Por Elida Oliveira e Luiza Tenente, G1


Ao menos 13 pessoas já deixaram cargos importantes no Ministério da Educação (MEC) desde janeiro. A baixa mais recente foi a de Paulo César Teixeira, diretor de Avaliação da Educação Básica, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A saída ocorreu nesta quarta-feira (27). A diretoria é responsável pela realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Na noite desta terça-feira (26), Marcus Vinicius Rodrigues, presidente do Inep, já havia sido demitido. Para ele, o ministério vive uma "incompetência gerencial muito grande". Em audiência na Câmara, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, o acusou de ter "puxado o tapete".

Na Câmara, ministro da Educação é perguntado sobre baixas no ministério

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Além das demissões, os primeiros três meses da gestão foram marcados por recuos e polêmicas, como o pedido para que as escolas filmassem os alunos cantando o hino e a decisão de adiar a avaliação da alfabetização.

De acordo com os colunistas do G1 Valdo Cruz e Andreia Sadi, há uma "guerra" no MEC envolvendo dois grupos: militares que ocupam cargos na pasta e pessoas ligadas ao ministro Vélez, que foi indicado ao posto pelo escritor de direita Olavo de Carvalho. Marcos Vinicius Rodrigues, por exemplo, era vinculado à ala militar.

No fim de fevereiro, Vélez apresentou pela primeira vez os sete pontos prioritários da sua gestão, que chegaram a ser criticados por especialistas.

Enquanto isso, programas importantes do MEC estão sem definição ou atrasados, como a implementação da Base Nacional Comum Curricular.

Cronologia da crise no ministério da Educação — Foto: Arte/G1

Confira abaixo algumas polêmicas:

Edital para compra de livros com erros

No dia 2 de janeiro de 2019, o edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) foi publicado com alterações polêmicas: livros escolares poderiam ser comprados e adotados pelas instituições de ensino mesmo que apresentassem erros e propagandas. Também não precisariam retratar a diversidade étnica e o compromisso com ações de combate à violência contra a mulher.

No dia seguinte, após repercussão negativa, o edital foi anulado. Segundo a assessoria do MEC, as alterações do PNLD haviam sido feitas no governo Temer. O ex-ministro Rossieli Soares negou ter feito as mudanças.

Cerca de uma semana depois, em 11 de janeiro, Vélez exonerou dez pessoas que ocupavam cargos comissionados no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), incluindo o chefe de gabinete do órgão, Rogério Fernando Lot. Foi ele quem assinou o edital com as mudanças polêmicas sobre os livros escolares.

Presidência do Inep

No cargo desde 2016, Maria Inês Fini havia sido nomeada presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) por Michel Temer e foi exonerada em 14 de janeiro após polêmicas sobre o Enem. A prova trouxe uma questão de linguagens que tratava do dialeto pajubá, conjunto de expressões associadas aos gays e aos travestis.

Maria Inês Fini, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em imagem de 2017 — Foto: Carolina Moreno/G1

Uma semana depois, em 22 de janeiro, o ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcus Vinicius Rodrigues foi nomeado presidente do órgão. Nesta terça-feira (26), Rodrigues foi exonerado.

Ministro da Educação demite presidente do Inep após polêmica com exame da alfabetização

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Em entrevista à TV Globo, o ex-presidente do Inep disse que não há comunicação dentro do ministério. Na segunda-feira (25), Rodrigues havia assinado uma portaria sobre as novas regras do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Segundo o documento, a avaliação da alfabetização de crianças não seria feita na edição de 2019. Horas depois da publicação no Diário Oficial da União, o Inep afirmou que esse teste só seria aplicado em 2021. A portaria foi anulada no dia seguinte pelo ministro da Educação.

O ex-presidente do Inep diz que assinou a portaria com respaldo do secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim. Um documento mostra que, de fato, Nadalim havia feito a recomendação para que a alfabetização não fosse avaliada em 2019.

Trecho do documento assinado por Carlos Nadalim — Foto: Reprodução

Marcus Vinicius Rodrigues disse que "foi um processo muito ruim, que mostrou a incompetência gerencial muito grande." Ele também declarou que, em três meses de governo, não houve nenhuma reunião de trabalho com o ministro da Educação.

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrígues, durante reunião da Comissão de Educação da Câmara, nesta quarta-feira (27) — Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, disse que Rodrigues deixou o cargo porque "puxou o tapete".

"A última demissão no MEC [ocorreu], porque o diretor-presidente do Inep puxou o tapete. Ele mudou de forma abrupta o entendimento que já tinha sido feito para a preservação da Base Nacional Curricular e fazer as avaliações de comum acordo com as secretarias de educação estaduais e municipais", afirmou Vélez.

Para o ministro, embora Rodrigues tenha se baseado em pareceres técnicos, a questão não havia sido debatida. "Realmente, considerei um ato grave, que não consultou o ministro, se alicerçou em pareceres técnicos, mas não foi debatido no seio do MEC."

No mesmo dia da declaração na Câmara, na noite da quarta-feira (27), Paulo César Teixeira, diretor de Avaliação da Educação Básica, pediu demissão. A diretoria é a responsável pela realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Avaliação da alfabetização

O edital com as diretrizes para o Saeb foi publicado na segunda (25) sem fazer menção aos alunos em fase de alfabetização.

MEC volta atrás em decisão de adiar avaliação da alfabetização

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A expectativa era de que os alunos estivessem incluídos neste teste. Isso porque, até o ano passado, a alfabetização era mensurada pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), mas em junho de 2018, o então ministro da Educação, Rossieli Soares, disse que a ANA seria extinta e incorporada ao Saeb – alunos do 2º ano do ensino fundamental passariam a ser avaliados ao lado dos estudantes do 5º e 9º ano do fundamental e do 3º ano do ensino médio.

Quando questionado sobre a ausência dos alunos da alfabetização no edital, o Inep informou que eles passariam a ser avaliados no Saeb somente em 2021. O órgão não informou se em 2019 e 2020 haveria algum outro tipo de avaliação da alfabetização no Brasil.

A então secretária de Educação Básica Tania Leme de Almeida em foto de 22 de janeiro, durante a cerimônia de posse dos novos conselheiros do Conselho Nacional de Educação (CNE), entre o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, e o presidente do CNE, Luiz Roberto Liza Curi — Foto: Andre Sousa/MEC

Em meio à polêmica, a secretária da Educação Básica, Tania Leme de Almeida, pediu demissão. A pasta não informou o motivo por trás do pedido. Em sua despedida, a ex-secretária disse que pedido de demissão é o preço que paga para defender a educação de qualidade.

"A gente respira educação, a gente dorme educação, acorda educação, come educação. O quanto custa a gente poder permitir que os projetos tenham andamento? Se isso custa, de repente, eu estar no ministério, que isso possa realmente ser um preço que eu pago. E que a educação possa ser de qualidade no nosso país", afirmou Tania.

Após a revogação da portaria, o Inep não informou quando haverá a publicação das novas regras do exame.

Diretoria do Inep

Em 16 de janeiro, o Diário Oficial da União trouxe a nomeação de Murilo Resende Ferreira para o cargo de diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, diretoria que coordena o processo de elaboração de provas como o Enem.

Dois dias depois, em 18 de janeiro, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, decidiu "tornar sem efeito" a nomeação de Resende.

Na mesma portaria, foram nomeadas outras quatro pessoas para ocupar cargos vinculados ao Ministério da Educação, entre eles Anderson Ribeiro Correia, o novo presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Vélez diz que brasileiro é 'canibal'

Em entrevista à revista "Veja", Ricardo Vélez afirmou que, viajando, o brasileiro é um "canibal". "Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola", disse o ministro.

O Congresso pediu que ele fosse se explicar. Em documento ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro disse que foi “infeliz” ao fazer a declaração.

Projeto Rondon e educação moral e cívica

O ministro publicou um vídeo no site do MEC afirmando que pretende impulsionar o Projeto Rondon na sua gestão. O projeto foi criado em 1968 com o objetivo de levar estudantes do ensino superior em viagens de prestação de serviços em comunidades de todo o território brasileiro. Ele havia sido extinto em 1989, mas foi reativado a partir de 2005 pelo Ministério da Defesa (MD). O MEC é um dos parceiros na iniciativa.

Vélez, no entanto, não apresentou as medidas concretas para impulsioná-lo.

No mesmo vídeo publicado no site do MEC, o ministro afirma que quer retomar o ensino de conteúdos de "educação cívica" nas escolas brasileiras. Mas ele não explicou como isso seria aplicado.

"Então, eu vou dar muita ênfase a isso, à retomada desse processo de ensino de valores fundamentais, fundantes da nossa vida. Tanto no ensino infantil, quanto no ensino fundamental, ao longo de todo o ensino fundamental e, por que não, continuando no nível universitário”, disse.

Formação de professores

O Ministério da Educação anunciou que vai rever a proposta de mudanças na formação dos professores da educação básica feita na gestão do ex-presidente Michel Temer.

O documento, chamado de Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica (BNC Formação de Professores), havia sido entregue em dezembro ao Conselho Nacional de Educação (CNE), e a expectativa era que ele fosse avaliado e aprovado ainda em 2019.

Procurado pelo G1, o MEC afirmou, em nota, que não está definido se o documento apresentado pela gestão anterior será alterado ou mantido.

Carta às escolas

O ministro enviou uma carta às escolas de todo o país pedindo que os diretores lessem para as crianças um texto que continha o slogan de campanha do então candidato Jair Bolsonaro e que filmassem os alunos cantando o Hino Nacional. As imagens deveriam ser enviadas ao MEC.

O Estatuto da Criança e do Adolescente veta a divulgação de imagens de menores de idade sem autorização dos pais. Já a reprodução do slogan de campanha de Jair Bolsonaro pode ferir a Constituição de acordo com o artigo 37, que diz que a administração pública de qualquer um dos poderes deve seguir os princípios da "legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". O Ministério Público Federal em Brasília informou que vai apurar se o ministro cometeu improbidade administrativa.

Em 26 de fevereiro, Vélez reconheceu que errou ao pedir que as escolas filmassem as crianças sem a autorização dos pais. Dois dias depois, ele desistiu de pedir o vídeo às escolas, por questões técnicas de armazenamento e de segurança.

Em carta, ministro pede que alunos, professores e funcionários saúdem 'o Brasil dos novos tempos' — Foto: Reprodução

Início das demissões

Após a polêmica da carta às escolas, o presidente Jair Bolsonaro determinou que o ministro demitisse não só assessores, mas também militares do ministério. A ação era uma tentativa de aplacar a guerra interna da pasta.

No dia 11 de março, em edição extra do Diário Oficial, o governo Bolsonaro exonerou seis nomes que ocupavam cargos do alto escalão do Ministério da Educação:

  • Tiago Tondinelli, chefe de gabinete do ministro da Educação;
  • Eduardo Miranda Freire de Melo, secretário-executivo adjunto da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação;
  • Ricardo Wagner Roquetti, coronel que atuava como diretor de programa da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação;
  • Claudio Titericz, diretor de programa da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação;
  • Silvio Grimaldo de Camargo, assessor especial do ministro da Educação;
  • Tiago Levi Diniz Lima, diretor de Formação Profissional e Inovação da Fundação Joaquim Nabuco.

Nessa mesma edição, foram nomeados os novos ocupantes de três dos seis cargos que haviam ficado vagos:

  • Josie Priscila Pereira de Jesus, nova chefe de gabinete do ministro Ricardo Vélez Rodríguez;
  • Robson Santos da Silva, diretor de Formação Profissional e Inovação da Fundação Joaquim Nabuco;
  • Rubens Barreto da Silva, novo secretário-executivo adjunto da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação.

Troca-troca do cargo número 2 do MEC

O cargo de secretário-executivo do MEC, considerado o “número 2” da pasta, está sem um responsável nomeado oficialmente. No site do governo, até terça (26), ainda constava “Luiz Antônio Tozi” como ocupante do posto. Nesta quarta, o campo estava em branco.

Tozi permaneceu no posto até o dia 12 de março. Nessa data, foi demitido como ato de uma "reestruturação" promovida pelo ministro Vélez.

Com a saída dele, o nome de Rubens Barreto da Silva, que até então era secretário-executivo adjunto, foi anunciado por rede social. A nomeação para o novo cargo, no entanto, não chegou a ser publicada no Diário Oficial da União.

Iolene Lima foi anunciada pelo ministro Vélez Rodríguez como secretária-executiva do MEC, mas não assumiu oficialmente o cargo — Foto: Reprodução/Twitter

Em 14 de março, Iolene Lima foi a terceira a ser indicada para este posto no MEC. Oito dias após ter sido anunciada pelo ministro, ela postou em rede social que não seguiria mais na pasta.

“(...) hoje, após uma semana de espera, recebi a informação que não faço mais parte do grupo do MEC”, postou ela em sua conta no Twitter. A nomeação dela nem mesmo foi publicada no Diário Oficial da União.

Comissão de fiscalização do Enem

Em 20 de março, o Inep criou uma comissão para verificar se as questões do Enem têm "pertinência com a realidade social". Segundo a portaria, o grupo deverá fazer uma "leitura transversal" das questões para emitir um parecer. O resultado do trabalho não será divulgado.

A comissão terá três membros: Marco Antônio Barroso Faria, secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC); Antônio Maurício Castanheira das Neves, diretor de Estudos Educacionais do Inep; e Gilberto Callado de Oliveira, procurador do Ministério Público de Santa Catarina.

Cadernos de prova do Enem 2018 — Foto: Ana Carolina Moreno/G1

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