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Economia

Parlamentares e analistas temem que efeitos da reforma tributária fiquem para 2022

Se a votação não avançar no primeiro semestre, corre o risco de ficar para 2021 e só entrar em vigor no ano seguinte
Calculadora Foto: O Globo / Arquivo
Calculadora Foto: O Globo / Arquivo

BRASÍLIA - O plano traçado no fim do ano pelo governo e pelo Congresso para agilizar a tramitação da reforma tributária começou com atraso. Anunciada em dezembro , a comissão de deputados e senadores que deveria ter trabalhado durante o recesso para unificar as duas propostas no Congresso ainda não saiu do papel.

Se não avançar no primeiro semestre, a votação da medida corre o risco de ficar para 2021 e só entrar em vigor em 2022, último ano do mandato, dizem analistas e parlamentares.

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Novos impostos só passam a valer no ano seguinte à sua aprovação. A possibilidade de um adiamento é acompanhada com atenção pelo empresariado, que considera a proposta uma prioridade para melhorar o ambiente de negócios.

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Por enquanto, o clima entre representantes do setor produtivo é de expectativa.

- A gente sabe que precisa de uma discussão mais ampla, há pontos a se equacionar, mas a sinalização dos presidentes das duas Casas é de agilizar - diz o gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

Para a Confederação Nacional do Comércio (CNC), a reforma é “urgente e prioritária”, disse a entidade, em comunicado. A organização não respondeu se espera que a reforma seja aprovada em 2020.

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No último ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil caiu da 109ª posição, em 2018, para a 124ª, em 2019, na avaliação da facilidade de fazer negócios. No quesito burocracia para pagar impostos, o país é o pior da lista.

Os países do mundo onde mais se leva tempo
para pagar impostos
Em número de horas por ano
Média da OCDE
(países ricos)
Média da
América Latina
1.501
Brasil
Bolívia
Venezuela
Líbia
Chade
Equador
Gabão
Camarões
1.025
O Brasil é o pior país do ranking
920
889
834
664
632
624
158,8
317,1
Os países do mundo
onde mais se leva tempo
para pagar impostos
Em número de horas por ano
Média da OCDE
(países ricos)
Média da
América Latina
1.501
Brasil
Bolívia
Venezuela
Líbia
Chade
Equador
Gabão
Camarões
1.025
920
889
834
664
632
624
158,8
317,1
O Brasil é o pior país do ranking

Divisão do mundo político

Hoje, duas propostas tramitam no Congresso para mudar esse quadro: uma na Câmara e outra no Senado. Em 18 de dezembro, após se reunir com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que uma comissão para unificar esses dois projetos seria criada no dia seguinte. A promessa não se concretizou, e o colegiado só será instalado no mês que vem.

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Segundo técnicos envolvidos na elaboração das propostas, nem reuniões informais ocorreram durante o recesso, como chegou a prometer Alcolumbre em dezembro. Indicado para presidir o grupo, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) chegou a planejar uma viagem internacional a França, Austrália e Canadá como primeira ação do colegiado. A ideia não avançou durante o recesso.

No governo, a estratégia continua a ser enviar de forma fatiada sugestões para a reforma que será desenhada no Congresso. Nesta segunda-feira, ao voltar das férias, Guedes bateu o martelo sobre a criação de uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), imposto sobre consumo que unificará tributos federais.

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Se a reforma está avançada do ponto de vista técnico, a articulação política precisa avançar, disse uma fonte que atua na elaboração de um dos projetos. Segundo este técnico, uma vez batido o martelo sobre que desenho é consenso, os ajustes técnicos podem ser feitos em questão de dias.

Em dezembro, ao fazer um balanço de fim de ano em entrevista à imprensa, Guedes admitiu que o calendário para aprovar propostas em 2020 será curto.

— Como é ano eleitoral, todo mundo sabe que maio, junho, julho é final de ano — comentou o ministro.

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A leitura é a mesma de analistas políticos. Na avaliação de Cristiano Noronha, sócio da consultoria Arko Advice, é possível que a proposta só seja aprovada no ano que vem.

— Ao longo dos últimos anos, houve um aprofundamento do debate da reforma da Previdência, em que a mídia e a sociedade entenderam bastante a necessidade das mudanças. Era uma reforma que unia o mundo político, embora dividisse a sociedade. A reforma tributária divide quem decide, divide o mundo político. Ainda não existe um consenso no mundo político — pontuou o analista.

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No Legislativo, a capacidade de aprovação de medidas no ano que vem também é vista com cautela.

— Se não sair no primeiro semestre, no segundo é mais difícil, por causa das eleições — comenta o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA).

A regra que diz que um novo imposto só passa a valer no ano seguinte ao da sua aprovação é chamada por especialistas de princípio da anterioridade. Isso vale, por exemplo, para a criação do chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ponto central das duas propostas que tramitam hoje no Legislativo.

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O tempo gasto para abrir uma empresa
21,5
São Paulo
13,5
Rio de Janeiro
0,5
Nova Zelândia*
Média da OCDE
(países ricos)
9,2
28,8
Média na América
Latina
* Primeira neste ranking
O tempo gasto para abrir
uma empresa
21,5
São Paulo
13,5
Rio de Janeiro
0,5
Nova Zelândia*
Média da OCDE
(países ricos)
9,2
28,8
Média na América
Latina
* Primeira neste ranking

Leis complementares

O tributarista Paulo Henrique Pêgas, professor do Ibmec-RJ, explica que a regulamentação vale também para as leis que precisarão ser aprovadas para regular o novo tributo, depois que o sistema for criado por emenda à Constituição.

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— Tudo o que for debatido e aprovado em 2020 referente a Imposto de Renda, ICMS, ISS e tributos sobre patrimônio só entrará em vigor em janeiro de 2021. Entrariam em vigor no prazo de 90 dias eventuais mudanças em IPI, PIS, Cofins e na CSLL. (A reforma) não pode passar de 2020 — diz o especialista.

A aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) seria apenas o primeiro passo para a reformulação do sistema de impostos. Uma vez alterada a Carta, serão necessárias leis complementares para que os novos impostos passem a valer.

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A advogada Ariane Guimarães, sócia do escritório Mattos Filho, reforça a necessidade de regulação. Para ela, é importante ter em mente que as mudanças no sistema tributário serão graduais. E lembra que hoje é difícil estimar os ganhos para a economia com a medida:

— Acredito que deve demorar a vermos efeitos práticos. Vamos ter a coexistência do sistema velho com o novo. Já tivemos essa experiência, e ela mostra que os sistemas ficam mais complexos durante a primeira etapa. É um preço que todos vão pagar juntos, para um bem maior a longo prazo.

Onde é mais fácil fazer negócios
Posição
País
Posição
País
Rússia
China
Índia
África do Sul
Papua Nova Guiné
Suazilândia
Lesoto
Senegal
Brasil
Paraguai
Argentina
Somália
28º
31º
63º
84º
120º
121º
122º
123º
124º
125º
126º
190º
Nova Zelândia
Cingapura
Hong Kong
Dinamarca
Coreia do Sul
Estados Unidos
Geórgia
Reino Unido
Noruega
Suécia
10º
Onde é mais fácil fazer negócios
Posição
País
Nova Zelândia
Cingapura
Hong Kong
Dinamarca
Coreia do Sul
Estados Unidos
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Reino Unido
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125º
126º
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O que diz cada projeto

1 - A proposta que está no Senado

Unifica nove tributos — IPI, PIS, Cofins, Pasep, IOF, salário-educação, Cide Combustíveis (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) — e cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Prevê a divisão do imposto em dois, no sistema chamado de IVA dual. Os federais serão unificados e administrados pela União.

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Já ICMS e ISS serão geridos por estados e municípios. Não mexe no Imposto de Renda, mas prevê que ele agregue a Contribuição Social sobre Lucros Líquidos (CSLL). Está em análise na Comissão e Constituição e Justiça (CCJ), aguardando instalação da comissão mista.

2- O texto em tramitação na Câmara dos Deputados

Unifica cinco impostos — IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). Vai se chamar Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um tributo que incide sobre o consumo, assim como o ICMS. Esse tipo de tributo é conhecido por técnicos como Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Proíbe incentivos fiscais. Não prevê alterações no Imposto de Renda (IR). Está em análise na Comissão Especial, aguardando a instalação da comissão mista.

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3 - As mudanças sugeridas pelos estados

Unifica cinco impostos — IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). Também se chamaria Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Prevê que só estados e municípios alterem a alíquota do novo tributo. Preserva a Zona Franca de Manaus e cria um fundo de desenvolvimento regional.

Não prevê alterações no Imposto de Renda (IR). Foi apresentada como emenda à proposta que tramita na Câmara. Pode ser incorporado ou não ao texto. A decisão cabe ao relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

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4- As alterações que o governo pretende apresentar

Provavelmente começará pela unificação de PIS/Cofins. Foi cogitada a criação de um imposto sobre transações financeiras digitais. O governo defende a criação de um imposto sobre o consumo que unifique tributos federais. A ideia é agregar outros impostos aos poucos, mas sem impor a reforma a estados e municípios.

Quanto ao IR, a mudança ficará para uma próxima etapa e prevê a revisão de deduções com saúde e educação. A proposta ainda não chegou ao Congresso. A ideia é apresentar sugestões aos parlamentares, em vez de mandar um novo texto.