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Política

Filho de vítima da organização de Battisti: "Acabou. Acho que agora acabou mesmo"

Alberto Torregiani era adolescente quando ficou paraplégico em atentado que matou seu pai
Alberto Torregiani durante entrevista concedida em 2011, na Itália Foto: ALESSANDRO GAROFALO / Reuters
Alberto Torregiani durante entrevista concedida em 2011, na Itália Foto: ALESSANDRO GAROFALO / Reuters

MILÃO — Alberto Torregiani ainda era adolescente quando ficou paraplégico durante o atentado que levou à morte seu pai, o joalheiro Pierluigi Torregiani. O crime, ocorrido em 16 de fevereiro de 1979, na Itália, foi atribuído a um dos comandos dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), organização extremista da qual participava Cesare Battisti . Neste sábado, com a prisão de Battisti, na Bolívia, Torregiani fez uma única declaração por meio da agência de notícias italiana Ansa:

— Acabou. Acho que agora acabou mesmo — disse o italiano, que ficou sem o movimento das pernas ao ser baleado na coluna.

Durante anos, Torregiani teve de lidar com a raiva e a desilusão quando o assunto era o governo brasileiro. No último dia do ano de 2010, ele saiu de sua cidade Novara e percorreu mais de 50 quilômetros até os estúdios da Sky TV, em Milão. Convidado para participar de um dos programas da emissora, ele aguardava ansioso notícias do Brasil. No seu último dia de mandato, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou o pedido de extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos ocorridos nos anos 70. Entre eles, o de seu pai.

No dia seguinte, Torregiani conta que não comemorou a chegada do primeiro dia do ano de 2011 mas que, mais uma vez, tentou se munir de coragem na esperança de um dia ver o homem que destruiu a sua vida atrás das grades.

— Quero simplesmente justiça — evocou Torregiani, o principal nome das vítimas de Cesare Battisti, em entrevista ao O GLOBO, feita em novembro de 2017.

Questões existentes entre Torregiani e o governo brasiliano foram assimiladas durante os últimos anos até que, no início de outubro do ano passado, a prisão do ex-militante italiano, em Corumbá, por tentar sair com dinheiro não declarado, reavivou as expectativas do italiano, hoje com 54 anos.

— Na época, o fato do presidente Michel Temer ter se mostrado favorável ao pedido de extradição por parte do governo italiano nos encheu de esperança. Battisti sempre disse ter se arrependido e chegou até a se declarar um ex-terrorista. Para isso, é preciso que ele cumpra sua pena. Eu, por outro lado, jamais seria uma ex-vítima — observou o italiano que, em 2006, escreveu um livro para contar a sua história: "Ero in Guerra e Non lo Sapevo" (Eu estava em guerra e não sabia).

E foi justamente com a publicação das suas memórias que Alberto Torregiani, com um doutorado em informática e hoje funcionário administrativo na prefeitura da cidade de Novara, contou sua versão. Do outro lado do Atlântico, Cesare Battisti, que, em 2007, foi preso no Brasil, sempre bradou sua inocência e chegou até mesmo a declarar que ele e o filho do joalheiro assassinado mantinham um contato amigável.

— Eu jamais conversei com Cesare Battisti. Não nego que uma amiga sua tenha me procurado. Em relação ao livro, é a minha história, não a dele. Battisti adora inventar fatos para criar comoção e dizer que é um injustiçado — sintetizou ele.

Torregiani, porém, reconheceu que o ex-militante não esteve presente no dia do atentado.

— Ele é o mandante. Foi julgado, condenado e a sentença foi confirmada pela Corte de Cassação da Itália. Se ele se diz inocente, então que apresente as provas — sugere Alberto que, no dia 24 de outubro de 2017, viu suas esperanças evaporarem quando a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) adiou a decisão sobre a extradição do ex-terrorista.

A extradição de Cesara Battisti e a sua prisão na Itália é o que falta para cicatrizar as feridas em Alberto Torregiani.

— Vê-lo sorrindo para os fotógrafos, com um copo de cerveja na mão, era um atentado a moral das vítimas — criticou ele diante do que chama de atrevimento de Cesare Battisti ao se deparar com a foto que foi publicada pelos jornais italianos logo após o ex-militante ser liberado pela Justiça há dois anos.

Antes mesmo da eleição do presidente Jair Bolsonaro, há um ano, o italiano já ratificava sua confiança na justiça brasileira e advertia aos mais céticos:

— Se ele (Battisti) não voltar à Itália pelas mãos das autoridades, irei eu mesmo trazê-lo de volta.

*Especial pro GLOBO