Saúde Coronavírus

Coronavírus: especialistas se preocupam com a chegada dos testes rápidos para diagnósticos

Qualidade, interpretação e aplicação são questionadas, mas há benefícios
Homem faz o teste rápido com gota de sangue na Tailândia Foto: REUTERS/Athit Perawongmetha / REUTERS/Athit Perawongmetha
Homem faz o teste rápido com gota de sangue na Tailândia Foto: REUTERS/Athit Perawongmetha / REUTERS/Athit Perawongmetha

RIO - Os testes rápidos para a Covid-19 prometidos pelo Ministério da Saúde começam a chegar aos poucos ao país — esta semana 500 mil começaram a ser distribuídos — mas especialistas alertam para o cuidado na aplicação e na interpretação dos resultados devido ao elevado percentual de falsos negativos.

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Como eles só oferecem 30% de sensibilidade para os casos negativos, isso significa que é grande a possibilidade de uma pessoa com esse resultado ter contraído o coronavírus e o transmitir sem saber, um problema ainda mais sério quando se trata de profissionais de saúde. Além disso, os falsos negativos levam a um achatamento falso da curva de crescimento da doença.

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A estratégia de testagem do Brasil ainda não está clara e não se sabe quando chegarão os 22,9 milhões de testes previstos pelo governo federal. Neste momento há nada menos do que 214 testes comerciais ou em desenvolvimento no mundo para o diagnóstico do coronavírus, a imensa maioria produzida na China, seguida por EUA e Índia. Mas a escala de produção não é suficiente para atender à demanda global.

Por isso, devido à absoluta escassez de testes no mundo, num primeiro momento, os grupos de testagem são os doentes graves e os profissionais de saúde e de atividades essenciais, como os do transportes e limpeza públicos. Não haverá testes para a população em geral.

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O objetivo principal do Ministério da Saúde, ao combinar os testes moleculares e rápidos, é identificar os profissionais de saúde que estão negativos e podem continuar a trabalhar. E também identificar os positivos, afastá-los pelo período de isolamento e depois testá-los de novo e para saber se estão negativos e podem voltar a trabalhar. Ou ainda se têm apenas anticorpos IgG, que marcam a exposição passada ao vírus, e também poderiam voltar a trabalhar já que, em tese, teriam adquirido imunidade.

Os testes rápidos que chegaram agora buscam por anticorpos, substâncias de defesa produzidas pelo corpo em resposta à infecção pelo coronavírus. O ministro Luiz Henrique Mandetta enfatizou que esse tipo de teste só pode ser usado após o sétimo dia de aparecimento dos sintomas. Isso significa que os infectados assintomáticos e os casos recentes permanecerão invisíveis.

— O problema do falso negativo é para o recém-infectado. Mesmo que ele esteja com sintomas, vai dar negativo. O teste pode dar uma falsa e perigosa sensação de segurança. Os testes rápidos também não vão pegar os casos de pessoas sem sintomas, mas que recém-adquiriram o coronavírus — diz Wilson Shcolnik, do Grupo Fleury, e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).

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Os testes rápidos detectam anticorpos somente de sete a 10 dias após o aparecimento dos sintomas.

— Se estou com tosse e febre, mas esses sintomas apareceram hoje, vai dar negativo mesmo que eu esteja com Covid-19. Esses testes só servem para quem tem mais de sete dias de sintomas. Ajudam, mas sozinhos não resolverão — diz Shcolnik.

A grande vantagem é identificar profissionais de saúde e de outras profissões de risco que tenham contraído Covid há mais tempo e já estejam sem sintomas. Eles vão positivar, o que indica que, em tese, não terão mais a doença, pois têm anticorpos de proteção do tipo IgG, e poderão trabalhar.

Mais preocupações

Cientistas e laboratórios também estão preocupados com a validação dos testes. Os distribuídos pelo ministério passam por validação no INCQS/Fiocruz, o que é considerado fundamental porque existe um histórico de desempenho de testes variável no Brasil. O país já teve problemas com os testes de Aids no passado, por exemplo.

Além disso, muitos kits de diagnósticos automatizados foram liberados muito depressa pelas agências reguladoras dos países de origem das empresas que os desenvolveram.

— As agências acreditaram nas informações dos fabricantes, mas não realizaram análises detalhadas. Isso gera apreensão sobre a segurança e a necessidade de validação desses testes aqui. E há uma enxurrada deles a caminho — acrescenta ele.

A validação exige que entre dezenas e centenas de cópias de um teste tenham o resultado avaliado para amostras cujo resultado já é conhecido. E isso precisa ser feito levando em conta a fase da doença em que a amostra foi colhida. É um processo de várias etapas e por isso não leva menos do que alguns dias.

Segundo Shcolnik, a indústria também está fazendo testes de validação por meio de uma colaboração entre a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial. É uma forma de complementação da segurança. Cerca de dez testes estão passando por esse processo de validação neste momento.

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Gustavo Campana, diretor médico do laboratório da Dasa, a maior empresa do setor na América Latina, diz que ainda não se conhece a performance dos kits comprados pelo Ministério da saúde. A Dasa e o Ministério da Saúde planejam um criar um laboratório especializado para o diagnóstico da doença e ampliar a capacidade de coleta no Brasil.

De início, a Dasa vai trabalhar com dois fornecedores de testes rápidos e dois de testes sorológicos (estes também detectam anticorpos, mas são mais detalhados). Todos são importados, principalmente da China.

— Prevemos uma corrida para a realização de testes rápidos. Há muitas empresas nesse mercado, mas a validação é um desafio. Estão chegando muitos testes rápidos ao Brasil e a situação está confusa porque o mercado está inundado de empresas de biotecnologia que oferecem testes para os quais não temos garantia de qualidade — salienta Campana.