Blog da Sandra Cohen

Por Sandra Cohen

Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'


O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, em imagem de agosto de 2019 — Foto: Tiksa Negeri / Reuters

Numa ascensão meteórica, Abiy Ahmed tornou-se premiê etíope há um ano e meio, promoveu, meses depois, a paz com a vizinha Eritreia, após duas décadas de um sangrento conflito, libertou milhares presos políticos e pôs o país de volta no trilho da democracia. É também o décimo segundo africano a levar o Prêmio Nobel da Paz -- uma distinção que, a partir de agora, lhe impõe mais desafios do que reconhecimento.

“A paz é uma mercadoria muito cara no meu país”, resumiu, ao ser informado de que fora escolhido pelo Comitê Nobel.

A revolução democrática que liderou em seu país começou por vencer resistências dentro seu próprio partido, a Frente Democrática Revolucionária Popular da Etiópia (EPRDF). Abiy protagonizou uma transformação da legenda, varrendo de seus quadros a velha guarda vinculada à corrupção.

Em abril de 2018, já nomeado líder do partido, substituiu o primeiro-ministro, Hailemariam Desalegn, tornando-se o chefe de governo mais jovem do continente. Rapidamente iniciou as reformas políticas, que chegaram juntamente com o fenômeno conhecido no país como “abiymania”. O lema direto -- união e inclusão -- nivelou sua popularidade à de um popstar.

A paz com a Eritreia pôs fim a uma guerra fronteiriça que deixou mais de 70 mil mortes, veio em seguida. Abiy foi recebido na capital do país vizinho como ídolo, por uma população cansada por 20 anos de conflito, apesar de compartilharem mesma cultura e idioma.

O premiê cumpria uma decisão de 2002, cedendo território e retirando suas forças da Eritreia. As comunicações foram rapidamente restauradas, e embaixadas reabertas em Adis Abeba e Asmara.

Abiy foi além: nomeou Sahle-Work Zewdea, a única presidente mulher da África, e promoveu um gabinete paritário. Abriu as portas a milhares de dissidentes que viviam no exterior.

As reformas não vieram impunemente. Em junho homens armados assassinaram cinco oficiais de alto escalão. O próprio premiê sofreu uma tentativa de atentado quando participava de um comício. “A morte não queria vir até mim, ela se afastou”, afirmou depois do ataque.

O Nobel da Paz é sinônimo de prestígio e, sem dúvida, ampliará sua influência, não apenas internamente, mas como uma espécie de mediador em outros conflitos em países vizinhos. O premiê etíope precisa desse crédito para implementar outras reformas, como a liberalização e abertura da economia, que enfrentam resistências. E também para enfrentar, em maio, o primeiro teste das urnas.

Seu país tem cerca de três milhões de deslocados internos -- o maior número do continente africano. A violência étnica impede a realização de um censo, que, por sua vez, dificulta a realização das eleições. Como Obama, em 2009, Abiy foi agraciado com o Nobel da Paz no primeiro ano de governo. Tem ainda imensos desafios a cumprir e uma longa história política a ser escrita.

Entenda o conflito entre Etiópia e Eritreia — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!