O país corre o risco de ver a ciência e a educação serem “destruídas” até o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, em dezembro de 2022. O alerta é do professor da USP e ex-ministro Renato Janine Ribeiro, eleito para presidir a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) nos próximos dois anos. Com os recorrentes cortes de recursos e de incentivos às duas áreas, os retrocessos enfrentados tanto pela ciência quanto pela educação dificilmente serão superados no curto prazo.
Janine assumirá a presidência da principal organização da comunidade científica no país em julho. O professor de ética e filosofia política na USP foi ministro da Educação por seis meses na gestão Dilma Rousseff, em 2015, diretor de avaliação da Capes e colunista do Valor. Fez graduação, mestrado e doutorado em filosofia, e é livre-docente.
Os desafios para a ciência no país sob o governo Bolsonaro não são poucos. Na avaliação de Janine, há forte risco de sucateamento das universidades públicas pela falta de investimentos federais. “Corremos o risco de, nesse um ano e meio que falta do governo Bolsonaro, vermos a destruição da ciência e da educação no Brasil. Esse é um risco muito grande, é um problema crucial”, diz. “Se não tiver verbas para as universidades, metade delas poderá fechar seus laboratórios, perdendo tudo o que fizeram ao longo de anos.”
O professor cita como exemplo a possibilidade de o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desligar - por falta de recursos para pagar a energia elétrica consumida- o supercomputador Tupã, usado para monitorar condições climáticas, como estiagem. “O dinheiro que se poupa ao desligar um laboratório ou um equipamento é uma fração mínima em relação ao que se perde. Pode-se destruir o que foi feito ao longo dos anos”, afirma. Com a repercussão negativa sobre o possível desligamento por falta de recursos para pagar a energia elétrica, o Ministério da Ciência afirmou que comprará outro equipamento mais econômico para substituí-lo.
Janine critica também a decisão do governo de não priorizar recursos para o recenseamento da população, gerando dados atuais para serem usados na elaboração de políticas públicas. “O Brasil vai deixar de ajudar quem precisa e vai colocar verba onde não precisa porque não tem um retrato atual. Isso mostra o prejuízo gigantesco que se tem quando não se investe na ciência.”
O futuro presidente da SBPC diz que o país precisa conciliar de forma harmônica sete áreas para se desenvolver: ciência, educação, tecnologia, saúde, meio ambiente, cultura e inclusão social.
Como forma de driblar a falta de interesse do governo federal em investir em ciência, Janine propõe uma aliança com o Congresso, em busca de mais recursos e apoio. “Vamos ter que nos associar ao máximo a parlamentares e formadores de opinião, para conseguir desenvolver a ciência e mostrar a importância dela no desenvolvimento do país”, afirma. “É um ponto crucial. Teremos que fazer isso. Não podemos deixar o Brasil ser destruído no um ano e meio que falta. Temos que unir quem valoriza o patrimônio brasileiro nessa direção”, afirma. “E é muito importante que o Congresso esteja à altura da importância dele.”
O professor cita como um exemplo de sucesso dessa aliança entre a sociedade civil e o Congresso a aprovação do novo Fundeb, em 2020. “O governo federal está profundamente errado e a sociedade brasileira tem que colocar um basta nisso. O Fundeb foi um exemplo. O governo não tinha nenhuma proposta e queria que o Fundeb ‘morresse’. Mas o Congresso, com uma intensa mobilização social, aprovou. Temos que fazer ações desse gênero”, afirma.
Ao vencer a disputa contra o professor Carlos Alexandre Netto, ex-reitor da UFRGS, Janine afirma que buscará o adversário na eleição para ajudá-lo e diz que a comunidade científica está “muito unida”, para tentar enfrentar os retrocessos. “Em outros tempos, teve mais desunião, divergências. Mas nossa causa é um Brasil melhor. As diferenças que permanecem são menores.”
Janine critica a atuação do governo no combate à pandemia, com a aposta em medidas que contrariam a ciência, e diz que Bolsonaro faz uma espécie de “darwinismo social”, incentivando a ideia de que é “cada um por si”. “Temos um governo que entrou no caminho errado, não entendeu o mundo em que estamos. Tem uma visão muito atrasada.”