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‘Isolamento ajuda a suavizar o avanço do novo coronavírus’, diz presidente da Rede D'Or

Economista Paulo Moll diz que falta de insumos e treinamento de profissionais são grandes preocupações ao enfrentar ‘drama humano’
Paulo Moll preside rede com 50 hospitais no país Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Paulo Moll preside rede com 50 hospitais no país Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO - Aos 39 anos, Paulo Moll, como outros empresários da área da Saúde, comanda hoje um batalhão em busca de soluções para minimizar as projeções de aumento substancial dos casos de Covid-19 no Brasil até o fim deste mês. Há, no entanto, uma esperança em meio ao crescente número de contaminados e de mortos : os resultados do Rio indicam que o isolamento daqueles que podem ficar em casa tem ajudado a atenuar o crescimento da curva de contaminação.

O presidente da Rede D’Or , que tem 50 hospitais no país e é um termômetro da pandemia no sistema de saúde, alerta para o perigo da falta de equipamentos e conta que já teve compras da China confiscadas.

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O número de internados pela doença nos hospitais da rede no Rio era de 202 até esta quarta-feira. Em São Paulo, de 347. Pelos 50 hospitais da rede no país, há 629 pacientes ocupando leitos por contaminação do novo coronavírus. Desses, 384 estão em terapia intensiva, 116 deles com uso de ventilador. O total de médicos afastados até agora dos hospitais da rede com suspeita de Covid-19 é de 150.

Como o senhor desenha o cenário da pandemia diante do que vê em sua rede?

A gente tem acompanhado os casos por estado, Rio e São Paulo são os mais graves. Tem um crescimento importante, mas, se observarmos os últimos dias, não é no padrão que vemos na Europa. Obviamente ainda está muito cedo para chegar a qualquer conclusão. No Rio, nos últimos cinco dias, estamos crescendo na base de 20 a 30 casos por dia. Em São Paulo, até um pouco menos do que isso. Lá, o crescimento foi mais acentuado há duas semanas (de 187 para 313 casos). Continua crescendo, mas com uma certa desaceleração média. O Rio não teve esse movimento de São Paulo, de acelerar tanto, continua crescendo, mas também tem crescimento exponencial. Na projeção do Instituto D’Or, montada em janeiro, o pico será entre 20 e 27 de abril. A nossa hipótese é que o lockdown (o isolamento) está ajudando a suavizar esse crescimento. Isso tem dado certo em outros países, e o ministro (Henrique Mandetta, da Saúde) tem repetido sempre sobre a necessidade do período de isolamento. A gente espera que esses números se mantenham de maneira controlada.

Estão acompanhando o número de funcionários afastados por estarem com o vírus?

O gabinete de crise que montamos está monitorando os afastamentos. São no Brasil todo, na Rede D’Or, 500 profissionais afastados, num universo de 100 mil. O afastamento é de fato maior. O histórico era a metade disso.

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Quantos médicos da rede se contaminaram?

Do total, 150 foram afastados por questões de coronavírus, por suspeição, e fazem o teste. A maioria volta em uma semana depois do teste. Se for positivo, volta em 14 dias. Estamos fazendo suporte psicológico a todos os funcionários, aos médicos e também aos familiares, que não podem ter contato com o paciente. O único contato que têm é por telefone. É obviamente um drama humano tremendo.

Qual o total de leitos e o total de UTIs da rede, e qual é o número de casos por leitos?

São 7 mil leitos. Hoje ocupados por pacientes com Covid-19 na rede toda, temos 384 em terapia intensiva, de um total de 629. Ontem tínhamos 545. Desses 384, 116 estão com uso de ventilador, 30% deles. Ainda sobre a proteção a profissionais de saúde, temos feito tratamento exaustivo.

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O número de casos de infecções respiratórias aumentou?

Ainda não é época. A época das doenças sazonais respiratórias é em maio e abril. Não é o momento de esperar essas outras infecções. A epidemia se antecipou em relação às infecções respiratórias.

Como evitar a contaminação entre pacientes?

Temos tentado evitar o contágio dentro dos hospitais, com treinamentos. Nenhum paciente teve contaminação lateral, ou seja, ninguém foi contaminado por outro paciente. Fazemos treinamento de como isolar o profissional, de criar barreira, como isolar dos pacientes, como se paramenta e não se paramenta. É necessário homem a homem o treinamento. Temos desde o início a preocupação com a diminuição dos casos de contaminação também dentro dos hospitais.

Qual foi sua reação ao ver as chances de a pandemia se aproximar?

Desde o início, nossa equipe de pesquisadores nos alertou com muita preocupação. Por isso nossa decisão, em janeiro, de definir protocolos para segregar e afastar pacientes infectados nas nossas unidades. Depois da confirmação, intensificamos os mecanismos do gabinete de crise. Algumas vezes por semana nosso protocolo é atualizado. Estamos elaborando planos de contingência, um deles é o uso de centro médico como área de atendimento de emergência. Buscamos toda a segregação desse fluxo de pacientes. Tivemos conferências com a rede. Eles nos chamaram atenção desde o começo para a questão dessa proteção ou segregação do paciente.

Como hospitais menores devem se preparar?

Os hospitais têm que se preparar para contratar pessoas e equipamentos. São de fato investimentos grandes. Vai ter um impacto importante no caixa dos prestadores de serviços de saúde. Linhas de crédito do governo, por exemplo, seriam importantes. Na Rede D’Or, o investimento foi de R$ 350 milhões em quatro meses, por conta do coronavírus. Sabemos que fábricas de máscaras passaram a trabalhar em três turnos. Não existe falta de suprimento. Com o aumento da demanda, estamos buscando comprar da China. A expectativa é que cheguem este mês. A proteção individual dos profissionais e os respiradores são os mais importantes. Precisamos de importações.

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Os insumos estão chegando?

A questão dos insumos é uma grande preocupação. Como ter leitos sem insumos? Sabemos que alguns estão em falta... No caso de alguns itens, a produção nacional já é menor que o consumo. Para itens mais críticos, a importação da China é muito importante. Há governos fazendo estoques de insumos. Isso é muito grave, porque pode desestruturar toda a cadeia de consumo. É importante que isso pare, para que não se tenha colapso no sistema. São estados Brasil afora. Isso causa risco de fornecimento a hospitais privados e públicos. A principal ação que o governo federal vem fazendo é dar celeridade à Anvisa em autorizar produtos que venham de outros países. Há casos em que as autorizações e registros de entidades de outros países, como a FDA, podem servir aqui.

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O que está mais em falta?

O consumo de máscaras cirúrgicas mais do que obrou em mais de uma semana na rede. Há um grande esforço para garantir o estoque. Os pontos mais críticos para o mercado de saúde são os EPIs (equipamentos de proteção individual) e ventiladores mecânicos. Já fizemos compras que foram confiscadas. Importações da China que foram confiscadas para atender outros hospitais em outros países.