nacionais. Além do Lattes, frisa uma a uma outras atribuições do currículo de docente: é mantenedora da universidade Zumbi dos Palmares, trabalha em projetos que envolvem educação para estudantes de áreas carentes e de frentes feministas.

“Eu sei dos números que eu represento e quero que outras mulheres olhem para mim e vejam que é possível. Eu combato todos os dias um cenário que contrasta de mim só por estar aqui, mas eu quero mais que isso. Precisamos entender que todos os ambientes são nossos e lutar uns pelos outros”, completa.

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