• Cleyton Vilarino
Atualizado em
STJ (Foto: STJ/Divulgação)

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A crise provocada pelo novo coronavírus pode ser o estopim para uma “enxurrada” de pedidos de recuperação judicial de produtores rurais após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de novembro do ano passado flexibilizar as regras para recuperação do setor agrícola. O acórdão considera atividade empresarial o período anterior ao pedido de registro na junta comercial, reduzindo em até dois anos o tempo de espera para que produtores pessoa física possam entrar com uma ação de recuperação.

“O acórdão do STJ torna o registro [na Junta Comercial] mera formalidade. A atividade empresarial é considerada anteriormente a ele”, explica advogado e sócio da Keppler Advogados Associados, Marcelo Alves Muniz. Segundo ele, a decisão garantiu maior segurança jurídica aos produtores interessados em pedir recuperação judicial. “Com base nisso a gente sentiu, sim, um aumento no número de consultas, tanto de produtores quanto de empresários”, conta Muniz.

De acordo com o vice-presidente da Comissão de Recuperação Judicial da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Mato Grosso, Antônio Frange Júnior, é esperada uma “enxurrada” de pedidos de recuperação conforme a mudança na interpretação do STJ se torne mais conhecida. “São cerca de 2% a 3% dos produtores que têm conhecimento disso. Eu acho que quando todos começarem entender o que é uma recuperação judicial, muitos irão atrás e podemos ter uma enxurrada de pedidos”, avalia o advogado, que destaca o momento atual como um fator a mais para o aumento dos pedidos.

“O cenário contribui muito a economia e a política, a instabilidade que tudo tem gerado,  então tudo isso gera muita insegurança e o agro sente”, aponta Frange Júnior. O vice-presidente da Comissão de Recuperação Judicial da OAB-MT estima que haja cerca de 30 ações de recuperação judicial de produtores agrícolas em tramitação no Estado.

No escritório da Keppler Advogados, Muniz ressalta que as consultas de produtores interessados no assunto dispararam a partir de março, sobretudo de Mato Grosso e Interior de São Paulo. “Vamos, sim, ter um aumento exponencial de pedidos de recuperação judicial em um momento breve”, conclui o advogado.

"Vamos, sim, ter um aumento exponencial de pedidos de recuperação judicial em um momento breve"

Marcelo Alves Muniz, advogado e sócio da Keppler Advogados Associados 

Risco para o crédito


Se a decisão do STJ gerou maior segurança jurídica para os pedidos de recuperação judicial dos produtores, para as instituições credoras do setor as mudanças geraram um grande prejuízo potencial. “O grande problema dessa decisão é a insegurança que ela gera, porque o banco concedeu o empréstimo numa situação e vai cobrar numa outra situação extremamente desfavorável”, explica Domingos Fernando Refinetti, advogado membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR).

Segundo Refinetti, a mudança na jurisprudência deve, no longo prazo, aumentar o custo do crédito agrícola no país, conforme as as instituições financeiras passem a precificar o risco de uma possível recuperação judicial do produtor. “Antes a garantia oferecida estava fora da lei de recuperações judiciais. A partir do momento que ela se torna suscetível à recuperação, os agentes econômicos vão precificar essa decisão, vão colocar o preço”, conclui o advogado.

Última opção


Embora pareça uma excelente solução para evitar a perda de patrimônio, a recuperação judicial é apontada como último recurso a ser usado em caso de endividamento do produtor rural. Além dos custos envolvidos, o processo de reestruturação da dívida e a apresentação de um plano de recuperação mexe com todos os setores da empresa. “A recuperação não resolve só o endividamento, ela aproveita para equacionar uma série de passivos para reestruturar a atividade como um todo e, muitas vezes, essa atividade tem que diminuir para poder crescer”, explica Muniz.

Com custos que podem superar 10 milhões de reais, a recuperação judicial é indicada para produtores com dívidas que superam o valor total dos seus ativos. “Ela é viável quando há um passivo muito alto ao ponto de não ser mais possível resolver. Um passivo do tamanho do ativo já é uma luz amarela”, aponta Frange Júnior. Com isso, as expectativas são de que esses pedidos concentrem-se entre médios e grandes produtores.

“A recuperação judicial vai interessar para aqueles produtores que têm um volume financeiro muito alto, com muito financiamento de banco e  que sofreu muito com oscilação de commodities nos últimos anos”, avalia Flávio Sanches, tributarista do CSMV Advogados e membro do Comitê Tributário da Sociedade Rural Brasileira (SRB).