Saúde

Casos de leptospirose são subestimados

Segundo pesquisa internacional, com a participação da Fiocruz e da Universidade Federal da Bahia, mais de um milhão de infecções ocorrem por ano, além de 59 mil mortes

Esgoto a céu aberto em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, é um dos principais causadores de leptospirose em comunidades carentes.
Foto: Arquivo O Globo
Esgoto a céu aberto em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, é um dos principais causadores de leptospirose em comunidades carentes. Foto: Arquivo O Globo

A carga global da leptospirose é muito maior do que se estimava a ponto de provocar mais de um milhão de novas infecções e cerca de 59 mil mortes por ano. Esta é a conclusão de um novo estudo internacional liderado pela Fiocruz Bahia e pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, em parceria com a Yale School of Public Health, University of Zurich e Organização Mundial de Saúde.

A pesquisa é uma revisão sistemática de cerca de 80 estudos já publicados,  sobre a incidência da doença, morbidade e mortalidade, em 34 países, incluindo países africanos, mesmo que em determinadas regiões foram identificados poucos estudos de qualidade assegurada. A pesquisa começou em 2007.

- Começamos analisando 12 mil artigos e destacamos 80 por causa da qualidade do material e representatividade para um diagóstico mundial - explicou Federico Costa, pesquisador visitante da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Doutor em Biotecnologia e Medicina Investigativa pelo Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz (Fiocruz) e Mestre em Controle de Pragas e Impacto Ambiental pela Universidade Nacional de San Martín em Buenos Aires, Argentina.

Os autores, liderados por Federico, desenvolveram uma fórmula para gerar, pela primeira vez, uma estimativa mundial do seu custo humano. E os resultados, publicados na edição atual da PLOS Neglected Tropical Diseases, apontou maior taxa de morbidade e mortalidade nas regiões Sul e Sudeste da Ásia Oceania; Caribe; regiões Andina, Central e Tropical América Latina; África e Oriente Subsaariano. Os maiores infectados são homens adultos, entre 20 e 49 anos, cujas taxas foram 48% do total de casos e 42% do total de óbitos. No Brasil, são reportados entre 3 mil a 4 mil casos por ano.

- Levando em consideração que esta doença atinge a parcela da população mais vulnerável, a perda deste homem, em idade produtiva, pode significar impacto social enorme - opina Federico.

As conclusões do artigo se baseiam no conheciemnto dos pesquisadores, que dedicaram anos de estudo em comunidades carentes urbanas do Brasil. E também em análises de estudos realizados em todo o mundo, nos quais identificaram importante problema de saúde causado pela doença, resultado de políticas negligentes.

- É uma doença que ocorre nos segmentos mais pobres da população mundial. E não há política pública para esta população. Os números surpreenderam a sociedade em geral mas não os pesquisadores do tema que estão acostumados com esta realidade - completa ele.

Os autores afirmaram que, no momento, não há medidas de controle efetivas para leptospirose. Isto porque não havia estimativas confiáveis e conclusivas e a leptospirose permaneceu como “doença tropical negligenciada”.

No artigo, os pesquisadores afirmam que, embora a leptospirose seja relativamente desconhecida no mundo desenvolvido, é um flagelo crescente em ambientes pobres em toda a América Latina, África, Ásia e regiões insulares.

As bactérias que causam a doença são espalhadas através da urina de ratos e outros mamíferos. O patógeno sobrevive na água e no solo e infecta seres humanos por contacto através de escoriações da pele.

Os achados fazem da leptospirose uma das principais causas zoonóticas de morbidade e mortalidade no mundo e isto é um chamado à ação.

Os pesquisadores acreditam que esse estudo traz a evidência necessária para subsidiar políticas nacionais e internacionais de prevenção da doença, tais como o desenvolvimento de novas vacinas e melhorias das condições ambientais e sociais que levam a sua transmissão.

A leptospirose é grave e tem emergido como uma importante causa de hemorragia pulmonar e insuficiência renal aguda nos países em desenvolvimento.

A morte ocorre em 10% dos pacientes e até 70% podem desenvolver formas hemorrágicas da doença.

No trabalho, os pesquisadores apontam ainda que é provável que estes números estejam subestimados, uma vez que os pacientes com leptospirose são frequentemente diagnosticados erroneamente, pois os sintomas podem ser confundidos com malária, dengue ou outras doenças. Eles alertam para o fato de a doença não possuir um teste de diagnóstico adequado.

- Este estudo, balizado pela Organização Mundial de Saúde, deve servir de base para que os governos direcionem recursos para o combate à doença. E também para o desenvolvimento de testes de diagnóstico para a doença. Os mais usuais hoje em dia tem baixa sensibilidade. Detectam a bactéria em ceca de 40% das amostras contaminadas.

Estima-se que a população de favela do mundo vai dobrar para 2 bilhões de pessoas em 2030. Por tanto, disseram os pesquisadores, a incidência da doença pode ser pior nas próximas décadas, agravada pela mudança climática global e a rápida urbanização.

Esgotos e saneamento inadequados, juntamente com eventos climáticos extremos e intensas chuvas sazonais, propiciam grandes epidemias nas comunidades urbanas.