Blog do Helio Gurovitz

Por Helio Gurovitz

Diretor de redação da revista Época por 9 anos, tem um olhar único sobre o noticiário. Vai ajudar você a entender melhor o Brasil e o mundo. Sem provincianismo


O presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, em protesto nesta quarta (1º/5), em Caracas — Foto: Federico Parra/AFP

O fracasso na tentativa de derrubar o ditador Nicolás Maduro é resultado de erros do presidente interino Juan Guaidó na condução da mobilização popular, até agora insuficiente e reprimida com violência. Os principais:

  1. Militares – Pelas informações disponíveis, as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) estavam divididas sobre manter apoio a uma ditadura que fraqueja, cujo único apoio internacional – e sem convicção – se restringe à Rússia de Vladimir Putin. O líder do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), general Manuel Ricardo Figuera, publicou uma carta ambígua, em que demonstrava inquietação com Maduro e afirmava ser necessário buscar “outras formas de fazer política”. A deserção de Figuera foi a senha para a libertação do oposicionista Leopoldo López da prisão domiciliar. O próprio ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e o comandante da guarda presidencial, Ivan Hernández, segundo informações do governo americano, estavam prontos a apoiar a rebelião contra Maduro. Guaidó, contudo, foi incapaz de atrair militares de alta patente para seu movimento. Confundiu declarações ambíguas com lealdade. Os generais são o fator decisivo em qualquer tentativa de deposição, mas não basta conclamá-los. É preciso garantias na hora H – e isso Guaidó jamais conseguiu. Não havia um único militar de alta patente com ele no vídeo em que apareceu ao lado de López e soldados na base aérea de La Carlota.
  2. Redes sociais – O vídeo foi transmitido pelo Periscope, não pela televisão. No roteiro clássico, golpes começam pela tomada de estações de TV, instalações militares, telefônicas, distribuidoras de energia e redes de transporte. A importância da TV não está apenas em atingir uma parcela maior da população. O essencial é que transmite aos generais reticentes e à cúpula militar a sensação de que o novo regime está no controle da situação e, com isso, os incentiva a aderir. Twitter, Facebook Live ou Periscope transmitem a sensação contrária, de improviso e fragilidade. Na Turquia, Recep Erdogan usou uma transmissão pela internet para conter o golpe que tentou derrubá-lo em 2016, mas tomou um cuidado: como os rebeldes haviam ocupado canais de TV, assegurou que fosse retransmitida pela CNN, com isso garantiu força sobre as lideranças militares. Guaidó foi incapaz de levar sua mensagem à TV. Os chavistas, ao contrário, a usaram para garantir à população (e sobretudo aos militares) que continuavam no comando. À noite, Maduro apareceu ao lado de Padrino em cadeia nacional, nomeou um novo diretor do Sebin e assegurou manter o apoio militar. Diante disso, quem desertaria?
  3. Mobilização – A estratégia de Guaidó contava (e ainda conta) com a mobilização da massa. Nenhuma revolução existe sem ela. Multidões nas ruas também pressionam os militares, pois nenhum soldado gosta de atirar contra o próprio povo. Movimentos populares contam com a repressão para conquistar simpatia. Quanto mais imagens de tanques atropelando manifestantes, mais simpática a causa aos olhos do planeta. Embora tenha conseguido levar dezenas de milhares às ruas de Caracas, o caráter improvisado dos protestos foi insuficiente para gerar desconforto entre os militares. A repressão brutal e violenta gera imagens fortes, mas também contribui para dissuadir a população a participar das novas investidas. Não há acapampamentos nem centros de resistência organizados, como havia nas praças Tahrir, no Egito, ou Maidan, na Ucrânia. Sem isso, a queda do governo é menos provável, pois passa a depender exclusivamente da vontade das lideranças militares.
  4. Apoio internacional – Guaidó obteve o reconhecimento de mais de 50 países, entre eles todas as democracias que importam. Sua legitimidade para liderar a transição venezuelana está fora de questão. Mas nem o governo americano nem o Grupo de Lima, forças que sustentam todas as suas iniciativas, lhe garantiram apoio militar. Ao contrário, intervenções na Venezuela são descartadas pelos principais países da região: Brasil, Colômbia e Estados Unidos. Isso ficou mais claro desde fevereiro, quando Guaidó tentou liderar o comboio de ajuda humanitária, barrado por Maduro na fronteira com a Colômbia. Não interessa a ninguém enviar tropas para derrubá-lo. Isso torna ainda maior a dependência de Guaidó dos militares venezuelano para tomar o poder.

O desfecho continua incerto. Maduro deverá reprimir os protestos com força e afiará as garras de sua ditadura. Mesmo Rússia ou China, únicos países com estatura para garanti-lo no poder (Cuba, Turquia ou Irã são coadjuvantes), sabem que seu governo tem um limite, diante de uma crise humanitária e migratória sem precedentes.

Por mais que Maduro resista temporariamente, um dia cai. Isso ainda depende de convencer Putin e os militares a abandoná-lo (algo que quase aconteceu). Guaidó pode ter cometido erros em série, mas é preciso não perder de vista um fato: o verdadeiro problema da Venezuela se chama Nicolás Maduro.

— Foto: Arte/G1

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