Produtores e empresários da cultura comentam impactos do coronavírus

Opiniões enfatizam importância da criatividade e do coletivo na elaboração das soluções

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  • Da Redação

Publicado em 18 de março de 2020 às 16:40

- Atualizado há um ano

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Com uma contaminação relativamente fácil, através de gotículas respiratórias ou contato com pessoas infectadas, o coronavírus se tornou uma grande preocupação da indústria cultural. O público, que se aglomera em casas de shows, teatros, cinemas e estádios para ver de perto seus artistas favoritos, e os profissionais envolvidos nos bastidores foram os primeiros a serem preservados pelo setor, que imediatamente cancelou e adiou eventos - alguns deles marcados para maio, quando o Brasil prevê um pico da doença. Como em todos as áreas da economia, o clima é de incerteza. O CORREIO ouviu empresários e produtores culturais para entender quais suas maiores angústias no momento, mas também para ouvir sugestões sobre como enfrentar esse momento e minimizar a crise que a cultura já vinha enfrentando no país.

Selma Santos - Produtora cultural e diretora do Festival Internacional de Artistas de Rua

Sobre decisão de adiar evento para novembro "Eu já vinha acompanhando as coisas na China, e o diretor artístico e curador do evento mora na Itália. Na hora que as coisas começaram a acontecer por lá resolvemos tomar essa decisão. Além disso, vinha um grupo de artistas da Itália. Foi com muita dor que tomamos essa atitude. Por outro lado, como eu vinha atenta e os meus parceiros acabam sendo amigos, não tive prejuízos financeiros. Só tinha reservado coisas, mas não havia fechado nada, estava sempre atentando que poderíamos cancelar ou adiar".  (Foto: Divulgação)

Sobre campanha para que pessoas não peçam reembolso

"Concordo com a recomendação porque a gente está tendo um impacto muito grande. Já está difícil fazer cultura, e ainda vem um negócio desses que é alheio à vontade de nós todos... Eu acho justo que sejam adiados em vez de cancelados, e que se as pessoas puderem aguardar, ter paciência, e não pedir reembolso, façam isso. Concordo com essa campanha, e espero que todo mundo acabe se sensibilizando. Espero que isso tudo passe logo!"  

Luciano Matos - Jornalista, idealizador e produtor do Radioca (Foto: Acervo Pessoal) Sobre o efeito coronavírus

"Se a gente seguir o que parece que está acontecendo em outros países, no que diz respeito ao isolamento de duas semanas, acho que a gente vai viver um problema não só de saúde, mas também econômico muito sério. A área de turismo, de cultura, e todo esse emprego informal vai sofrer demais. O baque vai ser imenso. As pessoas não são de consumir tanta cultura, e todo mundo nessa área vive tentando pagar as contas.... Tem que ter uma posição, uma determinação do poder público, para não ter essa quebradeira tão perigosa. Eu pelo menos vejo assim, tudo bem difícil. Em alguns países o poder público vai entrar com grana, diminuir impostos, e acho que é o que deveria acontecer". 

"Pense que casas de shows que já não vivem o mar de rosas, que vivem bem apertadas tentando abrir para pagar as contas, vão ter que fechar. Fico pensando nos profissionais envolvidos: técnicos de som, seguranças, profissionais da limpeza, bilheteiros...Toda cadeia vai ficar uma boa parte parada. Além disso, um espaço cultural que pague aluguel, que tenha trabalhador com carteira assinada, que tenha contas fixas, não vai deixar de pagar tudo isso...O coronavírus vai afetar enormemente e eu não posso nem mensurar o prejuízo!"

Caminhos para minimizar os impactos negativos "Eu acho que os artistas e produtores têm que ter mais criatividade do que já tem. Começa a ter campanhas para apresentações de show online, vender mais maciçamente produtos, até mesmo realização de festivais online. Não dá pra compensar totalmente, mas talvez dê pra amenizar. Também não há espaço para todo mundo fazer isso, então é preciso pensar ações coletivas. É o momento de cada setor se unir, não só para trabalhar junto, mas para solicitar, pedir, exigir posicionamentos e ações do poder público, que vão ter que ser feitas. Se o poder público não reagir, a gente que já enfrenta um quadro de desemprego imenso, vai ter consequências graves. Além disso, penso muito em quem depende diretamente do dinheiro que recebe para tocar para pagar as contas.

"Acho que a prefeitura, que mais tem produzido eventos na cidade, pode deixar de produzir e alocar esses recursos de outra forma. Não tem um problema a Saltur deixar de produzir, mas tem um problema se dez produtoras deixarem. Se o recurso do Festival da Cidade, por exemplo, for destinado a algumas produtoras de forma responsável, legal, e essas produtoras realizarem e gerarem empregos, a cadeia se sustenta de forma mais equilibrada. Eu acho que tem caminho sim, mas depende de diálogos e definições que envolvem sem dúvida o poder público. Eu acho que é o poder público quem mantém as bases em qualquer condição, o mercado só vai quando quer ganhar dinheiro, mas quando precisa sustentar alguma coisa acho que não é a obrigação. Depender de empresas é mais difícil. Infelizmente, isso é a realidade".

"Além disso, quando tudo voltar ao normal, vamos ter todo o resto acontecendo ao mesmo tempo. O poder público pode equilibrar os eventos para não coincidir tudo, fazer um chamado para tentar organizar isso. Isso já é uma demanda de muito tempo, e agora uma oportunidade de ter mais diálogo. A crise do coronavirus evidencia que o momento é de coletividade em todas as esferas".

Fabiana Batistela - Empresária e diretora da SIM São Paulo   (Foto: Divulgação) Sobre o efeito coronavírus "É uma discussão completamente nova e inesperada. A gente nunca acha que vai tomar essas proporções. O ser humano demora muito a reagir às coisas, vide os problemas climáticos. A gente corre atrás do prejuizo, alivia sintomas, e não corre atrás da doença. eu sempre acho que a comunidade artística é a primeira a reagir a muitas coisas, porque a cultura reflete e lança tendências para nosso comportamento. Por isso, ela foi afetada logo de cara: apoiou rapidamente as recomendaçoes médicas, e perdeu o faturamento. Foi o setor que primeiro entendeu que precisava colaborar. Quanto antes a gente se mobiliza, mais rápido passa. Só que a gente não tem um plano  emergencial para esses momentos, mesmo a cultura estando mais organizada e mobilizada hoje que anos atrás. Esse governo não proporciona bases, estabilidade, para que continuemos construindo as coisas. O governo não se interessa por cultura, não é o foco. Isso tudo gera um ambiente desfavorável. E agora vem uma sistuação fora de controle, que é um vírus, que faz com que as pessoas tenham de estar isoladas. Isso significa parar a produção cultural, porque a produção cultural depende de público - falo do setor ao vivo, de eventos, de projetos - por mais que haja streaming, livros...E isso também impacta nos outros setores, porque se uma banda precisa suspender uma turnê, ela também impacta o número de execuções do streaming, de passagens aéreas, de hotéis... O prejuizo é incalculável ainda".

Caminhos para minimizar os impactos negativos

"A SIM São Paulo está lançando uma pesquisa rápida para tentar medir o impacto do coronavírus na indústria da música no Brasil para daqui a duas semanas termos um número aproximado. Só com esse número aproximado poderemos tentar pensar no que fazer, para tentar ajudar"

"Não sei se nosso pedido para as pessoas repensarem o pedido de reembolso deu certo, mas mobilizações como essa sempre ajudam. Se segurarmos um terço dos ingressos, já ajuda bastante. O Sesc São Paulo, por exemplo,  adiou todos os shows. Estamos tentando que eles paguem os artistas antes, e depois revejam as datas. As bandas contam com isso, e também toda a equipe que vem junto com ela. Se você para isso drasticamente, você impacta muito. A gente está falando de milhares de artistas nessa condição. O lance é que o setor cultural ao vivo vive basicamente de três receitas: bilheteria, patrocínio (direto ou via lei), e consumo de bebidas, comidas e produtos. A nossa movimentação inicial foi tentar fazer com que uma dessas receitas não acabasse de uma hora para outra. Se os eventos são cancelados e todo mundo pede reembolso, vai quebrar os produtores, e o evento não vai conseguir se restabelecer muito rápido. Estamos na véspera do Lolapalooza, se ele tiver de reembolsar todo mundo, ele não acontece. E eu estou falando de um evento com seguro, com estrutura, imagine os menores. Perde todo mundo, inclusive os fãs! O público vai ficar sem evento. A terceira receita é o consumo de bebida, que não tem jeito. A luta agora é para os patrocionadores não quebrarem os contratos. As marcas e empresas privadas deveriam ser mais rápidas nisso, apoiar iniciativas online, produções que não exigem público (produção de vídeo, disco), as marcas poderiam aproveitar isso, pórque além de injetar dinheiro na indústria, ainda iriam apoiar algo inédito e de impacto, porque está todo mundo ligado nas redes. Festivais virtuais já estão sendo planejados. Mas tabém está super difícil combinar com as marcas, todo mundo trabalhando em home office, o que dificulta as reuniões".

"Não pode existir competição, principalmente nesse período. Todo mundo solta a mão de todo mundo, para não pegar o vírus, mas não deixemos de pensar conexões. Os períodos de crise trazem uma urgência de sermos mais criativos, e a gente precisa agora se organizar para isso. Tudo que você não teve tempo antes por conta da correria, faça agora: organize seus arquivos, seu registro profissional, suas planilhas. Foi na crise da indústria fonográfica, que surgiram as plataformas de streaming. Alguma coisa deve surgir! esse senso de que precisamos nos organizar e unir está rolando!"

Cláudio Marques, cineasta e diretor do Espaço Itaú Glauber Rocha (Foto: Acervo Pessoal) Sobre o efeito coronavírus

"Está sendo terrível, é um cenário de depressão econômica, emocional. Num curto espaço de tempo, estamos sem perspectiva. O ano pssado já foi um ano perdido; o cinema teve 750 milhões liberados, que não foram investidos, cerca de 300 mil pessoas deixaram de trabalhar. Esse ano soubemos que a Ancine teve colegiado recomposto, mas não há sinais de reversão. Uma forma eficaz de combater a recessão no cinema seria com esse investimento. Amigos alemães estavam falando que o governo iria subsidiar os prejuízos do setor lá. E falo isso como cineasta e como gestor, já que os s impostos coninuam, a falha salarial do empregados conunua, a conta de luz continua, e todo mundo parado. O que tenho visto é a movimentação de empresas maiores comparem empresas menores. Deve haver uma supremacia em relação aos pequenos"

"Nesse domingo,  pela primeira vez, cancelei sessões por falta de público, mesmo mantendo toda estrutura"

Caminhos para minimizar os impactos negativos

"A gente está vivendo um momento de  neoliberalismo, e isso começa a ser revisto na França, na Alemanha, nos EUA. Espero que no Brasil tenhamos essa disponibilidade do poder público: municipal, estadual e federal, que intervenham para equilibrar"

"A sociedade está num momento em que o streaming está ganhando força, a Netflix, a Amazon. As empresas que ganham são essas, que estão estendendo seus braços pelo mundo todo: AirBnB, Uber, Facebook. Isso também está acontecendo na indústria cultural, com poucos filmes de grandes estudios dominando o cinema. A gente tem um histórico de empersas, produtores, que precisam ser valorizadas. Não podemos ceder nosso patrimônio cultural para fora.Parece um discurso antigo, mas é cada vez mais urgente e evidente. O monopólio dos espaços, sejam eles virtuais ou não, não é saudável. Precisamos valorizar os filmes independentes, e essa é uma campanha cotidiana, porque se a gente der as costas eles vão desaparecer. As novas economias são sedutoras, são baratas, mas é preciso sensibilizar de outros modos as pessoas".

Paula Resende, empresária, dona da Pau Viola Produções (Foto: Reprodução) Sobre o efeito coronavírus

"Os cancelamentos e adiamentos comprometem muito nossa vida enquanto empresários, porque já tínhamos compromissos com patrocionadores e artistas. Só que todos estamos com um problema maior, e temos que ter responsabilidade sobre isso. Independente do governo, é uma responsabilidade nossa. A intenção da cultura é agregar. Os artistas que já estávamps negociando no Festival de Lençóis compreenderam a decisão, e a intenção é que mantenhamos as atrações: Vanessa da Mata, Nando Reis e Silva. A nossa intrenção era realizar de 30 de abil a 2 de maio, e agora faremos de 9 a 12 de outubro. A gente priroiza feriados prolongados por conta da distância de Lençóis para Salvador e para outros estados, já que é o público destes locais que mais marcam presença". 

Caminhos para minimizar os impactos negativos

"Para gente é um problema seríssimo, e todos estão repensando o momento. Quando tudo isso passar, haverá uma demanda reprmida, é preciso pensar novos caminhos que vamos seguir. Eu estou confiante! Eu acredito que vai ser o momento de repensarmos. Serão pelo menos 50 dias sem essa oferta, e o próprio mercado vai exigir que nos repensemos, enquanto empresários, artistas e público. Não são só os produtores que vão ter de repensar, mas os grandes artistas também, que não vão poder ficar em uma posição cômoda. É um trabalho coletivo"