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OAB vai acionar STF para garantir autonomia universitária

Órgão teme violação de direito constitucional após anúncio do MEC de que cortará verbas de universidades que fizerem 'balbúrdia'
O ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: Jorge William
O ministro da Educação, Abraham Weintraub Foto: Jorge William

RIO - Após o anúncio do corte de verbas em universidades que promoverem "balbúrdia" e que não apresentarem "desempenho acadêmico esperado" — nas palavras do ministro da Educação, Abraham Weintraub —, o Conselho Federal da OAB decidiu acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por temer a violação da autonomia universitária. Trata-se de um direito previsto na Constituição que dá às instituições federais independência tanto didático-cietífica quanto administrativa.

Ao GLOBO, o presidente do conselho da OAB, Felipe Santa Cruz, informou que o órgão criou uma Comissão de Defesa da Autonomia Universitária que irá compilar casos em parceria com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), para apresentar uma ação ao STF.

O anúncio do corte de verbas às universidades que fizerem "balbúrdia" foi feito nesta terça-feira pelo ministro da Educação em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo". Weintraub afirmou que "universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas". Os critérios de avaliação, porém, não foram informados. A Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) confirmaram o bloqueio de recursos.

Santa Cruz diz que o anúncio do corte de verbas foi "a gota d'água num cenário de perseguição ideológica que põe em risco a autonomia universitária prevista na Constituição".

— O ministro fez a declaração mais ideologizada da história do Ministério da Educação. Um ministro que chegou à pasta se dizendo anti-ideologia agora preconiza um corte orçamentário claramente persecutório. É gravíssimo — afirma.

Para o presidente do conselho federal da OAB, a medida é "claramente persecutória", já que, segundo ele, os critérios que o MEC utiliza para justificar os cortes — de "balbúrdia" e  baixo "desempenho acadêmico" — não se confirmam:

— Balbúrdia é um conceito subjetivo, e, no entendimento do ministro, nada mais é do que divergência ideológica com o governo. Quanto à questão do desempenho, é também da ordem do absurdo, já que as instituições citadas são de excelência.

Professor de direito constitucional da UERJ, Rodrigo Brandão explica que a autonomia garante que as instituições tenham liberdade de cátedra e "possam definir livremente os conteúdos a serem ensinados, de forma independente das inclinações partidárias dos governos". O direito, complsta o especialista, também prevê autonomia administrativa e financeira, para que "as universidades usem com independência os recursos de que dispõem".

— A autonomia administrativa garante a autonomia científica, ou seja, existe justamente para que a retaliação financeira não seja um caminho para obrigar a universidade a ensinar o que um determinado governo quer — diz Brandão, que é presidente da Comissão de Processos Constitucionais da OAB-RJ.

Segundo ele, ao apontar como critério o que chamou de "balbúrdia", o ministro usa um conceito subjetivo "que parece estar no campo da liberdade de expressão".

— Não podemos nem sequer cravar que é uma violação à autonomia universitária porque a palavra "balbúrdia" é genérica, mas há uma aparência muito forte de violação da autonomia universitária. Atos que o governo aponta como balbúrdia podem ou não ser protegidos pela liberdade de expressão — afirma. — O fato de se cortar apenas de três instituição, de não ser um corte linear justificado por interesse público, reforça ainda mais esse cenário de aparente intervenção nas universidades.

STJ já defendeu autonomia nos campi

No ano passado, em meio à campanha presidencial, quando a Justiça eleitoral apreendeu materiais e proibiu manifestações consideradas políticas em universidades públicas, o Supremo Tribunal Federal lançou nota em defesa da autonomia universitária . Na ocasião, a UFF — a mesma que agora teve 30% dos recursos federais bloqueados pelo MEC — foi obrigada a retirar uma faixa com os dizeres "UFF Antifascista" instalada na fachada do prédio do curso de Direito da universidade. A retirada foi determinada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio e, à época, foi condenada por ministros do Supremo Tribunal Federal.

Na ocasião, Marco Aurélio Mello considerou "incabível" a interferência externa nos campi. E, em nota, o STF defendeu "a autonomia e a independência das universidades brasileiras, bem como o livre exercício do pensar, da expressão e da manifestação pacífica". O texto dizia: "Essa Liberdade é o pilar sobre o qual se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito".