RIO - Ele entrou na universidade pública como todo calouro, cercado de promessas e de expectativas. Sua chegada simbolizava uma era de maior inclusão, democracia e eficiência na educação superior brasileira. Hoje, dez anos depois, ele foi aprovado, mas com ressalvas.
Criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2009 e implementado a partir do ano seguinte, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) chega agora a sua décima edição. Por meio dele, candidatos que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano passado poderão concorrer a partir desta terça (22) a uma das 235.476 vagas disponíveis em 129 instituições públicas de ensino superior em 25 estados do país (Rondônia é a exceção) e no Distrito Federal.
Como seu nome indica, o Sisu foi pensado como um sistema de seleção em escala nacional, que substituiria vantajosamente os vestibulares individuais que cada universidade fazia. O candidato precisaria fazer uma única prova (a do Enem) e teria a seu dispor um universo muito maior de vagas e instituições.
Para estas, o aumento da demanda por seus cursos (já que agora os candidatos poderiam vir do país inteiro) diminuiria as vagas ociosas. O resultado final seria a democratização do acesso à educação superior e a ampliação da mobilidade geográfica estudantil.
Anunciado em 2009, no segundo governo Lula, o Sisu começou a funcionar no ano seguinte, com 51 instituições ofertando um total de 47.913 vagas. A partir daí, teve adesão crescente, estabilizando-se a partir de 2016 numa média de 130 instituições e 235 mil vagas disponíveis no início de cada ano.
Cada instituição pública pode decidir se quer ou não ofertas vagas pelo sistema, e em que quantidade — algumas o utilizam de forma complementar a seus próprios vestibulares.
Cleuza Dias, reitora da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e vice-presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) acredita que a democratização do acesso ao ensino superior é um dos objetivos que foram alcançados.
— O Sisu permitiu que os estudantes se candidatassem a universidades de outras cidades sem ter o gasto com deslocamento para fazer a prova. Isso levou a mais mobilidade.
Estudos como o da pesquisadora Denise Leyi Li, da USP, atestam o mesmo. Ela investigou o perfil dos ingressantes em cursos superiores entre 2006 e 2014 e descobriu que o Sisu de fato levou a um aumento no número de estudantes que conseguiram ingressar numa universidade de outro Estado por causa do sistema . Esse efeito é mais intenso em carreiras mais concorridas.
Democratizar o processo seletivo não significa necessariamente dar mais acesso às universidades, no entanto. Quem não pode bancar a viagem para fazer vestibular em outra cidade certamente não conseguirá arcar com os custos de quatro anos longe de casa.
— É uma ação que tem de estar conjugada ao apoio do governo federal à assistência estudantil — diz Cleuza Dias. — O Sisu foi criado num momento de expansão das universidades federais, mas não existe democratização do ensino superior público se não houver um aporte financeiro para assistência estudantil.
Uma das críticas mais associadas ao sistema unificado de seleção é que ele levaria à maior evasão — o aluno passa, mas não chega a se matricular, ou matricula-se, mas abandona em algum momento, por motivos variados.
A Universidade Federal do Pará, que aderiu ao sistema em 2014, disponibilizando cerca de 20% de suas vagas por meio do Sisu, decidiu não usá-lo em 2019. Atribuiu a decisão, entre outras causas, às vagas não preenchidas (36% em 2018).
"Os candidatos se inscreviam no vestibular e no Sisu e, aprovados em ambos, tinham de desistir de uma das vagas. Outros nem chegavam a desistir da vaga e apenas não se apresentavam no curso", afirmou a UFPA, em nota.
O estudo de Denise Li confirmou que "a adesão ao Sisu eleva a probabilidade de evasão no primeiro ano em 4,5 pontos percentuais. Além disso, um aluno que ingressa em um programa que oferta vagas pelo Sisu tem uma probabilidade maior de mudar de instituição antes de completar o curso".
Ela também conclui que o auxílio social é relevante para manter o aluno na mesma instituição, ainda que não necessariamente no mesmo curso.
Estudo técnico feito em 2016 por Renato Gilioli, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, defende que o Sisu, por si só, não é fator único e determinante para estimular a evasão, assim como a mobilidade geográfica gerada pelo sistema não é necessariamente a causa decisiva.
"A interpretação mais imediatista dessa medida consistiu em avaliar que a mobilidade supostamente prejudicava o acesso de estudantes locais aos cursos superiores do entorno de suas residências e que a distância geográfica da residência de origem seria fator de estímulo à evasão", escreveu Gilioli.
"No entanto, como foi possível verificar pelo levantado em diversas investigações científicas (...), a evasão é multifatorial em suas causas (...). Outros fatores conjunturais – como greves prolongadas e medidas administrativas internas de cada instituição (por exemplo, critérios mais rígidos de jubilamento) – têm, frequentemente, muito mais peso e significância para os resultados da evasão do que a adoção do SiSU", concluiu Gilioli.
A reitora Cleuza Dias concorda com a avaliação e afirma que mudanças feitas no sistema desde sua criação melhoraram o desperdício de vagas. Neste ano, por exemplo, houve mudança na lista de espera: quem é aprovado em alguma de suas duas opções de curso não pode mais entrar na lista, diferentemente do que acontecia até então.
— Não acho que o Sisu seja responsável pela evasão. Ao longo desses anos de aplicação foram acontecendo mudanças que qualificaram o processo: o número de chamadas, de opções, a lista de espera. Foi-se buscando qualificar o processo do Sisu evitando a evasão. Acredito que a maior parte da evasão acontece por falta de apoio ao estudante.