Blog da Sandra Cohen

Por Sandra Cohen

Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'


Soldado fiel a Juan Guaidó aponta seu fuzil contra forças de Maduro diante da base aérea 'La Carlota' durante confronto em Caracas — Foto: Boris Vergara/AP

Juan Guaidó esperou em vão pelo apoio militar que anunciou ter para remover Nicolás Maduro do cargo. Aparentemente, apesar de visíveis fraturas, a alta cúpula das Forças Armadas da Venezuela ainda está sob o controle do presidente, conforme ele fez questão de exibir no pronunciamento que fez somente 14 horas depois de iniciado o movimento de sublevação.

Porém, faltava um -- Manuel Ricardo Cristopher Figuera, diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência, apontado como um dos rebelados, rapidamente substituído por outro general, Gustavo González López. O novo diretor há seis meses foi afastado da direção do Sebin pelo próprio Maduro, no rastro do escândalo da morte de um político nas dependências do órgão.

Um duro comunicado assinado pelo ex-diretor da polícia política Cristopher Figuera chegou às redações de meios independentes e circulou nas redes sociais, no qual relata o estado de deterioração que enfrenta a Venezuela e explica os motivos da deserção. Entre eles, o fato de ter constatado que muitas pessoas da confiança de Maduro negociavam pelas suas costas, em benefício próprio.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao lado do ministro da Defesa, Vladimir Padrino, no palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, nesta terça (30). — Foto: HO / Venezuelan Presidency / AFP

“Aqueles que ousaram me chamar de traidor ou vendido me conhecem pouco porque tenho alto senso da lealdade que jurei à minha pátria e às suas instituições; a pátria que um grupo de canalhas está saqueando, e suas instituições que, como as Forças Armadas, se transformaram em espólios”, afirma a nota atribuída a Cristopher Figuera, cujo paradeiro é desconhecido.

Vale lembrar que cabia ao temido e implacável Sebin vigiar a prisão domiciliar de Leopoldo López, que surpreendentemente reapareceu nas manifestações de terça-feira, após cinco anos. Ele contou ter sido libertado por militares em sua casa, corroborando, assim, a tese da fissura na inteligência venezuelana. Quando a adesão de militares à oposição não se concretizou, o ex-diretor da polícia secreta foi removido e, para não ser novamente encarcerado, López se refugiou na sede da Embaixada da Espanha.

As acusações do ex-diretor do Sebin refletem um panorama conhecido pelos venezuelanos. A simbiótica aliança cívico-militar que sustenta Maduro no poder está enraizada nos cargos da administração pública e tem forte influência na economia, frequentemente associada a denúncias de corrupção e tráfico de drogas.

A ala militar controla estatais como a PDVSA, portos, contratos e concessões. Exerce o domínio de um setor fundamental no país: a distribuição de alimentos, numa realidade em que a miséria e a fome assumem proporções alarmantes.

Guaidó não conseguiu desarticular esta cadeia de comando, apesar de prometer anistiar quem colaborou com o regime. Basicamente, obteve, com isso, a adesão de militares de baixa patente às suas demandas.

Mas, a contar pela demora que Maduro levou para assegurar que tinha a situação sob seu controle, e até a debochar do movimento opositor, o senso de unidade na caserna está ruindo. E esta insatisfação diante do regime pode não ter necessariamente Guaidó como solução.

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