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Rio

Especialistas criticam organização de show beneficente de Crivella

Advogados de direito administrativo e tributário questionam falta de transparência do evento e ida de carros caracterizados do município ao concerto. Prefeitura diz que 'os princípios da administração pública' foram 'todos observados'
Ingresso do show beneficente de Crivella: R$ 100, sem direito a meia-entrada ou nota fiscal Foto: Felipe Grinberg
Ingresso do show beneficente de Crivella: R$ 100, sem direito a meia-entrada ou nota fiscal Foto: Felipe Grinberg

RIO — Marcelo Crivella, prefeito do Rio, realizou um show na última quinta-feira no Espaço Ribalta, na Barra da Tijuca, onde, com o mote da solidariedade a moradores de rua, cobrou R$ 100 por cada ingresso para a apresentação . O GLOBO esteve no evento, onde encontrou um funcionário do município trabalhando na bilheteria, carros caracterizados da prefeitura no estacionamento, e, também, ingressos sendo vendidos sem benefício de meia-entrada e sem garantia de nota fiscal. Cartões de crédito e débito também não eram aceitos. Para especialistas, faltou transparência na organização do evento.

— Tem muita coisa errada. Partindo até para um ponto um pouco mais grave, de improbidade administrativa, porque o prefeito não se divide entre Marcelo Crivella e prefeito. Toda as atividades que fizer de aparição pública, ainda mais com cobrança de ingressos, tem vínculo com o cargo que ele exerce — afirma o advogado tributarista Luís Carlos Ferreira.

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Procurada pelo GLOBO, a prefeitura do Rio afirmou, através da assessoria de imprensa, que "não há improbidade". "Os princípios da Administração Pública previstos no art 37 da Constituição foram todos observados”, diz, por e-mail.

Para Ferreira, no entanto, Crivella não deveria ter deixado de cobrar nota fiscal, mesmo que de colaboradores. Para o especialista, a organização do evento precisava oferecer meia-entrada ao público.

O 'Show da Solidariedade' organizado pelo prefeito, teve como promessa doar a renda para um projeto voltado a moradores de rua no centro do Rio. Evento aconteceu na Barra da Tijuca. Parte do público chegou em caravanas e não pagou pelos ingressos
O 'Show da Solidariedade' organizado pelo prefeito, teve como promessa doar a renda para um projeto voltado a moradores de rua no centro do Rio. Evento aconteceu na Barra da Tijuca. Parte do público chegou em caravanas e não pagou pelos ingressos

— Todos os eventos de grande público quando fazem venda de ingressos precisam seguir um procedimento que conta com a numeração dos ingressos, e devem seguir a lei estadual que obriga que uma parte seja destinada a estudantes, professores etc. Além disso, se ele estava cobrando para entrar, deve haver emissão de nota fiscal, ainda que a responsável pela organização seja uma asssociação beneficente ou sem fins lucrativos. As associações, se estiverem dentro da lei, não são tributadas, mas elas precisam prestar contas, apresentar notas. É importante, principalmente, para quem comprou o ingresso ter o comprovante da compra e a certeza de que a empresa está agindo com o principal ponto que é a transparência — conclui.

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Para o advogado especialista em direito administrativo, Manoel Peixinho, é "inadmissível" que carros caracterizados da prefeitura tenham ido ao evento.

— A utilização de agentes públicos municipais e de bens públicos é inadmissível porque se constitui ato de improbidade administrativa e lesão ao erário. Também é de se chamar a atenção para a prática de tais atos ilícitos em pleno ano eleitoral em que a figura do administrador público se confunde com a imagem do político em busca da reeleição — critica Peixinho.

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A falta de transparência no controle das pessoas e do valor arrecadado também é alvo de críticas por parte do advogado especialista em Direito Público, Hermano Cabernite. Apesar de o GLOBO pedir, a prefeitura não informou o valor que foi arrecadado para a causa. Na entrada, funcionários recolhiam os ingressos, mesmo os bilhetes tendo uma área específica para ser destacada. No papel, não havia qualquer número de série ou informação sobre o CNPJ da organização.

— Deveria ter alguma forma de controle da arrecadação, com ingressos numerados, por exemplo, para permitir saber quanto arrecadou. Deveriam, no mínimo, ser mais transparentes— afirma o especialista.

Prefeito Marcelo Crivella cantou para um público de quase 2500 pessoas em um show beneficente Foto: Reprodução / Redes Sociais
Prefeito Marcelo Crivella cantou para um público de quase 2500 pessoas em um show beneficente Foto: Reprodução / Redes Sociais

Através da assessoria de imprensa , a Prefeitura afirma que "a entrega de nota fiscal no ato da compra, nesse caso, era desnecessária. Como em qualquer show o ticket é destacado na entrada". No dia do show, no entanto, o púbico teve o ingresso recolhido na íntegra, sem o destaque.

Sobre o uso de veículos da prefeitura, a assessoria informou que "quanto o prefeito Marcelo Crivella ter ido ao evento em carro oficial, fixamos que a segurança institucional de altos dignitários não é prescindível". E prossegue: "o prefeito, como outras autoridades do gênero, seguem o aconselhamento do órgão responsável por sua segurança. Os veículos de segurança foram os únicos oficiais autorizados a circular na ocasião". Na saída do show, dois outros carros da prefeitura estavam nos arredores do Ribalta — um deles, da secretaria de Educação, e o outro, chegou usar serviço de Vallet, para estacionamento particular.

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A Prefeitura também voltou a afirmar que o "Marcelo Crivella esteve no show em prática de solidariedade, sendo esta constitucional e não somente do poder público". Apesar de questionada, a assessoria não informou quantos ingressos foram vendidos e nem o valor total da arrecadação do evento.

Na última sexta-feira, a prefeitura já havia enviado nota sobre o espetáculo "Show da Solidariedade", divulgado pelo próprio Marcello Crivella, prefeito do Rio, em suas redes sociais. A seguir, a nota na íntegra da Prefeitura, enviada na sexta-feira e reiterada neste domingo:

Prefeitura diz que show foi organizado por instituto e que, por ser de caridade, 'as pessoas contribuíram com dinheiro e cheque'

A organização do show com a apresentação musical de Marcelo Crivella foi do Instituto Eventos Ambientais (IEVA). Cabe esclarecer que a natureza do evento foi beneficente. Um projeto de solidariedade humana em que não houve parceria com nenhuma igreja.

Devido ao fato de ter sido um espetáculo voltado para a caridade, as pessoas contribuíram em dinheiro ou cheque - uma vez que não é vedada tal forma de pagamento -, e optaram para pagar um único valor. A meia-entrada diminuiria o sentido benéfico proposto. A entrega de nota fiscal no ato da compra, nesse caso, era desnecessária.

A prática da solidariedade não é exclusividade do poder público e tem matiz constitucional. E justamente para não misturar com a natureza do evento, não houve uso de dinheiro público no show, embora até fosse possível, em razão do elevado interesse público envolvido.

O trabalho prestado pelos músicos, pelos profissionais de imagem, a cessão do espaço, a organização (pessoas que atuaram no show, como a portaria, por exemplo) e o transporte foram ações voluntárias de pessoas e empresas que se dispuseram a contribuir. Todos esses voluntários estavam no local fora do horário de expediente de seus respectivos empregos. Os próprios convidados, em uma ação solidária, ajudaram uns aos outros durante o espetáculo.

Toda a renda do show, bem como a da venda dos CD’s, será revertida a cidadãos que não têm casa.

Quanto ao prefeito Marcelo Crivella ter ido ao evento em carro oficial, fixamos que a segurança institucional de altos dignitários não é prescindível. O prefeito, como outras autoridades do gênero, seguem o aconselhamento do órgão responsável por sua segurança. Os veículos de segurança foram os únicos oficiais autorizados a circular na ocasião.